No dia seguinte à invasão do Congresso americano, o presidente Jair
Bolsonaro disse que a falta de confiança nas eleições levou “a este problema
que está acontecendo lá” e que, no Brasil, “se tivermos voto eletrônico”
em 2022, “vai ser a mesma coisa” ou “vamos ter problema pior que nos Estados
Unidos”.
Bolsonaro aproveitou a repercussão do ataque inédito à democracia
americana para repetir, sem provas, as suspeitas que costuma propagar sobre a
votação eletrônica brasileira —modelo diferente do adotado nos EUA.
Na quarta-feira (6), a sessão de certificação do resultado da eleição
americana, que teve a vitória de Joe Biden, foi interrompida quando uma
multidão inflamada pelo presidente Donald Trump invadiu o Capitólio.
Ao contrário de outros governos, que condenaram o episódio, a
administração brasileira não se manifestou. Nesta quinta-feira (7), Bolsonaro
comentou a situação dos EUA com apoiadores no jardim do Palácio da Alvorada.
“Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar
o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”, disse Bolsonaro a
apoiadores.
Apesar de autoridades americanas negarem evidências de fraudes, ele
insistiu nesta tese.
“O pessoal tem que analisar o que aconteceu nas eleições americanas agora.
Basicamente, qual foi o problema, a causa dessa crise toda. Falta de confiança
no voto. Então, lá, o pessoal votou e potencializaram o voto pelos correios por
causa da tal da pandemia e houve gente lá que votou três, quatro vezes, mortos
que votaram. Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí”, disse Bolsonaro.
“Então, a falta desta confiança levou a este problema que está
acontecendo lá. E aqui no Brasil, se tivermos o voto eletrônico em 22, vai ser
a mesma coisa”, afirmou o presidente.
O voto pelos correios criticado por Bolsonaro não se repete no modelo brasileiro,
que adota as urnas eletrônicas —elas foram utilizadas pela primeira vez em todo
o país no ano 2000.
Em março de 2020, Bolsonaro chegou a prometer mostrar provas
“brevemente” de fraude na eleição de 2018 —ele disse que deveria ter sido
eleito no primeiro turno, e não no segundo.
“Eu acredito, pelas provas que eu tenho nas minhas mãos, que vou mostrar
brevemente, eu fui eleito em primeiro turno”, afirmou Bolsonaro na ocasião.
“Nós temos não apenas uma palavra, nós temos comprovado. Nós temos de aprovar
no Brasil um sistema seguro de apuração de votos”, disse.
Quase um ano depois, porém, Bolsonaro nunca apresentou nenhuma
evidência.
Pesquisa Datafolha realizada de 8 a 10 de dezembro mostrou que 73% dos
brasileiros defendem que o sistema de voto em urna eletrônica seja
mantido. Já o voto em papel, abandonado nos anos 1990, tem sua volta pleiteada
por 23% da população.
Do total de entrevistados, 69% disseram que confiam muito ou um pouco no
sistema de urnas informatizadas, que passou a ser adotado gradualmente em
1996. Outros 29% responderam que não confiam.
Nesta quinta, nos 17 minutos de vídeo divulgados por um canal
bolsonarista, o presidente da República fez diversos ataques à imprensa.
“A fraude existe. Daí a imprensa vai falar ‘sem prova, ele diz que a fraude
existe’. Eu não vou responder esses canalhas da imprensa mais. Eu só fui eleito
porque tive muito voto em 18. Não estou falando que vou ser candidato ou que
vou disputar as eleições”, disse Bolsonaro.
Nesta quinta, o presidente brasileiro também criticou o fato de Trump ter tido
suas redes sociais bloqueadas após publicações favoráveis aos invasores.
“Pode ver: ontem, nos Estados Unidos, bloquearam o Trump nas mídias
sociais. Um presidente eleito, ainda presidente, tem suas mídias bloqueadas”,
declarou Bolsonaro.
O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso,
respondeu a declaração de Bolsonaro de que houve fraude nas eleições que o
elegeram presidente em 2018.
Segundo ele, a corte “lida com fatos e provas, que devem ser apresentadas pela
via própria”. E complementou: “Eventuais provas, se apresentadas, serão
examinadas com toda seriedade pelo tribunal”.
O vice-presidente do TSE, Edson Fachin, que comandará a corte entre
março e agosto de 2022, divulgou uma nota para condenar a invasão no Congresso
americano. O ministro afirmou, ainda, que a “violência cometida contra o
Congresso norte-americano deve colocar em alerta a democracia brasileira”.
“Em outubro de 2022 o Brasil irá às urnas nas eleições presidenciais.
Eleições periódicas de acordo com as regras estabelecidas na Constituição e uma
Justiça Eleitoral combatendo a desinformação são imprescindíveis para a
democracia e para o respeito dos direitos das gerações futuras”, ressaltou.
Para o magistrado, a “democracia não tem lugar para os que dela abusam”
e quem desestabiliza a renovação do poder deve ser responsabilizado.
“Alarmar-se pelo abismo à frente, defender a autonomia e a integridade da
Justiça Eleitoral e responsabilizar os que atentam contra a ordem
constitucional são imperativos para a defesa das democracias”, frisou.
O objetivo de movimentos como o ocorrido nos Estados Unidos, segundo
Fachin, é “produzir destroços econômicos, jurídicos e políticos por meio de
arrasamento das bases da vida moral e material”.
O ministro Alexandre de Moraes, que integra o TSE e será o presidente do
tribunal nas eleições de 2022, já havia comentado a invasão ao Congresso
americano nas redes sociais na quarta-feira (6). Moraes é relator dos
inquéritos que investigam disseminação de fake news e atos antidemocráticos no
Brasil.
“Os EUA certamente saberão responsabilizar os grupos que atentaram
gravemente contra sua história republicana. Milícias presencias ou digitais,
discursos de ódio e agressões às Instituições corroem a democracia e destroem a
esperança em um futuro melhor e mais igualitário”, escreveu.
Três dias antes do Natal, Bolsonaro voltou a defender a aprovação
de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) apresentada pela aliada Bia
Kicis que prevê a impressão de uma cópia do voto registrado na urna
eletrônica para eventual checagem posterior.
“Se a gente não tiver voto impresso, pode esquecer a eleição”, respondeu
ele a um apoiador que o questionou sobre o pleito de 2022, no qual deve
disputar a reeleição.
Em vídeo recente no canal no YouTube do deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP), o presidente afirmou que “70% ou mais da população” não confiam no
sistema atual. Ele também reiterou apoio à PEC que institui a cópia impressa.
A medida chegou a ser aprovada pelo Congresso em 2015, mas foi
declarada inconstitucional pelo STF em setembro de 2020. A corte entendeu que
isso colocaria em risco o sigilo e a liberdade do voto, aumentando a
insegurança e favorecendo manipulações.
Foto: Reprodução
Fonte: Folha de São Paulo
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