Omercado financeiro iniciou 2023 com uma forte demonstração de descontentamento de investidores com o discurso de posse e as primeiras ações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A leitura feita por analistas é de que há sinais claros de que o governo será mais intervencionista na economia do que se esperava, com consistente uso de empresas públicas.
A leitura feita por analistas é de que há sinais claros de que o governo será mais intervencionista na economia do que se esperava.
O dólar começou 2023 em alta | Walter Campanato/ABr |
Há também piora nas expectativas quanto ao controle
dos gastos públicos, sentimento que ganhou força após o anúncio da manutenção
da desoneração por dois meses para gasolina e etanol, e por um ano para diesel,
biodiesel e gás de cozinha.
Os juros futuros fecharam em forte elevação, com as
taxas DI (Depósitos Interbancários) para 2025 saltando de 12,66% para 12,93% ao
ano. Nos contratos para 2027, o indicador passou de 12,61% para 12,92%.
No mercado de câmbio, o dólar comercial à vista
fechou o pregão desta segunda-feira (2) com ganho de 1,47% sobre o real, cotado
a R$ 5,3570. Na Bolsa, o índice de referência Ibovespa caiu 3,06%, aos 106.376
pontos.
Desvalorizações
expressivas de companhias controladas pelo governo federal respondem por grande
parte da perda do Ibovespa nesta sessão. Papéis mais negociados no dia, as
ações preferenciais da Petrobras tombaram 6,45%, enquanto as ações ordinárias
da estatal mergulharam 6,66%. O Banco do Brasil perdeu 4,23%.
Com as principais Bolsas do exterior fechadas
devido ao prolongamento do feriado de Ano-Novo, a tendência de queda foi
reforçada devido à ausência do fluxo de investidores estrangeiros, mais
otimistas com o novo governo do que os locais, segundo analistas. O baixo
volume movimentado também tornou as oscilações mais exageradas.
Empresas com grande participação do governo, como
Banco do Brasil, BB Seguridade, Eletrobras, Caixa Seguridade e Petrobras
perderam, juntas, R$ 31,8 bilhões em valor de mercado nesta segunda, sendo que
só a Petrobras respondeu por R$ 22,76 bilhões desse total, segundo levantamento
da plataforma TradeMap.
Lula fez em seus
discursos de posse uma forte defesa do Estado no desenvolvimento econômico do
país. Ao falar em sessão no Congresso, citou bancos públicos e outras empresas
estatais como atores do processo e citou especificamente o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e empresas indutoras "de
crescimento e inovação, como a Petrobras".
O presidente assinou ainda no domingo as primeiras
medidas na área econômica, entre as quais uma determinação para que os
ministros tomem providências para retirar as estatais do programa de
privatizações.
A medida atinge em especial a Petrobras e os Correios,
que estavam em processo para privatização já sob análise de membros do TCU
(Tribunal de Contas da União).
Essa mudança de postura quanto à condução das
estatais é observada por investidores como o encerramento de um programa de
desestatização em curso desde a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e
que agradava o mercado, segundo Matheus Pizzani, economista da CM Capital.
"Além disso, há
um peso bastante negativo das falas de Lula por conta do papel das estatais na
indução do desenvolvimento econômico, sobretudo dos bancos, como Banco do
Brasil, Caixa e do próprio BNDES", afirma Pizzani.
"O Estado tem uma fatia de responsabilidade na
indução de crescimento de uma economia, mas ele não deve ser o protagonista do
crescimento", diz Vinícius Teixeira, sócio da Messem Investimentos.
Analista da Senso Investimentos, João Augusto Frota
afirma que a queda das ações do BB reflete o fato de o banco ser um indutor de
políticas públicas no novo governo. "O receito de recrudescer o índice de
inadimplência é forte, o que amplia o risco do BB", afirma o analista.
