Em 2006, quando Tasso Jereissati e o então governador Lúcio Alcântara se afastaram, o gesto se refletiu na corrida eleitoral. Candidato ao Governo, Cid Gomes venceu a disputa contra Lúcio, que tinha sido rifado pelo tucano. Daí em diante, o grupo de Cid e Ciro Gomes vem se sucedendo no comando do Abolição.
Outro
rompimento, este entre Luizianne Lins e Cid, também está na origem de um
rearranjo político. Era 2012, e o postulante apoiado pelo governador, o jovem
deputado Roberto Cláudio, derrotaria o representante petista nas urnas, Elmano
Freitas.
Assim
como a ruptura de Tasso e Lúcio, situada mais à direita, a cisão entre a
prefeita e o então governador reconfigurou o quadro do poder na capital
cearense, abrindo o caminho para uma nova liderança.
Processo
semelhante se deu dois anos depois. As diatribes que acabaram por distanciar o
senador Eunício Oliveira (MDB) do grupo dos irmãos Ferreira Gomes foram
cruciais para que Cid lançasse o secretário de Cidades Camilo Santana (PT) ao
Executivo estadual.
A
presença de um petista na briga pelo Governo tinha uma intenção: neutralizar a
presença de Lula no Ceará, que não poderia fazer campanha abertamente para
Eunício no horário eleitoral, já que seu partido tinha um candidato.
Dessa
contenda de 2014 sairia outro nome que terminaria por construir seu próprio
capital político. Eleito naquele ano, Camilo se reelegeria com facilidade um
quadriênio depois, deixando o segundo mandato com algo em torno de 65% de
avaliação positiva.
O
natural seria então que o gestor comandasse a sua sucessão, tal como Cid havia
feito antes dele, em 2014, e Roberto Cláudio faria em 2020, com José Sarto. Mas
algo saiu do script, e agora PT e PDT estão em lados opostos, no mais recente
desenlace dentro do governismo.
O
histórico recente da política cearense ajuda a entender esses solavancos nos
arcos aliancistas que sustentam os governos estaduais desde a redemocratização.
A instabilidade nesse amplo aglomerado de partidos que se conformam à mercê da
máquina, contudo, não é a exceção. É a regra.
Salto
para 2022. Todos esses personagens se reencontram na eleição deste ano. Mesmo
Cid, ausente das articulações, isolado na serra da Meruoca e aparentemente
alheio às atividades parlamentares, exerce uma influência poderosa sobre os
rumos do tabuleiro, ainda que indisposto a participar diretamente do jogo.
O
que se vê nestes meses que antecedem o pleito de outubro, portanto, é mais um
desses exemplos de tectonismo capazes de redefinir os anos seguintes. Foi assim
em 2006, em 2012, em 2014 e em 2018.
Como
sístole e diástole, os movimentos de acomodação e fissura são recorrentes e se
devem ao conjunto de interesses, parte deles conflitante, que essas grandes
composições embutem e cuja gestão se constitui num imenso desafio para o
detentor da caneta.
É
o caso de agora. As duas maiores lideranças nascidas no governismo na última
década - RC e Camilo - passaram a medir forças e a empreender esforços que se
canalizam duplamente: uma fração tem relação com as costuras locais, mas outra
se pauta por estratégias nacionais.
Camilo
e RC, nesse sentido, incorporam, ao mesmo tempo, a dinâmica estadual, enquanto
também mobilizam o cenário nacional, no qual o ex-presidente Lula (PT) e Ciro
Gomes (PDT) são as duas pontas de um triângulo.
A
terceira é justamente Jair Bolsonaro (PL), que aparece em segundo lugar nas
pesquisas de intenção de voto e, como os seus adversários, tem no Ceará um
representante: Capitão Wagner (União Brasil).
Desse
modo, não se pode explicar o conflito escancarado entre PT e PDT apenas por uma
variável. Nem unicamente por razões paroquiais, tampouco por motivos que se
concentram exclusivamente no âmbito federal. É no cruzamento desses contextos
que está a chave para compreender a falência de uma aliança que já vinha
demonstrando sinais de deterioração.
É
possível perceber, por exemplo, que, amargando um persistente terceiro lugar,
Ciro tenta preservar o naco de poder que detém no estado sobre o qual tem
ascendência desde que se tornou prefeito de Fortaleza, no fim dos anos de 1980.
Para o pedetista, nenhum perfil se adequaria mais a essa tarefa do que RC, nome
de absoluta confiança do concorrente ao Planalto.
Do
outro lado, Camilo encarna essa nova conjuntura local/nacional. Nela, Lula
recupera seus direitos políticos e surge com potencial para derrotar Bolsonaro,
seja ainda no primeiro turno ou no segundo.
Essa
correlação de forças favorável ao petista ajudou a acelerar o desgaste local do
pacto "cidista", cujos termos previam a continuidade do projeto a
partir de um nome em torno de quem as diversas forças se aglutinassem. Foi
precisamente esse pacto que falhou - ou foi sabotado, como se queira.
O
que vem depois desse litígio? É cedo para dizer, visto que as peças estão neste
momento se deslocando. Os jogadores observam e tentam antecipar os lances do
adversário. Mas uma coisa é certa: já não é mais o mesmo jogo.
Com
informações portal O Povo Online
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