O historiador Rafael Domingos Oliveira, que faz parte do Núcleo de
Estudos e Pesquisas da Afro-América, destaca que a promulgação da Lei 3.353, em
13 de maio de 1888, acontece em um contexto histórico amplo, que envolve
séculos de luta das pessoas escravizadas.
“O percurso histórico até ela [Lei Áurea] foi muito
mais longo e, se quisermos ser rigorosos, começou com a primeira pessoa a ser
escravizada e que, certamente, tentou resistir de todas as formas à nova
condição a que estava sendo submetida. Desde então, foram muitas as estratégias
de resistência – individual e coletiva – de que as populações escravizadas
lançaram mão para conquistar sua liberdade.”
Primeiro movimento social
De acordo com o historiador, a pressão para o fim
da escravidão veio de diversas formas, desde a resistência direta até os
movimentos que lutavam a partir da imprensa, da política e do Judiciário.
“A contribuição dos movimentos abolicionistas foi, sem dúvida,
fundamental para isso. Outro fator foi a tensão constante causada pela
violência da escravidão, tensão geralmente resumida no medo que a classe
senhorial cultivava de que revoltas e rebeliões pudessem eclodir a qualquer
momento”, lembra.
“Há uma pesquisa feita pela professora [da
Universidade de São Paulo] Angela Alonso que mostra que o primeiro movimento
social brasileiro foi o movimento abolicionista. Ela percorre, no livro dele, o
período de 1868 a 1888 mostrando as diferentes estratégias e táticas do
movimento social abolicionista para que se chegasse em 1888 com a abolição”,
acrescenta o sociólogo e curador de conhecimento na Inesplorato, Túlio
Custódio.
No entanto, em relação à luta contra a escravidão e
pelos direitos da população negra, o sociólogo considera mais importante o 20
de novembro, Dia da Consciência Negra, data da morte de Zumbi, líder do
Quilombo dos Palmares.
“Nós temos o 20 de novembro como uma data mais fundamental, porque é uma
data que conecta com a grande luta, ou com uma perspectiva mais ampla da luta
contra a escravidão, contra o racismo, contra a situação das pessoas negras em
um contexto colonial e racista do Brasil”, enfatiza.
Porém, é preciso, segundo Custódio, lembrar que
promulgação da lei que encerrou o período escravista no país não foi uma
iniciativa da princesa Isabel, responsável pela assinatura do documento
oficial, mas, sim uma luta de muitos anos de figuras negras importantes, como
José do Patrocínio, Luiz Gama e André Rebouças.
Sem direitos
Apesar dos esforços dos abolicionistas, o processo de abolição, no
entanto, acabou promovendo a desigualdade racial no Brasil pelas décadas
seguintes até os dias atuais, diz Domingos Oliveira. “O projeto de
redistribuição de terras, defendido por André Rebouças e Joaquim Nabuco, que
poderia perfeitamente ser entendido hoje como reforma agrária, estaria
associado à emancipação da população escravizada. O projeto, como sabemos,
nunca foi para a frente e, até hoje, o Brasil é um dos únicos países de
formação agroexportadora que nunca realizou a reforma agrária”, exemplifica
Oliveira sobre as propostas que chegaram a ser discutidas à época.
A forma como a abolição foi feita não garantiu,
segundo Farias, dignidade e direitos, muito menos reparação às pessoas que
sofreram com a escravidão. “Esse projeto foi o vitorioso. Um projeto em que as
cidadanias foram mutiladas para que uma nova forma de exploração do trabalho do
ponto de vista formal se instaurasse, mas mantendo formas arcaicas de relações
sociais”, ressalta.
“É só pensar na [Rua] 25 de Março”, exemplifica
Farias, ao falar da região de comércio popular no centro da capital paulista.
“Você tem lá toda uma tecnologia disponível para compra, consumo, mas as
pessoas que vendem, em geral, estão em condições de trabalho bem precárias. Em
uma ponta, o mais alto nível da produção, e em outra, as relações mais arcaicas
de trabalho. Essa é uma imagem que retrata quais são os reflexos do 13 de maio
ainda hoje. Um projeto que a relação de superexploração da força de trabalho
está muito relacionada com o racismo”, ressalta.
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Mesmo considerando o contexto adverso, o pesquisador destaca a
capacidade de organização dos movimentos negros que mantiveram a luta por
direitos no século 20 e continuam nestas primeiras décadas do 21.
“A população negra,
mesmo colocada em posição de informalidade, perene de superexploração enquanto
classe trabalhadora pós-13 de maio, ela se organizou, se associou. Teve espaços
de associação que permitiram a ela não só se reconstituir como grupo social, enquanto
classe, mas, acima de tudo, reelaborar projetos”, acrescenta Farias.
Agência Brasil
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