São cada vez mais comuns as cenas de pessoas recolhendo ossos e outros restos descartados por açougues e supermercados para ter alguma proteína para se alimentar. O preço dos combustíveis bate recordes. Há 14,4 milhões de desempregados e a Covid-19 já tirou a vida de 601 mil pessoas no Brasil. Este é o cenário no dia dedicado à padroeira do Brasil, Nossa Senhora de Aparecida.
“Para ser pátria amada não pode ser pátria armada", disse o arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, durante celebração em homenagem à padroeira do Brasil, em tom crítico ao incentivo ao armamentismo pregado por Bolsonaro.
O presidente Jair Bolsonaro esteve no Santuário Nacional Aparecida (a 180 km de SP) na tarde desta terça-feira (12), onde foi recebido com aplausos e vaias e ouviu um sermão com referências à situação atual do país.
Mais cedo, antes da chegada do mandatário, o
arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, criticou bandeiras e práticas de
grupos bolsonaristas na principal celebração no Santuário no Dia de Nossa
Senhora. O religioso fez alertas sobre o armamento da população, o discurso de
ódio e as notícias falsas e defendeu a ciência e a vacinação contra o
coronavírus.
Bolsonaro chegou ao local pouco antes das 14h,
usando máscara de proteção contra a Covid-19 –diferentemente de sua conduta em boa parte das
agendas públicas recentes. Na missa, foi encarregado de fazer a primeira
leitura, a liturgia da palavra. Estava acompanhado dos ministros Marcos Pontes
(Ciência e Tecnologia) e João Roma (Cidadania).
Ao chegar de helicóptero ao Santuário Nacional, o
presidente foi aplaudido por um grupo, aos gritos de "mito, mito", e
vaiado por outro, aos gritos de "fora, Bolsonaro". O público presente
na missa, assim como os jornalistas, passou por detectores de metais e foi sujeito
a revistas nas bolsas e mochilas.
O esquema de
segurança no entorno de Bolsonaro despertava a atenção. Ao ir embora do
santuário, a caminho do helicóptero e enquanto era exaltado por apoiadores, o
presidente foi cercado por seus guarda-costas, que colocavam uma espécie de
mochila para protegê-lo. Soldados da Polícia Militar, agentes da Polícia
Federal e da Polícia Rodoviária Federal, além de homens do Exército à paisana,
acompanharam a movimentação.
Pela manhã, na principal missa do dia, dom Orlando
Brandes pregou: "Hoje é o Dia das Crianças. Vamos abraçar os nossos pobres
e também nossas autoridades para que juntos construamos um Brasil pátria amada.
E para ser pátria amada não pode ser pátria armada".
O arcebispo de Aparecida fez referência ao slogan
"Pátria Amada Brasil", utilizado por Jair Bolsonaro, que é defensor
do armamento da população. O religioso criticou o que chamou de
"criança-fuzil". Na última quinta-feira (30), em evento em Belo
Horizonte com a presença do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo),
Bolsonaro recebeu no palco uma criança de seis anos que empunhava uma arma de
brinquedo. O presidente simulou que atirava para cima e carregou a criança
sobre os ombros.
"Pátria amada não é transformar crianças
inocentes em crianças-fuzil. Pátria amada não é transformar a criança em
consumista. As crianças precisam de outras armas, da oração, da obediência, da
convivência com seus irmãos", disse Don Brandes. O religioso também fez
uma alerta sobre o discurso de ódio e as notícias falsas. "Para ser pátria
amada, uma República sem mentiras e sem fake news, sem corrupção. É pátria
amada com fraternidade. Todos os irmãos construindo a grande família
brasileira", afirmou.
À tarde, durante a
missa, Bolsonaro se manteve de máscara a maior parte do tempo (mas tirou na
hora da liturgia) e, em dado momento, foi convidado pelo arcebispo dom Orlando
Brandes a fazer a consagração da imagem de Aparecida, que estava no centro do
altar. "Ó Maria Santíssima, pelos méritos do Nosso Senhor Jesus Cristo, em
vossa imagem da querida Aparecida, espalhais inúmeros benefícios sobre todo o
Brasil", começou Bolsonaro, ao ler a Consagração a Nossa Senhora da
Conceição Aparecida.
O presidente já se declarou católico, mas
politicamente é mais próximo de lideranças evangélicas e tem na população
evangélica uma de suas principais bases de apoio. Uma devota de Santa Catarina,
segurando uma imagem de Nossa Senhora, pediu uma foto ao presidente. "Vim
pedir a bênção da Santa e fui abençoada com a presença do presidente. Se conseguir,
vou entregar a imagem para ele ser abençoado", disse. Ainda na presença de
Bolsonaro, o padre José Ulisses, diretor da Academia Marial de Aparecida, fez
um discurso discreto, mas cheio de referências à atual situação do pais.
"Você que está aqui hoje, neste 12 de outubro
de 2021, pode agradecer por estarmos aqui, vivos. Ela [Nossa Senhora] enxuga as
lágrimas de muitas famílias. Muita gente morreu, mas hoje é o momento de olhar
a imagem da nossa Mãe e dizer obrigada." O religioso seguiu seu discurso
dirigindo-se aos familiares das mais de 600 mil vítimas da Covid-19 no país.
"Ela [Nossa Senhora] nos ensinou a seguir em frente. Se ela pudesse,
chegaria perto de cada um de nós para dar um abraço fraterno."
Ao longo da pandemia da Covid-19, Bolsonaro deu declarações
minimizando as consequências da doença. Padre Ulisses também abençoou todos os
agentes de saúde "que se desdobraram para dar seu melhor nesses tempos
difíceis." "Há várias mesas vazias, desemprego. Mas Nossa Senhora
está aqui hoje para repartir o bolo do seu aniversário, sem distinção. Somos o
povo de Deus. E a maior dignidade que temos deve prevalecer ao povo de Deus. Só
assim poderemos construir um país e, assim, sonhar com a paz e a justiça."
O religioso ainda elogiou os "bem
aventurados" que promovem a paz. "Que haja mais desarmamento, mais
felicidade e mais humanidade", disse ele olhando na direção de Bolsonaro e
de seus ministros. "Em seu aniversário, tudo que Nossa Senhora deseja é a
vida." E continuou. "Que a vida, esse presente de Deus, seja algo a
ser defendido antes de qualquer projeto de sociedade. O dragão da pandemia
assolou nosso país, assim como da ganância, para que uns tenham uma vida de
luxo. Esses dragões devem ser vencidos."
No final da missa, o arcebispo
dom Orlando Brandes agradeceu a presença de Bolsonaro e de seus ministros. O
presidente foi embora após o fim da missa sem falar com a imprensa. Ao voltar
para o helicóptero, Bolsonaro foi saudado por apoiadores que gritavam
"mito".
(com informações da Folhapress)
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