Quatro casos relevantes de censura em menos de cinco meses marcaram o cenário cultural deste ano até agora. No cinema e na música, o governo federal e algumas prefeituras tentaram evitar previamente manifestações políticas dos artistas ou tirar obras de circulação.
As artes plásticas contabilizam quase 17% dos registros de censura.
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195 casos de cerceamento à arte registrados de 2019 para cá. | (crédito: Divulgação) |
Esta é a parte visível dos 195 casos de cerceamento
à arte registrados de 2019 para cá, ou seja, durante o mandato de Jair
Bolsonaro. O dado é do Movimento Mobile, rede de organizações que atuam na
defesa e promoção da liberdade de expressão artística e cultural no Brasil.
As artes plásticas contabilizam quase 17% dos
registros de censura. Audiovisual tem 15,79% e música, 11%, também segundo o
Mobile, que destaca ainda que São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul
lideram o ranking de estados em número de obras censuradas.
Os casos mais recentes dizem respeito às populares celebrações de São
João no estado de Pernambuco. A Prefeitura de Caruaru, cidade a 136 quilômetros
do Recife onde ocorre a tradicional festa de São João de Caruaru, afirmou no
edital de contratação de seus artistas que qualquer atração "que expresse
conteúdo político de qualquer natureza" não seria contratada.
O presidente da Fundação de Cultura de Caruaru,
Rubens Júnior, disse que não enxerga a medida como censura e que a cláusula do
edital seria uma "recomendação" aos artistas. O edital, no entanto,
afirma que o descumprimento da cláusula pode levar à rejeição da prestação de
contas e, por consequência, à suspensão do cachê da apresentação.
Depois da publicação de reportagem do jornal Folha
de S.Paulo sobre o assunto, a Prefeitura de Caruaru publicou uma nota negando
censura aos artistas. A festa, que começa em 4 de junho e vai até 2 de julho,
deverá contar com presença do presidente Jair Bolsonaro, de acordo o prefeito
Rodrigo Pinheiro, do PSDB.
A Prefeitura do Recife também proibirá manifestações políticas dos
artistas contratados para se apresentar em sua festa de São João, prevista para
ocorrer entre 10 e 20 de junho. A determinação consta no edital da Secretaria
de Cultura da capital pernambucana, que se encerra no fim deste mês.
Por meio do Twitter, o prefeito João Campos, do
PSB, negou que a restrição represente algum tipo de censura. "O Recife
defende e pratica a liberdade, não podemos admitir qualquer tipo de censura,
ainda mais no que diz respeito à cultura", escreveu. A Prefeitura do
Recife, contudo, manteve a censura.
O FESTIVAL LOLLAPALOOZA
Antes disso, no final de março, o PL, partido do
presidente Jair Bolsonaro, havia
acionado o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, contra o
Lollapalooza por suposta propaganda eleitoral antecipada em benefício do
ex-presidente Lula.
Durante seu show no festival, a cantora Pabllo Vittar
desceu para a plateia e pegou uma toalha vermelha com o rosto do ex-presidente
antes de deixar o palco. Ela também fez um "L" com a mão, em
referência a ele, em outros momentos do show. Já Marina -antes à frente da
banda Marina and the Diamonds- xingou Bolsonaro e o mandatário russo, Vladimir
Putin.
Depois do pedido do partido de Bolsonaro, o ministro
Raul Araújo classificou como propaganda eleitoral as manifestações políticas de
ambas as cantoras e determinou, de forma liminar, a proibição de novas
manifestações e uma multa de R$ 50 mil para a organização do evento no caso de
novos atos.
A T4F, produtora do Lollapalooza, entrou com recurso no TSE contra a
decisão. No documento encaminhado à corte eleitoral, a defesa do festival
afirmou não ter como fazer cumprir a ordem que "veda manifestações de
preferência política" e diz não poder agir como censora privada,
"controlando e proibindo o conteúdo" das falas.
A organização afirmou ainda que as manifestações
das cantoras representam "o exercício regular da liberdade de
expressão" e "referem-se a posições políticas, ou seja, a questão que deve justamente ser objeto de
discussão pública, livre e insuscetível de censura."
Alguns dias após o fim do evento, o ministro que
censurou o festival derrubou a própria liminar, mas isso só aconteceu porque o
PL desistiu da ação. Bolsonaro, irritado com a péssima repercussão do caso, se
mostrou furioso e ordenou que o presidente do partido, Valdemar Costa Netto,
voltasse atrás e retirasse a ação do TSE.
O FILME 'COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA'
Naquele mesmo mês, o Ministério da Justiça e Segurança Pública publicou
no Diário Oficial uma ordem obrigando os serviços de streaming a tirarem de
seus catálogos a comédia "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola".
A medida não tinha validade jurídica, segundo
diversos advogados, e o filme acabou nunca saindo de circulação, embora tenha
tido sua classificação indicativa alterada de 14 para 18 anos -esta, sim, uma
normativa legal.
A tentativa de banir a obra veio em reposta à
patrulha bolsonarista. Diversos perfis de apoiadores do presidente começaram a
acusar o filme de fazer apologia da pedofilia, por causa de uma cena na qual o
personagem interpretado por Fábio Porchat instiga dois garotos menores de idade
a pararem de discutir e pede que o masturbem. As crianças reagem com surpresa,
negando o pedido.
Segundo o então secretário especial da Cultura, Mario Frias, a cena é
uma afronta às famílias, e o longa usa a pedofilia como forma de humor. O
ministro da Justiça afirmou à época que o filme tinha "detalhes
asquerosos". Lançado originalmente nos cinemas no final de 2017, a obra
baseada no livro homônimo do humorista Danilo Gentili chegou aos serviços de
streaming neste ano.
CASOS DE ANOS ANTERIORES
Estes são os casos mais notórios de 2022. Eles
surgiram numa esteira de episódios semelhantes no ano passado, como o Festival
de Jazz do Capão, que teve a captação de recursos na Lei Rouanet barrada pelo
governo federal com um parecer que citava Deus. Outro caso foi a live "Roda Bixa",
cancelada em cima da hora pela Prefeitura de Itajaí, em Santa Catarina.
Outro exemplo de
grande repercussão nos últimos anos foi a tentativa do então prefeito do Rio de
Janeiro, Marcelo Crivella, de tirar de circulação um gibi que trazia imagens de
dois rapazes se beijando.
DOL com informações da Folhapress
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