Ele diz ainda que a nova presidente do banco,
Tarciana Medeiros, é funcionária de carreira e teve pouca influência na queda
das ações. "O fato é que ela terá pouca margem de manobra, se quiser
manter o cargo, não contrariando os interesses iniciais do governo."
Há também dúvidas
sobre como o governo limitará os gastos, medida apontada como necessária para
manter o país atrativo para investidores sem a necessidade de ampliar ainda
mais o prêmio de risco, ou seja, os juros da dívida pública.
Nesse sentido, Pizzani avaliou como positivo o
compromisso reforçado pelo ministro Fernando Haddad (PT). Ao assumir a Fazenda
nesta segunda-feira (2), ele reafirmou que enviará ao Congresso Nacional ainda
no primeiro semestre a proposta de substituição ao teto de gastos.
Na véspera, durante a posse, Lula chamou o teto de
gastos de "estupidez", e disse que ele será revogado. A medida já era
prevista pela PEC da Gastança, que elevou o teto e permitiu gastos fora dele,
mas estabeleceu que o Executivo deve apresentar uma nova regra para as contas
públicas para substituir o atual.
Rodrigo Moliterno,
chefe de renda variável da Veedha Investimentos, afirma que a crítica de Lula à
âncora fiscal está entre os pontos que provocaram maior preocupação entre
investidores nesta segunda. "Isso dá uma clara noção de como o governo irá
atuar e, fica claro também, que não há nenhum apreço pela questão do teto de
gastos."
Lula assinou também a MP (medida provisória) que
prorroga a desoneração de combustíveis no país, medida criada por Jair
Bolsonaro (PL) em meio ao avanço dos preços do petróleo e que tinha como prazo
31 de dezembro de 2022.
Analistas avaliaram a decisão como uma derrota de
Haddad, que na semana passada havia solicitado ao governo Bolsonaro que não
prorrogasse a desoneração dos combustíveis. "O Lula passou a caneta na
frente e prorrogou, sem demonstrar preocupação com a questão fiscal",
disse Moliterno.
Escolhido pelo PT
para a presidência da Petrobras, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) afirmou que
a desoneração é válida por 60 dias e defendeu a reoneração em março. Segundo
ele, no entanto, para o diesel e o GLP (gás liquefeito de petróleo, o gás de
cozinha) está sendo estudada uma continuidade maior da desoneração -de seis
meses a um ano.
Prates também disse na última sexta-feira (30) que
pretender revisar a política de preços dos combustíveis da estatal, adotada no
governo Michel Temer e reforçada pelo governo Jair Bolsonaro, que prevê o
acompanhamento da paridade de importação, conceito que simula quanto custaria
para importar os produtos.
"A expectativa é que o futuro presidente da
Petrobras promova uma redução dos preços nas refinarias que compense, em parte,
o efeito do fim da desoneração dos impostos federais em determinado momento do
governo atual", afirmou Frota, da Senso Investimentos, acrescentando que o
presidente Lula frisou que os preços vão cair com a nova diretoria da
Petrobras.
Entre a derrota de
Haddad quanto aos combustíveis e o tom do discurso de posse de Lula, o segundo
é o que mais afetou o humor do mercado, de acordo com Leandro Petrokas, diretor
de pesquisa e sócio da Quantzed.
"Parece que o fato de o Fernando Haddad
mostrar fraqueza não pesam muito, pois já era esperado pelo mercado um ministro
sem ideias próprias, bem como a indicação de um politico, em vez de um técnico,
já sinalizava mais um elo para defender a opinião do presidente", afirmou
Petrokas.
João Abdouni, analista da INV, também atribuiu às
declarações de Lula o fator a exercer o principal peso negativo sobre a Bolsa.
"Só podemos imaginar que esse descontentamento do mercado esteja
relacionado às falas de Lula, sobretudo quanto à Petrobras", comentou.
