A superlotação no
Sistema Penitenciário do Ceará e as condições enfrentadas pelos presos que se
amontoam em pequenas celas são preocupações históricas lembradas quando se olha
para dentro das unidades prisionais do Estado. Onde cabem cinco, há trinta.
Onde era para funcionar a local de triagem de presos até que eles fossem
distribuídos entre presídios, se torna morada durante meses.
Quando o novo
coronavírus começou a se alastrar pelo Brasil, as autoridades pediram por
planos de contingência a fim de enfrentar a disseminação dentro das prisões.
Suspender as visitas foi uma das primeiras atitudes tomadas. No Ceará, também
ficou decretada a suspensão das transferências entre unidades, exceto em casos
excepcionais e a suspensão das saídas temporárias. A busca por minimizar estes
deslocamentos não foi suficiente. Em poucos dias, o primeiro caso de Covid-19
foi confirmado no Sistema Penitenciário do Estado.
A notícia no dia 7 de
abril sobre o diagnóstico de um detento de 24 anos, na Unidade Prisional
Professor José Sobreira de Amorim, em Itaitinga, acendeu o alarme para o risco
de a doença se espalhar. Não demorou até haver outros presos com casos
suspeitos e os sintomas da doença também se manifestarem nos agentes
penitenciários. Nesse sábado (18), foi confirmado o primeiro caso de servidor
infectado. Um agente do Grupo de Ações Penitenciárias (GAP), que atua na
vigilância do Complexo II, Município de Aquiraz, testou positivo para a doença.
A reportagem apurou que há dois agentes hospitalizados com suspeita de
Covid-19, aguardando resultado dos exames.
O temor em contrair o
novo coronavírus durante o trabalho ou até mesmo fora das unidades e transmitir
aos presos é uma preocupação constante entre os agentes. A reportagem
entrevistou policiais penais da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP)
que revelaram a atual situação dentro das unidades onde atuam. Nenhum deles
terá sua identidade revelada para que não sofram possíveis represálias da
gestão.
Sobrevivência
Na porta do presídio,
antes mesmo de começar o expediente, uma técnica de enfermagem mede a
temperatura corporal dos agentes que chegam para o plantão que irá durar 24
horas. Para utilizar durante todo o expediente são entregues duas máscaras.
Conforme um agente lotado na Unidade de Unidade Prisional e Centro de Triagem
(UPCT) de Caucaia, o 'Carrapicho', nem as máscaras e nem materiais de higiene
disponibilizados pela SAP são suficientes.
"Como as visitas
estão suspensas, os presos não recebem mais materiais de fora. O que a SAP
entrega não é suficiente. As máscaras são para durar o plantão todo, mas eu sei
que o indicado é ficar até duas horas com cada uma. Nós somos a porta de
entrada do vírus nas unidades. A gente fica à sorte, não tem EPI suficiente. Se
eu passo 12 horas com uma máscara que é para passar duas, corro risco
também", disse um agente. Ainda no 'Carrapicho', segundo o servidor, até
semana passada, um preso estava em uma cela isolada por apresentar quadro
viral.
"Ele não fez exame
ainda, mas ouvi dizer que tem todos os sintomas da Covid. A direção separou uma
cela para esse preso, mas no banho de sol e, em outros momentos, ele tem
contato com os demais. E aí, do que adianta? É um sentimento de abandono",
disse o servidor da SAP.
Dentro da Casa de
Privação Provisória de Liberdade Agente Elias Alves da Silva (CPPL IV), em
Itaitinga, o mesmo trâmite na chegada. A informação é que lá dois presos
morreram em menos de uma semana. Pneumonia e tuberculose foram apontadas como
as causas. "Noticiaram que o teste deles para Covid-19 deu negativo, mas
ouvimos dizer que familiares e advogados pediram reteste. O que está
acontecendo é que muitos colegas de profissão estão adoecendo. Recentemente,
dois agentes saíram da unidade com febre alta, de 39º graus. A prevenção é
pouca, EPI é pouco, álcool em gel não é suficiente, e o Sistema não se
posiciona", desabafa o agente.
Segundo outro policial
penal, "os colegas que fizeram escolta destes dois que morreram ainda nem
fizeram o exame da Covid. O teste só é feito quando a pessoa está muito
debilitada". Perto dos presos, os agentes ouvem dos detentos perguntas
como "e lá fora? A situação piorou"? Eles percebem que a interrupção
do recebimento de visitas e o medo da doença também aterroriza os internos.
"Agora que não tem mais comunicação externa, eles querem saber se os
familiares ficaram doentes e se ainda estão vivos".
Saúde
Um servidor que trabalha
junto ao setor de saúde de uma unidade prisional do Ceará levanta ainda a
questão de que as condições dentro das unidades propiciam diversas outras
doenças infectocontagiosas.
Segundo ele, há poucos
meses o Sistema enfrentou um surto de catapora. Outro agente, que auxilia no
transporte de presos para unidades hospitalares, dentre elas o Hospital e
Sanatório Otávio Lobo, acrescenta que nos últimos dias precisou conduzir
detentos de sete unidades diferentes, com sintomas de doenças diversas.
Fonte: Diário do Nordeste
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