São muitas emoções” vividas ao longo de 80 anos do ícone da música brasileira, Roberto Carlos. Desta vez, o “rei” não vai para sua varanda acenar para os fãs, como de costume nesta data do seu aniversário. Hoje, as comemorações pelos seus 80 anos serão em isolamento, devido à pandemia, por isso ele pede também que ninguém apareça na porta do seu apartamento para evitar as aglomerações.
Fãs comemoram data lembrando a trilha sonora do ídolo em suas vidas.
Roberto Carlos marcou a vida de muita gente com as suas músicas | Divulgação |
Mas, do lado de fora, sem dúvida, o coração dos fãs é
aquecido por lembranças emocionantes, que marcaram vidas e gerações.
Um baralho é
comumente estampado com os símbolos espelhados. O rei, por exemplo, é um duplo
que aponta para lados opostos. Esta imagem representa bem um artista que muito
cedo se dividiu entre o homem e o mito. Onipresente na cultura brasileira desde
os anos 1960, ele está no rádio, TV, cinema, na missa, nos motéis, na sala,
quarto, cozinha, num cruzeiro pela costa de Búzios, no estádio e no botequim. É
de tal forma que essa presença nos dá uma certeza: é impossível que alguém com
idade para ouvir LP, CD ou uma plataforma de streaming nunca tenha ouvido o
nome de Roberto Carlos.
O cantor e compositor que completa 80 anos neste 19 de abril construiu
uma obra que tornou-se maior do que ele mesmo supõe. E não é fácil compreender
esse fenômeno, se não entendendo as muitas faces da história construída por
Roberto Carlos. Desde que saiu de Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, e
foi para o Rio de Janeiro, seus caminhos foram se bifurcando entre um lado real
e outro mágico. Talvez até para ele seja difícil compreender o tamanho dessa
história e o quanto ela mexe com tantas histórias brasileiras.
Se não,
vejam: desde os anos 1960, quando a Jovem Guarda transformou aquele rapaz de
olhos melancólicos num ídolo da juventude, tudo que Roberto faz vira notícia.
Romances, shows, filhos, intimidade, viagens, nada disso passa despercebido
pelo público. Mas isso não o impediu de barrar na justiça uma biografia que
reunia essas intimidades. Escrita pelo jornalista Paulo César de Araújo,
"Roberto Carlos em detalhes" é um volumoso trabalho que consumiu mais
de dez anos de pesquisa e algumas dezenas de entrevistas. Mesmo sendo um fã
confesso, nada comoveu o Rei, que foi até o fim da batalha jurídica, para a
retirada dos livros das prateleiras.
Mas o mais
curioso é que o biografado fez questão de dizer que nem chegou a ler o livro.
Sim, ele apenas se incomodou de saber que sua história estava nas mãos de outra
pessoa. Na verdade, essa história está nas mãos, pés, ouvidos e na alma de
muitas pessoas. Em suas canções, Roberto falou de sua terra, de seus pais, da
maturidade, da zoada dos filhos dentro de casa e do quanto esses filhos podem
interferir na vida de um casal. Falando de si, ele invadiu a intimidade de uma
nação e mostrou que entende muitos daqueles sentimentos a que muitas vezes não
sabemos dar nome. E fez isso tudo usando palavras simples, e aí reside outra
face importante de sua obra.
Não é
preciso muito esforço para entender uma frase como "detalhes tão pequenos
de nós dois são coisas muito grandes pra esquecer". E o que pensar de
"você pensa que a verdade é o que sai da sua mente, mas se esquece que no
amor tudo é muito diferente"? É bem verdade que, na contramão dessa
simplicidade, ele cavalgou por toda a noite numa estrada colorida, mas com um
pouco de maturidade você é capaz de entender onde Roberto chegou.
Tamanha
simplicidade chegou aos anos 1990 empalidecendo uma obra que foi se mostrando
repetitiva. A partir da segunda metade dos anos 1980, mesmo sem perder a
majestade, Roberto foi migrando do popular para o popularesco. Virou algo
brega, ultrapassado, um objeto para consumo de massa, algo de que já se sabia o
que esperar. Até as capas de discos reproduziam esse quadro imutável.
Coube a
Maria Bethânia reavivar a memória do grande compositor quando lançou o tributo
"As canções que você fez pra mim" (1993). Com um repertório que cabia
perfeitamente na sua dramaticidade, a baiana criou um clássico e vendeu mais de
um milhão de cópias. No ano seguinte, outro marco: assinando como produtor,
Roberto Frejat (Barão Vermelho) reuniu uma turma de roqueiros para celebrar a
obra do grande ídolo da jovem guarda. O tributo "Rei" contou com
nomes como Marina Lima, Blitz, Chico Science, e é, até hoje, um trabalho
referencial para fãs de Roberto.
Até
Bethânia, raríssimas vozes tinham dedicado um disco inteiro a Roberto e seu
parceiro Erasmo Carlos. Depois de Bethânia, virou uma das fórmulas mais
requisitadas da MPB. Cauby Peixoto, Waldick Soriano, Nando Reis, Roberta
Miranda, Teresa Cristina, Ângela Maria, Lulu Santos são só alguns deles.
Já o Roberto
Carlos intérprete, uma única vez abriu mão da sua porção compositora para
dedicar um disco inteiro a outro artista. A convite de Caetano Veloso, ele topou
dividir um tributo a Tom Jobim para celebrar os 50 anos da Bossa Nova. Fora
isso, ele até gravou muita coisa de muita gente. Djavan, Luiz Ayrão, Belchior,
Tim Maia, por exemplo. Mas Roberto nunca sozinho dedicou um disco inteiro a
outro compositor.
O que seria
interessante, uma vez que ele é um tipo raro de intérprete, que sabe muito bem
trazer para si o que está cantando. Roberto Carlos aprendeu como poucos a usar
a voz que tem, capaz de murmurar "Na paz do seu sorriso" e explorar
regiões mais altas em "A ilha", mantendo a mesma segurança. Da mesma
forma, ele consegue ser dramático em "O gosto de tudo", sedutor em
"Não se afaste de mim", teatral em "I love you",
bem-humorado em "Vista a roupa meu bem", saudosista em "Jovens
tardes de domingo" e até meio cafona em "Alô".
Mas, goste
ou não, esse é o Roberto que conquistou o Brasil. Ou melhor, os Robertos. Tem o
roqueiro Jovem Guarda, o crooner com ares de Sinatra, o sertanejo que acompanha
caminhoneiros, o consciente que defende a Amazônia e as baleias, o artista
indiferente que pediu favores à ditadura e o que pediu ao seu público que fique
em casa e use máscara, o amigo camarada, o terror das mulheres, o pai de
família, o homem de fé, o cantor, o compositor, o showman, o Roberto sucesso em
tantas vozes, o Roberto ainda inédito na própria voz... São tantos e de tantas
formas, que se você, leitor, ainda não encontrou o seu, não se preocupe. Um dia
Roberto Carlos vai lhe encontrar e vai ter algo a lhe dizer.
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