Na esteira do
prolongamento da desoneração dos combustíveis, as ações da São Martinho
despencaram quase 11,39%. O grupo produz etanol, que enfrenta concorrência dos
combustíveis derivados do petróleo e, nesse aspecto, é desfavorecido pela
redução da tributação, segundo Heitor Martins, especialista em renda variável
na Nexgen Capital.
"É um papel de uma empresa que trabalha com
derivados da cana e, no caso dos combustíveis, o etanol. A desoneração reduz
tanto o preço da gasolina, quanto o do etanol. Mas em um cenário com os dois
combustíveis custando menos, é esperado o aumento de demanda por gasolina."
BOLSA SOBE MENOS DO QUE A INFLAÇÃO EM 2022, MAS
SUPERA EXTERIOR
Na quinta-feira (29), a Bolsa de Valores brasileira
fechou 2022 com um ganho acumulado de 4,69%, abaixo da expectativa de inflação
de 5,6% para o ano passado, estimada por analistas consultados pelo Banco
Central.
O resultado positivo
da Bolsa brasileira superou, porém, os principais mercados do exterior,
castigados pela volatilidade provocada por uma crise inflacionária mundial.
O mercado de ações dos Estados Unidos encerrou na
sexta-feira (30) o seu pior ano desde a crise do setor imobiliário americano de
2008. A rápida elevação da taxa de juros no país, medida adotada para combater
a maior inflação em quatro décadas, está por trás desse resultado.
Além da concorrência que a renda fixa representa
para o mercado de ações, analistas passaram a temer que o aperto à oferta de
crédito poderá resultar em uma recessão global em 2023, o que seria um cenário
ainda pior para as empresas e isso afugentou ainda mais investidores dos
chamados mercados de risco.
Referência para os papéis negociados na Bolsa de
Nova York, o indicador S&P 500 fechou o ano em queda de 19,5%, o pior
resultado anual desde o tombo de 38,5% há 14 anos.
Com um mergulho ainda
maior, o índice Nasdaq perdeu 33% neste ano, chegando perto da queda de 40,5%
no ano da crise financeira. É neste segmento que estão as médias empresas com
grande potencial de crescimento, muitas da área de tecnologia. É um setor
sensível à alta dos juros porque o crédito barato se faz necessário para a
expansão desses negócios.
MERCADO ESPERA AVANÇO DA INFLAÇÃO EM 2023
Analistas consultados pelo Banco Central encerraram
2022 elevando as projeções para inflação e prevendo menos cortes para a taxa
básica de juros neste novo ano, de acordo com a pesquisa Focus divulgada nesta
segunda-feira (2).
O levantamento, que capta a percepção do mercado
para indicadores econômicos, foi fechado na sexta-feira, dia 30 de dezembro,
antes da posse de Lula para seu terceiro mandato como presidente, no domingo.
O Focus apontou que a
expectativa é de que o IPCA tenha encerrado 2022 com alta de 5,62%, contra
5,64% antes. Mas para este ano a conta subiu em 0,08 ponto percentual, para
5,31%. Para 2024 também houve aumento, de 0,05 ponto, para 3,65%.
Em todos os casos, as perspectivas para a inflação
superam o centro da meta para cada ano (3,5% para 2022, 3,25% para 2023 e 3,00%
para 2024), sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais
ou menos.
A pressão inflacionária levou os especialistas
consultados a preverem uma taxa básica de juros mais alta este ano, de 12,25%
contra 12,00% antes, calculando assim menos cortes para a Selic ante o patamar
atual de 13,75%. Para 2024 segue a expectativa de que a taxa encerre a 9,00%.
Étore Sanchez e André
Coelho, da Ativa Investimentos, afirmaram em análise divulgada nesta manhã que
o primeiro Focus de 2023 mostra "uma piora significativa da conjuntura, em
especial na continuidade do processo dedesancoragem das expectativas de
inflação para horizontes mais longos".
Autor: Clayton Castelani E Lucas
Bombana/Folhapress
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