O ex-ministro da Justiça Sergio Moro entregou à
Polícia Federal o histórico de conversas recentes com Jair Bolsonaro pelo
Whatsapp, incluindo o diálogo em que o presidente pressiona pela saída de
Maurício Valeixo da diretoria-geral da Polícia Federal.
No depoimento de sábado (2), Moro repassou ainda o conteúdo
das conversas com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada do presidente.
Numa das mensagens já reveladas pelo ex-ministro, a parlamentar tenta
interceder para que ele fique no governo em troca de uma nomeação ao STF.Ex-ministro da justiça, Sergio Moro | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Como exemplo das pressões que disse ter sofrido, Moro
relatou no depoimento reuniões com Bolsonaro que contaram com a presença de
outros ministros. Após o depoimento, o ex-ministro teve que aguardar os peritos
da Polícia Federal acessarem seu aparelho celular.
O aparelho foi espelhado em um HD da PF e Moro permitiu que
os investigadores recuperassem mensagens antigas apagadas por ele, já que não
teria arquivado todos os diálogos que teve com Bolsonaro desde o começo o
governo.
No depoimento, o ex-ministro manteve as acusações contra o
presidente a quem atribuiu uma tentativa de interferência em investigações
conduzidas pela PF. Na troca de mensagens pelo Whastsapp, o presidente cobra do
ministro a mudança do comando da PF devido ao inquérito das fake news que corre
no STF (Supremo Tribunal Federal) e que teria como alvo deputados
bolsonaristas.
Todo o histórico de conversa entre ele e Bolsonaro foi
copiado pelos investigadores que anexaram à investigação aberta pela PGR
(Procuradoria Geral de República) para investigar se o presidente tentou ou não
interferir em investigações da PF. Parte da conversa foi apresentada por Moro
ao Jornal Nacional, da TV Globo, no dia 24, logo após o presidente o chamar de
mentiroso.
Na troca de mensagens, que a Folha também teve acesso,
Bolsonaro lhe envia uma matéria do site O Antagonista intitulada "PF na
cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas". Em seguida, o mandatário
escreve: "Mais um motivo para a troca", se referindo à sua intenção
de tirar Valeixo do comando da corporação.
O inquérito citado pela reportagem do site foi aberto para
apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte. Moro ficou por mais de
oito horas na sede da Polícia Federal em Curitiba prestando depoimento e
compartilhando o conteúdo do seu aparelho celular aos investigadores.
O ex-ministro estava acompanhado de um advogado e, segundo
presentes, ficou calmo durante toda a oitiva, que foi interrompida por apenas
uma vez para que eles pudessem ir ao banheiro. As mensagens, segundo o
ex-ministro, provam que ele não condicionou aceitar a troca na PF a uma futura
indicação.
Por volta das 13h15, mas entrou pelos fundos, frustrando a
expectativa de manifestantes. O depoimento começou por volta das 14h. Moro saiu
do prédio por volta das 0h20 sem falar com a imprensa. No sábado, o presidente
Jair Bolsonaro usou as redes sociais para criticar o depoimento. O chefe do
Executivo chamou Moro de "Judas".
Moro reagiu ao comentário do presidente no domingo. "Há
lealdades maiores do que as pessoais", disse o ex-juiz pelo Twitter. De
acordo com assessores próximos ao ex-ministro, Moro se disse aliviado com o
depoimento. Ele afirmou ainda a aliados que não havia motivo para se preocupar
porque todas as acusações feitas por ele foram precedidas de material
probatório.
O depoimento é considerado um dos principais elementos do
inquérito que pode levar à apresentação de denúncia contra ele mesmo ou contra
o Bolsonaro. A oitiva, que durou mais de sete horas, foi o primeiro passo da
apuração iniciada após Moro pedir demissão do Ministério da Justiça e Segurança
Pública, no último dia 24, com graves acusações ao chefe do Executivo.
A investigação foi aberta a pedido do procurador-geral da
República, Augusto Aras, e autorizada pelo ministro Celso de Mello, do STF
(Supremo Tribunal Federal), relator do caso. O objetivo é descobrir se as
acusações são verdadeiras ou, então, se o ex-juiz da Lava Jato cometeu crimes
ao mentir sobre Bolsonaro.
Na visão de Aras, oito delitos podem ter sido cometidos:
falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa,
obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação
caluniosa e crime contra a honra.
De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser
enquadrado nos três últimos e Bolsonaro, nos seis primeiros. Nada impede, no
entanto, que a investigação encontre outros crimes além desses e os denuncie por
isso. Depois de ouvir Moro, a PF deve realizar outras diligências para buscar
mais provas e informações sobre o caso.
O procurador-geral pode fazer o mesmo, mas ele tem indicado
a pessoas próximas que deixará os detalhes da apuração a cargo da polícia e
decidirá ao final o oferecimento ou não da denúncia. Depois deste sábado, os
delegados que apuram os fatos podem entender, por exemplo, que é necessário
colher o depoimento de Maurício Valeixo, diretor-geral da PF enquanto Moro era
ministro e pivô da crise com Bolsonaro.
Isso porque, segundo o ex-juiz da Lava Jato, o chefe do
Executivo queria retirá-lo do comando da corporação para colocar alguém da sua
relação pessoal no cargo. A intenção seria dar acesso ao presidente a
relatórios de inteligência e informações sobre investigações em curso, o que
não é permitido pela legislação.
Além de Valeixo, a PF pode colher o depoimento outras
pessoas mencionadas por Moro e também do próprio Bolsonaro. Nesse caso, porém,
por se tratar do presidente da República, que tem foro privilegiado, seria
necessária autorização do STF. E o chefe do Executivo poderia ajustar com o
magistrado o horário e local adequado para isso.
Quando Michel Temer estava na Presidência e era investigado,
por exemplo, o ministro Edson Fachin permitiu que ele prestasse o depoimento
por escrito. No caso de Moro, o depoimento foi colhido pela delegada Christiane
Correa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos Especiais, grupo responsável por
apurar os casos em curso no STF.
Além dela, Aras designou três procuradores da República para
a oitiva: Herbert Mesquista, Antonio Morimoto e João Paulo Tavares. A
investigação, contudo, não tem uma data definida para acabar. O Código de
Processo Penal até estabelece que os inquéritos têm de ser concluídos em 30
dias ou em 10 dias se envolver réu preso.
Esse prazo, no entanto, nunca é respeitado, inclusive nas
investigações que correm perante o STF. O despacho do ministro Celso de Mello
obrigando a PF a ouvir Moro em até 5 dias, e não em 60 dias, como havia
determinado inicialmente, é um indicativo de que o magistrado quer acelerar as
apurações. Não dá para afirmar, porém, até quando elas se estenderão.
FOLHAPRESS
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