A Polícia Federal afirmou ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, na quarta-feira (17), que há indícios de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) cometeu crime na transmissão ao vivo em que fez uma falsa associação entre a vacinação contra a Covid-19 e o risco de se contrair o vírus da Aids.
Inquérito da Polícia Federal pediu ao STF que o presidente seja indiciado pelo crime de disseminar informações falsas sobre a vacina contra a covid-19 e um suposto risco de contaminação por HIV.
Presidente Jair Bolsonaro pode ser indiciado pelo STF por supostos crimes cometidos em live | Isaac Nóbrega/Presidência da República |
Na mesma live, o presidente desestimulou o uso de
máscaras, o que a PF vê como possibilidade de incitação ao crime, infração que
tem pena de três a seis meses ou multa. Para o órgão, houve ainda a
contravenção de "provocar alarma, anunciando desastre ou perigo
inexistente".
Além do presidente, a PF também cita Mauro Cid, ajudante de ordens do
presidente, que teria produzido o texto com informações inverídicas usado por
Bolsonaro na transmissão em que fez as declarações a respeito do tema.
A delegada pede ao ministro "para serem
formalizados os respectivos indiciamentos nos presentes autos".
Sugere, porém, que seja julgado antes um recurso da
Procuradoria-Geral da República que tinha questionado a decisão por meio da
qual foi determinada a instauração do inquérito sobre o caso.
Esse recurso foi levado a julgamento por Moraes na
última semana, mas acabou suspenso por um pedido de vista (mais tempo para
análise) do ministro André Mendonça, também do Supremo.
A PF ainda solicita que possa tomar o depoimento de
Bolsonaro no inquérito em formato presencial ou por escrito, a depender da
decisão de Moraes.
Segundo relatório da PF no inquérito sobre o caso, assinado pela
delegada Lorena Lima Nascimento, Bolsonaro disseminou as informações falsas em
uma live de maneira voluntária e consciente.
A delegada afirma que ele causou "verdadeiro
potencial de provocar alarma junto aos expectadores, ao propagar a
desinformação de que os 'totalmente vacinados contra a Covid-19' estariam
'desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido que o
previsto', e que essa informação teria sido extraída de 'relatórios do governo
do Reino Unido'."
A PF também pediu o indiciamento de Bolsonaro por,
na mesma transmissão, ter disseminado "a desinformação de que as vítimas
da gripe espanhola, na verdade teriam morrido em decorrência de pneumonia
bacteriana, causada pelo uso de máscara, incutindo na mente dos expectadores um
verdadeiro desestímulo ao seu uso no combate à Covid-19".
LIVE
Em sua live semanal, no dia 21 de outubro do ano passado, Bolsonaro leu
uma suposta notícia dizendo que "vacinados [contra a Covid] estão
desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids]". Dias
depois, Facebook e Instagram derrubaram o vídeo.
De acordo com porta-voz da companhia, o motivo para
a exclusão foram as políticas da empresa relacionadas à vacina da Covid-19.
"Nossas políticas não permitem alegações de que as vacinas de Covid-19
matam ou podem causar danos graves às pessoas."
Na ocasião, Bolsonaro disse aos seguidores que não
comentaria a notícia e orientou que os interessados buscassem a reportagem.
"Posso ter problema com a minha live. Não quero que caia a live aqui, quero
dar informações", afirmou, um dia após o Brasil atingir metade da
população completamente imunizada contra a Covid-19.
DESVIRTUAMENTO
De acordo com a delegada, Mauro Cid desvirtuou conteúdos encontrados na
internet ao elaborar o texto sobre o tema. Em depoimento, ele alegou que havia
encontrado a relação em sites de veículos renomados na internet.
O conteúdo que ele cita, porém, é diferente do que
foi dito pelo presidente em sua live.
"Todas as publicações mencionadas pelo
declarante [Mauro Cid], em nenhum momento, mencionam a existência de que essas
informações teriam sido provenientes de relatórios oficiais do governo do Reino
Unido, ou, ainda, que mencionados relatórios haviam sugerido que os totalmente
vacinados estariam desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito
mais rapidamente que o previsto", diz o relatório da Polícia Federal.
"O que se pode constatar, em todas as publicações, foi o relato de
que um grupo de pesquisadores, dentre os quais destaca-se a figura de Lawrence
Corey, especialista do Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson, nos
Estados Unidos, alertam para o fato de que algumas das vacinas contra a
Covid-19 atualmente em desenvolvimento poderiam aumentar o risco de contrair o
HIV."
"Novamente", acrescenta a Polícia Federal,
"em nenhum momento foi mencionado que os totalmente vacinados estariam
desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido do que
o previsto".
A delegada afirma ainda que a ação de promover o
desestímulo ao uso de máscaras, que era obrigatória à época, se enquadra na
possibilidade de incitação ao crime, já que ele divulgou as afirmações durante
um período em que era obrigatória a utilização da proteção sobre o nariz e a
boca.
INQUÉRITO
O inquérito sobre o caso foi aberto por Moraes em dezembro passado,
atendendo a um pedido da CPI da Covid do Senado.
Na decisão, o ministro fez críticas à estratégia da
PGR (Procuradoria-Geral da República) de abrir apenas uma apuração preliminar
interna para avaliar o caso.
"Não há dúvidas de que as
condutas noticiadas do presidente da República, no sentido de propagação de
notícias fraudulentas acerca da vacinação contra o Covid-19 utilizam-se do
modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais,
revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos
investigados", afirmou o ministro à época.
José Marques/Folhapress
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