Para se ter uma
ideia, a chamada "taxa de abandono" de vacinas no Brasil cresceu
47,6% nos últimos cinco anos. Passou de 15,8% em 2015 para 23,4% no ano
passado.
Isso significa que
cada vez mais gente inicia um esquema vacinal no país, mas não finaliza o
processo com todas as doses necessárias, algo que pode impactar a proteção
contra uma determinada doença. Os dados são do Sistema Nacional de Imunização
da base Datasus.
As taxas de abandono
são calculadas no Brasil para nove vacinas, como a meningocócica C (com duas
doses), a tríplice viral (contra sarampo, rubéola, caxumba; também com duas
doses) e a poliomielite (com três doses).
A título de exemplo,
entram nas estatísticas de abandono as crianças que tomarem, por exemplo, a
dose inicial da hepatite B logo após o nascimento, ainda na maternidade, mas
não tomarem pelo menos uma das duas doses seguintes, que devem ser ministradas,
respectivamente, com um mês e aos seis meses de vida.
Não entra no cálculo
de abandono a vacinação contra gripe, que deve ser feita anualmente por pessoas
com mais de sessenta anos. Nesse caso, é com se cada dose fosse independente da
outra.
Em algumas regiões do
país, a desistência entre doses vacinais é ainda mais preocupante. Em Goiás, o
abandono cresceu 99,2% de 2015 para 2019. No Distrito Federal, o aumento de
quem larga o esquema vacinal chegou a 69,2% no mesmo período.
O crescimento da taxa
de abandono entre doses de imunização tem preocupado cientistas no contexto da
pandemia de Covid-19. Das 33 vacinas para a doença causada pelo novo
coronavírus em testes clínicos no mundo, 29 exigem pelo menos duas doses de
imunização.
Esse é o caso da
vacina da farmacêutica chinesa Sinovac, que está sendo testada e produzida pelo
Instituto Butantan, em São Paulo, e que prevê duas doses na imunização.
Mesma coisa acontece
com a Sputnik V, do Instituto Gamaleia, da Rússia, que tem acordo para produção
anunciado com o governo do Paraná, e com a vacina da Universidade de Oxford e
do laboratório AstraZeneca, que está em testes no Brasil. Ambas demandam duas
doses cada.
Além disso, há
expectativa de que a imunização contra Covid-19 tenha de ser reaplicada
periodicamente. Há casos de pessoas que se contaminaram duas vezes pelo novo
coronavírus em menos de seis meses.
"Ainda não
sabemos o nível de proteção das vacinas e nem por quanto tempo essa proteção
vai durar", diz a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin
Vaccine Institute, um dos principais defensores da expansão, acesso e elevação
das vacinas em todo o mundo.
Na prática, uma
vacina que tem mais de uma dose e que demanda reaplicação sistemática
precisaria de uma campanha significativa de engajamento da população para dar
certo –o que não tem acontecido no Brasil.
O tema da vacinação
no país entrou em pauta depois de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
declarou, no dia 31 de agosto, que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar
vacina". A afirmação foi reforçada nas redes sociais da Secretaria
Especial de Comunicação Social da Presidência.
A frase preocupou
especialistas em saúde pública, que afirmam que o país deveria estar preparando
a população -e a infraestrutura dos SUS- para uma possível vacina contra o novo
coronavírus nos próximos meses.
Além da alta taxa de
abandono entre doses, os números do Sistema Nacional de Imunização também
mostram queda do total de população-alvo imunizada no país. Esses dados
consideram a quantidade de gente que deveria ser vacinada em uma determinada
faixa etária em relação à taxa de pessoas que foram imunizadas.
Em 2019, 71,9% da
população-alvo foi imunizada considerando todas as vacinas do calendário do SUS
(inclusive as infantis). A taxa está abaixo da média dos últimos vinte anos,
que corresponde a 76% da população-alvo imunizada.
Com exceção de 2016,
que teve uma queda acentuada de imunização (com apenas 50,4% da população-alvo
vacinada), o índice de vacinação de 2019 é o pior desde 2000.
No Brasil, cientistas
estimam que mais de dois terços da população do país teria de ser imunizada
contra Covid-19 -com todas as doses- para se alcançar uma diminuição
significativa da transmissão da doença. Se o padrão atual de imunização e de
abandono de percurso for mantido, há risco de que isso não aconteça.
FOLHAPRESS
0 Comentários