O suicídio de uma
médica de Nova York que atendia pacientes com Covid-19 chamou atenção para um
problema ainda pouco debatido no Brasil: a piora da saúde mental dos
profissionais da saúde em meio a pandemia.
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Ainda não há estudos
sobre isso, mas a percepção de entidades e de especialistas é que, com o
aumento de mortes de colegas de trabalho pela doença, aliado ao medo do
contágio e às exaustivas jornadas, quadros emocionais e psiquiátricos tendem a
se agravar.
Nos últimos 50 dias,
ao menos 32 servidores estaduais e municipais de saúde de São Paulo, sendo sete
médicos, morreram infectados pelo novo coronavírus. Só no Hospital do Mandaqui
(zona norte) foram três, um técnico de enfermagem e dois auxiliares.
Até nesta quarta (6),
o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) contabilizava 73 mortes de
profissionais pela Covid-19 no país. A maior parte (41) com menos de 60 anos. O
município de São Paulo, lidera o ranking com 18 mortos.
"A equipe já
está muito cansada pelo excesso de trabalho e se sente impotente diante das
mortes de pacientes e de colegas. Vai dando aquele desespero porque a gente tem
familiares e pode contaminá-los também", afirma a secretária-geral do
SindSaúde-SP (sindicato dos servidores estaduais), Célia Regina Costa.
Segundo ela, foi uma
batalha conseguir que os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) chegassem a
todos os funcionários e agora será outra obter suporte emocional para os
servidores que estão na linha de frente.
"Isso é
necessário principalmente nos locais em que os colegas faleceram. No Mandaqui,
tem uma equipe inteira traumatizada. De 11 colegas, dois deles faleceram. Eles
sentem a morte muito próxima."
Ela conta sobre uma
fisioterapeuta que atuava na UTI do Hospital do Servidor Público Estadual que,
assintomática e sem ser testada, seguiu trabalhando e indo para a casa. Com
isso, contaminou a irmã, que morreu, e a mãe, que na UTI do Hospital das
Clínicas. "Isso transforma a vida da pessoa. Como superar esse sofrimento
sozinha?"
A enfermeira Renata
Prieto, presidente do departamento de enfermagem da Amib (Associação de
Medicina Intensiva), diz que os colegas estão com muito medo.
Prieto publicou nesta
quarta (6) uma carta endereçada ao presidente Jair Bolsonaro em que relata o
dilema vivido pelo pessoal da enfermagem, que soma 2,3 milhões de
profissionais, a maior força de trabalho da saúde no país.
"Além de
acumularmos todas as angústias do cidadão comum, estamos mais expostos ao risco
de contaminação e lidando com falta de EPIs, sobrecarga de trabalho com
jornadas exaustivas e ainda presenciamos colegas sendo agredidos fisicamente e
psicologicamente durante o traslado até suas casas."
Somado a essas
questões, segundo ela, há profissionais que pertencem aos grupos de risco e que
seguem na linha de frente porque não foram liberados para a quarentena.
"A questão
psicológica tem causado um impacto grande. A sobrecarga física e mental tem
sido absurda. As pessoas relatam esgotamento", diz.
Segundo ela, embora
haja várias iniciativas de ofertas de terapia online, os profissionais não têm
tempo de buscar essa ajuda porque precisam conciliar as jornadas exaustivas com
os afazeres domésticos quando chegam em casa.
O ideal, afirma,
seria que esse suporte fosse oferecido dentro dos hospitais. "Estão todos
aterrorizados com a quantidade de mortes. Tenho tentado levar algum conforto e
otimismo por meio de lives, lembrando que 80% dos sintomáticos vão ter
melhora."
Esses desafios
impostos pela Covid-19 vêm a se somar a outros quadros emocionais que já
acompanham os profissionais de saúde, segundo a psiquiatra Carmita Abdo,
secretária da AMB (Associação Médica Brasileira).
Ela afirma que essa
população tradicionalmente apresenta taxas superiores de problemas mentais,
como burnout, uso de drogas e suicídio, em relação à população geral pelas
adversidades inerentes à área da saúde.
"Agora esses
números tendem a se intensificar. Não temos dados consolidados mas sabemos que
está aumentando muito o número de profissionais que precisam se afastar porque
estão esgotados."
Pesquisa realizada
pela APM (Associação Paulista de Medicina) detectou que de um universo de 2.312
médicos ouvidos no país, 86,6% têm a percepção de que os colegas estão
apreensivos, deprimidos, insatisfeitos e revoltados.
Segundo Abdo, vários
centros médicos no país, como o HC da USP, têm oferecido suporte emocional para
cuidadores, psicoterápíco e/ou medicamentoso, mas que é preciso vencer o
estigma relacionado às questões de saúde mental.
"Esses
profissionais ainda se sentem constrangidos em buscar um serviço dessa
natureza, temendo se colocar como vulnerável ou frágil."
Uma outra dificuldade
anterior, explica a médica, é a de que as pessoas têm dificuldade de
identificar que estão com algum problema mental. "Elas já trabalham dentro
de um nível de pressão tamanho que isso parece natural. Quando não, preferem
recorrer à automedicação."
Johnson lança
programa com terapia online Uma iniciativa que será lançada no próximo dia 13
pela Johnson & Johnson Brasil oferecerá cuidado psicossocial a
profissionais da saúde pública e privada de todo o país, especialmente médicos
e enfermeiros.
Numa primeira fase,
serão ofertadas 7.600 sessões gratuitas de terapia online. Os profissionais
poderão baixar os aplicativos e ter acesso aos serviços de apoio emocional e
psicológico oferecidos por plataformas digitais.
Segundo Fabricio
Campolina, da Johnson & Johnson, a Covid-19 trouxe desafios mesmo aqueles
profissionais preparados para atuar em situações emergenciais.
Ele explica que o
conteúdo do programa foi adaptado para dialogar com as angústias e dilemas
vivenciados atualmente pelos profissionais.
Afirma que a meta é
conseguir mais parceiros, como secretarias de saúde e associações de
profissionais, para que a iniciativa seja ampliada, inclusive envolvendo
psiquiatras em casos que só a ajuda terapêutica não for suficiente.
O programa é feito em
parceria com o hub de inovação Distrito e as startups Moodar e TNH Health. A
Moodar é uma plataforma de teleterapia, acompanhada por uma equipe de
psicólogos.
Já TNH Health faz uso
de inteligência artificial para simular conversas, com informações e conteúdo
para problemas de saúde emocional como depressão e ansiedade.
Além de um check-up
do estado de saúde, o profissional receberá dicas para lidar com situações de
estresse e pressões do dia a dia, e exercícios de autocuidado.
"Curiosamente, a
gente não tem observado que, ao conversar com um robô de inteligência
artificial, a pessoa veja menor valor. Ao contrário, ela se sente mais à
vontade de falar dos seus problemas."
Os profissionais
poderão ter acesso ao programa por meio do site:
https://cuidandodequemcuidadenos.com.br/.
FOLHAPRESS
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