O corte de despesas promovido pelo governo Jair Bolsonaro para acomodar os R$ 19,4 bilhões reservados ao orçamento secreto, usado para acordos políticos, atingiu os recursos destinados a investimentos para prevenção e controle do câncer, historicamente a segunda doença que mais mata no País. A verba foi reduzida em 45%, passando de R$ 175 milhões para R$ 97 milhões, em 2023.
Para assegurar mais dinheiro a emendas, governo corta 59% das
verbas previstas para programa de medicamentos que atende mais de 21 milhões de
brasileiros.
Os
recursos fazem parte de um dos programas considerados como ‘estratégicos’ pelo
Ministério da Saúde, a Rede de Atenção à Pessoa com Doenças Crônicas –
Oncologia. Anualmente, a própria pasta costuma recorrer a deputados e senadores
para turbinar as verbas do programa, agora à míngua, por meio das emendas
parlamentares individuais ou de bancada.
Para
assegurar mais dinheiro a emendas, governo corta 59% das verbas previstas para
programa de medicamentos que atende mais de 21 milhões de brasileiros.
Com
a rubrica ‘estruturação de unidades de atenção especializada’, atingida pela
tesourada, o Ministério da Saúde repassa dinheiro a governos estaduais,
prefeituras e entidades sem fins lucrativos para implementar, aparelhar e
expandir os serviços de saúde hospitalares e ambulatoriais. A verba pode bancar
a construção, ampliação, reforma e aquisição de equipamentos e materiais
permanentes.
O
governo reservou para este ano R$ 520 milhões para todas as ações, que foram
reforçadas por emendas e chegaram a R$ 1,9 bilhão. Em 2023, o governo reservou
apenas R$ 202 milhões, somados todos os planos de aplicação, uma queda de R$
318 milhões.
Além
do controle do câncer, o governo Bolsonaro reduziu a reserva de dinheiro
público para incrementar a estrutura de hospitais e ambulatórios especializados
que fazem parte de redes focadas em outros três grupos: a gestantes e bebês, a
Rede Cegonha; a dependentes de drogas e portadores de transtornos mentais, Rede
de Atenção Psicossocial – Raps; e a Rede de Cuidados a Pessoas com Deficiência,
voltado para reabilitação. As três são consideradas ‘estratégicas’.
Entre
os equipamentos que costumam ser adquiridos com recursos do programa estão
tomógrafos, aparelhos de raio-X, de ressonância magnética, de megavoltagem para
radioterapia, macas, cadeiras de rodas, incubadoras, oxímetros, ventiladores
pulmonares, desfibriladores, entre outros.
O
corte pode prejudicar, por exemplo, a reforma e a compra de equipamentos para
centros de parto normal, maternidades, bancos de leite humano, UTIs neonatais,
hospitais psiquiátricos, centros de reabilitação, oficinas ortopédicas, centros
de referência de alta complexidade em oncologia, laboratórios e serviços de
referência para diagnóstico do câncer de mama e do colo de útero.
Entre
as mulheres, o câncer de mama é o que tem mais incidência no Brasil, com 30%
dos casos. Entre os homens, o de próstata responde por 29%, conforme dados de
2020 do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O governo não cortou a verba do
Inca: serão R$ 430 milhões para 2023, R$ 5 milhões a mais do que dispõe
atualmente. Porém, o impacto vai além.
No
caso da Rede de Atenção a Pessoas com Deficiência a queda foi de 56%, passando
de R$ 133 milhões para R$ 58 milhões previstos pelo governo. A Rede Cegonha e a
Rede de Atenção Psicossocial (Raps) tiveram redução de 61%, com orçamento
caindo, respectivamente, de R$ 44 milhões para R$ 17 milhões e de R$ 18 milhões
para R$ 7 milhões. Despesas diversas caíram de R$ 150 milhões para R$ 23
milhões.
O
acesso a médicos em áreas remotas da Amazônia também foi prejudicado. Os
atendimentos e consultas feitos por militares do Exército e da Marinha a
ribeirinhos e moradores de regiões de fronteira ou difícil acesso serão
limitados, por causa da queda orçamentária. O repasse do Fundo Nacional de
Saúde aos comandos militares cairá para R$ 8,1 milhões, ante os R$ 21 milhões
transferidos atualmente.
No
Brasil pós-pandemia, mais uma vez perde a população e os investimentos
estratégicos para estruturar a rede, que serão reduzidos em prol de gastos de
baixa qualidade, que atendem muitas vezes interesses particulares em detrimento
da alocação a partir da gestão tripartite do SUS (Sistema Único de Saúde)
O
Brasil Sorridente, programa com foco na saúde bucal, também perdeu 61% das
verbas destinadas a compra de equipamentos odontológicos, reforma e construção
de centros de especialidades e laboratórios de próteses dentárias. Antes com R$
27 milhões, o programa agora terá R$ 10,5 milhões.
Para
reservar R$ 19,4 bilhões ao orçamento secreto, o governo Bolsonaro determinou
um corte linear de 60% nas verbas da saúde. Como revelou Estadão, a decisão
comprometeu, além das verbas para investimento, programas de atendimento
direto, como o Farmácia Popular, que distribui medicamentos gratuitamente ou
com desconto, e os atendimentos do programa Mais Médicos e Médicos pelo Brasil,
cujo objetivo é suprir a carência por atendimentos e minimizar a disparidade
regional na distribuição dos profissionais pelo território.
No
caso do Farmácia Popular, a verba caiu de R$ 2,4 bilhões para R$ 1 bilhão, um
corte de 59%. O programa fornece medicamentos para asma, hipertensão e
diabetes, entre outros, assim como fraldas geriátricas. Mais Médicos e Médicos
pelo Brasil perderão metade dos recursos: de R$ 2,96 bilhões para R$ 1,46
bilhão.
Depois
da repercussão eleitoral negativa, o presidente Bolsonaro e ministros se
apressaram em dizer que os programas poderão ter orçamento revisto durante
negociação no Congresso. A recomposição, entretanto, depende de acordo político
e não tem garantias de que ocorrerá. ‘O Ministério da Saúde está atento às
necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as
adequações necessárias na proposta orçamentária para 2023?, disse a pasta, em
nota à reportagem.
‘No
Brasil pós-pandemia, mais uma vez perde a população e os investimentos
estratégicos para estruturar a rede, que serão reduzidos em prol de gastos de
baixa qualidade, que atendem muitas vezes interesses particulares em detrimento
da alocação a partir da gestão tripartite do SUS (Sistema Único de Saúde)’, diz
o economista Carlos Ocké, doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina
Social Hesio Cordeiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e
pós-doutor pela Yale School of Management.
Fonte: Estadão Online
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