Os 10 anos que o pedreiro Cícero José de Melo foi mantido injustamente em cárcere na Penitenciária Industrial Regional do Cariri (Pirc), Interior do Ceará, não podem ser retomados. Para tentar reparar a série de erros cometida pelos órgãos públicos e buscar se refazer enquanto pessoa e profissional, Cícero agora pretende entrar com uma ação indenizatória contra o Estado do Ceará.
O pedreiro foi solto no último dia 8 de abril (Arquivo Pessoal)
No último dia 8 de abril, data da soltura de
Cícero, o pedreiro disse à reportagem que se considerava “como se tivesse sido
sequestrado por um crime que eu não cometi nem contra o Estado, nem contra a
sociedade”. Dias após a soltura, Cícero tomou conhecimento da possibilidade de
ser indenizado. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pediu explicações ao
Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) após ampla divulgação do caso na imprensa.
De acordo com o advogado de defesa, Roberto
Duarte, em breve eles entrarão com a ação. “Agora que estou com registro de
nascimento dele, foi uma luta para resgatar a certidão. Buscamos tirar RG, CPF,
carteira de trabalho, todos esses demais. Tão logo vamos ingressar com ação
indenizatória. Podia ser seis, dez, podia ser até um ano ele preso
injustamente, sem processo regular, sem ser levado à presença do juiz, sem ter
mandado válido, que já era injustiça”, disse o advogado.
Duas vezes detido
Cícero deu entrada no Sistema Penitenciário
cearense em 2 de fevereiro de 2010, na extinta Cadeia Pública do Crato, em
razão de prisão em flagrante pelo crime de “trazer consigo arma fora de casa ou
de dependência desta, sem licença da autoridade”, prevista na Lei de
Contravenções Penais. E acrescentou que ele foi transferido para a
Penitenciária Industrial e Regional do Cariri (PIRC) em 3 de fevereiro de 2011,
onde permaneceu até a soltura.
A reportagem apurou junto à fontes do Tribunal
de Justiça que o pedreiro foi preso duas vezes, em diferentes datas. Primeiro,
Cícero foi acusado de maus-tratos contra a enteada dele, de três anos, e a mãe
dela, sua companheira. Em abril de 2006 ele foi preso, mas posto em liberdade
um mês depois por decisão da Justiça estadual.
Ao fim do processo, Cícero teve declarada
extinta punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva. No ano de
2010, o homem foi flagrado em posse de uma arma branca. Quando levado até à
delegacia para ser lavrado Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), a Polícia
foi informada erroneamente que ainda havia mandado de prisão em aberto contra
ele. Desde então, Cícero foi mantido preso por um processo que já nem mais
existia.
Em nota enviada pela Secretaria da Segurança
Pública e Defesa Social (SSPDS), a Pasta cita apenas uma prisão de Cícero, a de
2010, e diz que “todos os procedimentos judiciários que competem à Polícia
Civil do Estado do Ceará foram feitos dentro da estrita legalidade e
observância dos fatos”.
“O Estado não tem agora que minimizar uma
responsabilidade que é dele mesmo. O cerne da questão é que ele ficou preso por
um fato que não ensejava modalidade de regime fechado, sem mandado de prisão
válido. Ficou em meio de faccionados, em meio a um sistema cheio de mazelas”,
disse Roberto Duarte, advogado da defesa.
Apuração
O Ministério Público do Ceará (MPCE) passou a
investigar irregularidades e responsabilidades na prisão do pedreiro. Conforme
o MPCE, a 10ª Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte – com atuação na área
de Execuções Penais – instaurou Inquérito Civil Público, no último dia 10 de
abril. Promotores de Justiça já ouviram Cícero José, na última quarta-feira
(14).
No dia seguinte, os promotores ouviram o atual
diretor e outros servidores da PIRC, localizada em Juazeiro do Norte, sobre a
permanência do detento no estabelecimento prisional por tantos anos. A
Promotoria oficiou ainda o juiz da 2ª Vara Criminal da Comarca de Juazeiro do
Norte e os magistrados das Varas Criminais da Comarca de Crato para pedir
informações sobre a situação judicial de Cícero.
A Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará
(OAB-CE) pediu, por meio do presidente Erinaldo Dantas e da Comissão de
Direitos Humanos (CDH), também enviou ofício ao Ministério Público solicitando
a apuração da responsabilidade criminal da manutenção da prisão de Cícero José
de Melo por tantas anos. Segundo o Órgão, este é um “caso emblemático de
desrespeito e violação de Direitos Humanos”.
A Ordem entrou em contato com o advogado de
Cícero, Roberto Duarte, para se colocar à disposição para ajudar no processo. E
se reuniu com o supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário (GMF) do TJCE para solicitar providências no sentido de averiguar
não apenas a responsabilidade nesse caso, mas também a existência de outros
casos semelhantes, sugerindo inclusive a realização de um censo no Sistema
Penitenciário do Estado.
Uma Comissão foi formada para apurar o caso,
envolvendo a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado
do Ceará, as Comissões de Direitos Humanos da OAB-CE, OAB Subsecção Crato e OAB
Subsecção Juazeiro do Norte, além do Conselho de Direitos Humanos do Estado.
Fonte:
Diário do Nordeste
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