A vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desagradou aos mais radicais que pedem até um golpe militar. Mas a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) — que tem uma péssima imagem no exterior — reverberou positivamente no cenário internacional e recolocou o Brasil em uma posição de protagonista global em vez de pária, devido ao desmatamento recorde na Amazônia, ao aumento da pobreza e ao grande número de mortos pela covid-19: quase 700 mil, que colocaram o país na vice-liderança global, atrás apenas dos Estados Unidos.
Vista parcial da festa de comemoração da vitória de Lula na Paulista (Foto: Reprodução/Twitter)
O
reconhecimento do presidente eleito por grandes líderes globais ocorreu antes
mesmo de Bolsonaro, um marco na diplomacia global na defesa da democracia. A
percepção do Brasil no exterior mudou da água para o vinho, até mesmo o
tratamento entre diplomatas de representações do Brasil em território
estrangeiro. Com isso, um novo Brasil está emergindo com Lula, que disse em seu
discurso da vitória que vai recuperar o protagonismo do país na política
externa e combater o desmatamento das florestas.
A
confirmação de Lula e da ex-ministra do Meio Ambiente e deputada eleita Marina
Silva (Rede-SP), na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas
(ONU), em Sharm el-Sheikh, no Egito, a COP 27, a partir deste domingo e vai até
o dia 18 (leia mais na página 6), será o palco para o presidente brilhar como
estadista e para ambos confirmarem o compromisso do país em zerar o
desmatamento no país a partir de 2023, de acordo com especialistas ouvidos pelo
Correio.
Fontes
da chancelaria brasileira contaram que o clima já mudou lá fora e há maior
receptividade em relação ao país antes mesmo da troca de governo. A expectativa
entre eles é de aumento do interesse de vários países em reatar os laços com a
maior economia da América Latina, que estava escanteada nos encontros
multilaterais, a partir de 2023. No Itamaraty, técnicos já consideram que a
posse de Lula deverá ser bastante concorrida, com a presença de vários líderes,
sobretudo (mas não apenas) de países latinos-americanos. Em 1º de janeiro de
2019, 10 chefes de Estado e de governo participaram da posse de Bolsonaro,
incluindo os primeiros-ministros de Israel, Benjamin Netanyahu, que acabou de
ser eleito para retornar ao poder, e da Hungria, Viktor Orbán, ambos de extrema
direita.
Na
avaliação do economista Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial, o
Brasil vai deixar de ser pária internacional à medida em que a política
ambiental de Bolsonaro for revertida. "Haverá o trabalho de reconstrução
do que o governo atual destruiu, algo não imediato. Um indicador importante
estará, entre outros, no ritmo de desmatamento conforme capturado por
satélites. Nessa correção de rumo ambiental repousa a manifestação imediata de
chefes de Estado após as eleições, assim como em seu desejo de ver encerrada a
deterioração institucional do período Bolsonaro", explica.
Mudança
de paradigma
O
diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, reconhece
que a rapidez e o calor das relações internacionais após a vitória de Lula
surpreenderam. "Mostra que o mundo realmente sentia saudades de um 'outro
Brasil' e que agora aplaude sua volta. A reação se deve em parte à imagem
positiva que Lula deixou no exterior, sobretudo pela sua história de vida e
pela ação de combate à pobreza, a iniciativas como a Bolsa Família, aplaudidas
universalmente. Em parte, contudo, a reação reflete o alívio pela derrota de
Bolsonaro. Num mundo tão angustiado com problemas como a guerra na Ucrânia e o
recuo da democracia em tantos países, ultimamente até na Europa com as vitórias
da extrema direita na Itália e na Suécia, o resultado da eleição brasileira é
uma das raras boas notícias. E, por isso, alegra e anima a todos", diz.
Na
avaliação dele, o rótulo de pária global, que chegou a ser defendido pelo
ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, deriva, principalmente, da
hostilidade de Bolsonaro às críticas em relação à destruição da Amazônia e do
meio ambiente em geral. "O que mais vem sendo realçado na imprensa
estrangeira sobre o primeiro grande discurso de Lula na noite da vitória reside
justamente no compromisso do futuro presidente com o desmatamento zero no
Brasil. Com isso, todas as portas se reabrem", avalia.
Para
José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Conselho Curador do Centro
Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), o Brasil não chegou a ser visto
como pária global, mas, sim, o presidente do país, que optou pelo isolamento.
"Agora, o Brasil passará a ter uma espécie de sobrevida e um crédito de
confiança a partir do momento em que mudam os atores da política externa",
afirma o embaixador. Ele ainda ressaltou o fato de Bolsonaro ter se colocado em
posição de "pato manco" (expressão americana para um líder que perde
o poder no cargo) ao demorar para reconhecer a derrota e dar sinal verde para a
transição.
Um
sinal claro dessa mudança de paradigma do Brasil no cenário externo ocorreu
logo após a confirmação do vencedor pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O
reconhecimento da vitória nas urnas pelos mais importantes líderes globais,
como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi imediato. O democrata foi
um dos primeiros a felicitar Lula, por meio de uma nota emitida pela Casa
Branca e, depois, por meio de um telefonema, demonstrou interesse em uma
aproximação que nunca ofereceu a Bolsonaro, que demorou 38 dias para reconhecer
a vitória de Biden sobre o ex-presidente norte-americano Donald Trump.
Publicado
originalmente no portal Correio
Braziliense
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