Após determinação do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde
divulgou nesta quarta-feira (20) um documento que amplia a possibilidade de uso
da cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos usados no tratamento da
malária, também para pacientes com sinais e sintomas leves do novo coronavírus.
A decisão ocorre sem que haja evidências científicas de eficácia e em
meio a alertas de especialistas sobre riscos do uso do medicamento para uso em
situações não comprovadas.
Até então, o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde previa o uso do
medicamento apenas por pacientes graves e críticos e com monitoramento em
hospitais.
Já o novo modelo traz "orientações" de uso também para
pacientes com quadros leves da Covid-19 e traz dosagens específicas.
O documento prevê a indicação de cloroquina com azitromicina, com
dosagens diferentes conforme a sequência do tratamento e o quadro do paciente.
A indicação deve ficar a critério médico e ocorrer após análise de
exames.
"Apesar de serem medicações utilizadas em diversos protocolos e de
possuírem atividade in vitro demonstrada contra o coronavírus, ainda não há
meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e
randomizados que comprovem o beneficio inequívoco dessas medicações para o
tratamento da COVID-19", aponta.
"Assim, fica a critério do médico a prescrição, sendo necessária
também a vontade declarada do paciente", completa.
Para isso, o paciente deve assinar um termo de consentimento que afirma
que a cloroquina e hidroxicloroquina podem causar efeitos colaterais "como
redução dos glóbulos brancos, disfunção do fígado, disfunção cardíaca e
arritmias, e alterações visuais por danos na retina".
O termo frisa ainda que "não existe garantia de resultados
positivos, e que o medicamento proposto pode inclusive agravar a condição
clínica, pois não há estudos demonstrando benefícios clínicos".
A divergência em torno do uso da cloroquina é apontada como o principal
motivo da saída do ex-ministro Nelson Teich, que pediu demissão na última
sexta-feira (15).
Dias antes, Bolsonaro havia deixado claro que faria a mudança no
protocolo, mesmo sem concordância do ministro.
"Votaram em mim para eu decidir e essa questão da cloroquina passa
por mim", afirmou em teleconferência com empresários. "Não pode mudar
o protocolo agora? Pode mudar e vai mudar", declarou na ocasião.
A possibilidade de mudança no protocolo gerou reação entre entidades da
área médica.
Um documento divulgado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira,
Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Pneumologia e
Tisiologia recomenda a não utilização de hidroxicloroquina, cloroquina e de
suas associações com azitromicina na rotina de tratamento da Covid-19.
Médicos que atuam na rede pública também vêm relatando temor de que a
mudança aumente a pressão pela indicação do medicamento.
Antes de deixar a pasta, Teich também já havia alertado para a falta de
evidências científicas no uso do tratamento. "Cloroquina hoje ainda é uma
incerteza. Houve estudos iniciais que sugeriram benefícios, mas existem estudos
hoje que falam o contrário", disse no fim de abril.
Uma primeira versão do documento foi apresentada ao presidente Jair
Bolsonaro nesta terça-feira pelo ministro da Saúde interino, o general Eduardo
Pazuello.
Horas depois, em live transmitida nas redes sociais, Bolsonaro informou
que o documento seria divulgado nesta quarta e que o modelo não obrigaria o
paciente a ser medicamento com a substância, mas daria a liberdade para que ele
use o remédio quando necessário.
"O que é a democracia? Você não quer? Você não faz. Você não é
obrigado a tomar cloroquina", disse. "Quem é de direita toma
cloroquina. Quem é de esquerda toma Tubaína", ironizou, referindo-se a uma
marca de refrigerante.
Segundo o Ministério da Saúde, o documento divulgado nesta quarta segue
parecer do Conselho Federal de Medicina.
Ainda em abril, o conselho emitiu uma autorização para que médicos
pudessem prescrever o medicamento também para casos leves e uso domiciliar,
mediante termo de consentimento do paciente ou familiares.
A autarquia justificou o aval devido à ausência de outros tratamentos
disponíveis, embora sem evidência científica.
A medida, no entanto, aumentou a pressão do Planalto por mudanças no
protocolo, até então rechaçadas pelo ex-ministro.
Indicada para tratamento de doenças como malária, artrite e lupus, a
cloroquina passou a chamar atenção após o presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, anunciar que o medicamento poderia ter resultado positivo para o
coronavírus.
Trump disse na segunda-feira (18) que está tomando hidroxicloroquina
como prevenção contra o coronavírus. Não há, porém, evidência científica de que
o remédio tenha eficácia no tratamento de Covid-19 nem que sirva como barreira
contra a infecção pelo vírus.
No fim de abril, o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas
(Niaid, na sigla em inglês), dos EUA, contraindicou o uso da associação de
hidroxicloroquina e azitromicina para tratamento da Covid-19 fora de ensaios
clínicos.
Um dos maiores estudos feitos até agora também não encontrou redução de
mortalidade por Covid-19 entre pessoas que foram medicadas com
hidroxicloroquina. A pesquisa com 1.438 pacientes foi publicada na segunda (11)
na revista Jama (Journal of the American Medical Association), um dos
principais periódicos médicos do mundo.
Outra grande pesquisa, com 1.376 pacientes de Nova York, publicada no
The New England Journal of Medicine, outro respeitado periódico científico,
também apontou que não foram encontradas evidências de que o uso da
hidroxicloroquina influencia na redução de mortes ou nas intubações.
0 Comentários