Mesmo sem registro no país, o surgimento de novos casos de varíola dos macacos no mundo tem levado brasileiros a procurarem pela vacina e por cartões de vacinação antigos.
A vacina da varíola parou de ser aplicada no Brasil em 1979.
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O Brasil, até o momento, não registra casos suspeitos da doença. | Reprodução |
Em um levantamento feito pela Abcvac (Associação
Brasileira de Clínicas de Vacinas) a pedido da reportagem, 73% dos associados
responderam que aumentou a procura por um imunizante. Do total, 25% afirmaram
que há "muita" demanda e 48%, que há "alguma" demanda.
Apesar do interesse recente, nenhum imunizante da
varíola está disponível nem na rede privada nem no SUS (Sistema Único de
Saúde).
"Essas vacinas hoje têm produção muito limitada. Elas são usadas
apenas em militares que vão para expedição, profissionais de laboratório que
manipulam o vírus da varíola, produtores de vacinas. São grupos muito
específicos. Não há produção suficiente nem uso em nenhum [outro] lugar do
planeta", explica o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato
Kfouri.
A vacina da varíola parou de ser aplicada no Brasil
em 1979 e, em maio de 1980, a Assembleia Mundial da Saúde declarou oficialmente
a erradicação da doença. O histórico de vacinação virou motivo de piada -e de
festa- para quem nasceu antes disso.
"Primeira vantagem que vi agora em ser velha.
Eu tomei [a vacina]!", escreveu no Twitter a psicóloga e roteirista Déia
Freitas. "Não chequei meu cartão de vacinação porque não tenho mais, mas
fiquei aliviada de saber que em 1975, ano em que nasci, todo mundo ainda era
vacinado", disse à reportagem.
Quem guardou o cartão de vacinação faz questão de exibir a relíquia.
Nascido em 1965, o biomédico e professor Mario Cesaretti tomou três doses da
vacina da varíola: em 1966, 1970 e 1973. Ele conta que, quando o assunto da
vacinação veio à tona, não teve dúvidas de que o cartão estaria completo.
"Minha mãe era professora da escola de
enfermagem do que hoje é a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela
guardou o cartão de vacinação e deixou comigo. Está, inclusive, em um saco
plástico. Quando a vacina fazia uma bolinha na pele, como se fosse uma lesão de
varíola, eles escreviam 'positivo' no cartão. Na segunda vez [que tomei], a
vacina não reagiu mais. Aí escreveram 'negativo'", conta.
Apesar da comemoração nas redes sociais, a
avaliação do presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Flávio Fonseca, é
de que as pessoas que tomaram a vacina da varíola antes da década de 1980 não
estão mais imunizadas. Fonseca integra o grupo consultivo criado pelo
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações para acompanhar o avanço da
doença.
"Estudos mostram que a imunidade dura cerca de 30 anos. Pode ter
uma variação para mais ou para menos, dependendo da pessoa. O mais certo de se
pensar é que ela não está mais protegida porque um componente importante de
proteção é a reapresentação ao patógeno [agente causador da doença]. No Brasil,
com a erradicação da varíola, não houve uma nova estimulação", explica.
Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Ufes
(Universidade Federal do Espírito Santo), afirma que existem duas vacinas
capazes de proteger contra a varíola dos macacos.
"O que se sabe até o momento é que a vacina da
varíola que a gente administrava no Brasil tem eficácia de 85% contra a varíola
dos macacos. Em 2019, nós tivemos a aprovação de uma nova vacina específica
para a varíola dos macacos, mas ela não existe em larga escala", diz.
Além do aumento da procura, a Abcvac identificou uma aparente confusão
entre varíola e varicela, o vírus causador da catapora. "Muitas clínicas
associadas pelo Brasil todo relataram a procura por uma vacina contra a
varíola. As pessoas também estão querendo saber se a vacina de varicela protege
do monkeypox [vírus da varíola dos macacos]", afirma o presidente da
associação, Geraldo Barbosa.
"É papel de cada clínica, enquanto
estabelecimento de saúde, passar as orientações de que a vacina da varicela não
protege contra o monkeypox e explicar que a vacina aplicada no passado contra a
varíola não é mais usada há anos no Brasil", diz Barbosa.
"O interesse por uma vacina contra a varíola
foi proporcional ao destaque dado nos meios de comunicação e, infelizmente, a
procura por vacinas disponíveis, como a de gripe, está em queda tanto no setor
público, como no privado. Sobram doses", complementa.
Kfouri afirma que, apesar do surgimento de casos em diferentes países,
não há motivo para procurar o imunizante. "A gente ainda tem muitas
dúvidas sobre como usar essas vacinas. Temos pouca informação sobre a doença, a
forma de contágio, os grupos de risco. E temos pouca vacina. Hoje não há
recomendação de estratégia de vacinação, seja para proteção individual, seja
para saúde pública."
DOENÇA
A varíola dos macacos é do gênero Orthopoxvirus, o
mesmo da varíola, e tem sintomas similares ao dela, embora menos graves. A
maioria dos pacientes se recupera em poucas semanas, mas há possibilidade de
evolução para casos problemáticos.
O vírus tem duas variantes principais: a cepa do
Congo, mais grave e com até 10% de mortalidade, e a da África Ocidental, com
mortalidade de 1%. Por enquanto, os casos reportados foram dessa cepa menos mortal.
O Brasil, até o momento, não registra casos suspeitos da doença. O
governo federal montou um grupo de especialistas e emitiu um alerta aos estados
com orientações para os profissionais de saúde sobre o diagnóstico e a
notificação da doença.
Segundo especialistas, a transmissão se dá por
contato próximo prolongado, não necessariamente sexual. O vírus pode entrar no
corpo humano através do trato respiratório ou pelo contato, direto ou indireto,
com fluidos contaminados.
Os sintomas incluem
erupções cutâneas, febre, dores e calafrios.
Com informações da Folhapress
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