A crise fiscal atinge em cheio o
Ceará. Os investimentos do Governo Federal para obras e projetos no Estado, em
2019, atingiram no primeiro quadrimestre o menor valor em cinco anos.
Levantamento feito pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares, com base nos
portais da transparência, revela que o repasse da União para o Ceará por meio
de convênios caiu 71,3% entre janeiro e abril deste ano, se comparado a igual
período de 2015. Educação e Segurança são as áreas mais atingidas.
A modalidade de financiamento
através de convênios com o Governo Federal é comum nos estados, principalmente
no Ceará. É uma estratégia importante dos gestores para driblar a falta de
verba própria e manter os investimentos na construção e reforma de creches,
postos de saúde, rodoviárias e quadras esportivas em escolas, além de fornecer
o abastecimento de água, comprar insumos médicos, fazer o recapeamento de
asfalto e abrir novas estradas, entre outros serviços.
Atualmente, o Estado mantém 1.746
convênios com o Governo Federal, no valor total de R$ 2,2 bilhões. Mais de R$
1,3 bilhão ainda falta ser pago em contratos que estão sendo executados. Nos
quatro primeiros meses do ano, no entanto, a União liberou apenas R$ 29,3 milhões
para o Ceará. O valor é 47% menor que o volume de recursos depositado em igual
período de 2018.
Em 2016, o Ceará chegou a receber
três vezes mais de verbas federais no período: R$ 105,7 milhões. No ano
anterior, o repasse para o Estado também tinha sido alto: R$ 102,4 milhões. De
lá para cá, o Ceará perdeu R$ 73,1 milhões de transferências voluntárias, que
poderiam estar sendo investidos em serviços públicos básicos à população.
Continuidade
A secretária estadual da Fazenda,
Fernanda Pacobahyba, argumenta que a baixa nos valores acaba obrigando o
Tesouro Estadual a se responsabilizar por parte deste Orçamento. Com o arrocho
nas contas, a continuidade dos serviços pode ficar comprometida.
"Diversos projetos nossos,
especialmente relacionados à Segurança, Saúde e Educação, têm base nesses
repasses federais. Essa é uma prática a que temos assistido: a União minguando
alguns valores no tocante aos repasses. Como são coisas essenciais do Estado,
nós não podemos deixar de subsidiar muitas vezes".
Para a Saúde, uma das áreas mais
desafiadoras no Estado, o Ceará recebeu, neste ano, a maior quantia em
convênios: R$ 15,3 milhões. Em seguida, vem a área de Desenvolvimento Regional,
com repasses de R$ 8,8 milhões para obras que envolvem pavimentação de estradas,
drenagem e estação de tratamento de água.
Impactos
Por outro lado, o menor repasse
do Governo Federal para o Ceará em convênios, em 2019, foi em Educação. Apenas
R$ 42,7 mil dos mais de R$ 24 milhões que faltam serem pagos pela União em
contratos foram transferidos para a conta do Governo estadual. O setor,
inclusive, foi um dos mais atingidos pelo bloqueio no Orçamento Federal, que
congelou R$ 5,8 bilhões no Ministério da Educação (MEC).
Já para a Segurança, a União
ainda não repassou nenhum centavo dos convênios em execução. Ao todo, o Governo
Federal tem R$ 29,7 milhões a serem pagos para o Ceará. Nos quatro primeiros
meses do ano, o Governo Federal também destinou poucos recursos para programas
de Direitos Humanos - R$ 416,4 mil -, e de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento - R$ 533,1 mil. Especialista em gestão de contas públicas, o
professor de Economia Aplicada da Universidade Federal do Ceará (UFC), Almir
Bittencourt, avalia que a queda dos investimentos federais nos estados é fruto
do déficit orçamentário no País desde 2014.
"Houve um crescimento muito
grande de despesa, chegando ao ponto de o ritmo da despesa ser muito maior do
que o ritmo de crescimento da receita. A dívida chegou a 85% da riqueza do
País. E como honrar a despesa se a receita cai e não há a possibilidade de
fazer se não for por títulos públicos? Quando tem dificuldade no Orçamento, a
primeira coisa que você vê é congelar investimento", analisa.
Para a coordenadora do curso de
Ciências Econômicas da UFC em Sobral, a professora Alessandra Benevides, o
Ceará é quem mais deve sofrer os impactos da queda de repasses para
investimentos em razão de ser um dos dez estados que formalizaram contratos com
maiores valores.
"A realidade está batendo à
porta e o Ceará, assim como outras unidades da Federação, precisa se adaptar. E
isso, de alguma forma, vai ser repercutido na paralisação de projetos ou na
redução do ritmo de execução, se for obra, ou no serviço, dependendo do convênio",
aponta.
Saída
A saída, de acordo com a
professora, seria os estados procurarem se "reinventar" na captação
de recursos, por meio de estratégias como "convênios internacionais para
tocar os seus projetos" ou parcerias público-privadas (PPP's).
A dificuldade de fechar as contas
acendeu o alerta na gestão estadual. O governador Camilo Santana (PT) anunciou,
na semana passada, um pacote de ajuste fiscal que prevê diversos cortes no
Estado. Ao ser questionado sobre a queda de investimentos federais no Ceará, o
chefe do Executivo disse que as cobranças ao Governo Federal estão ocorrendo de
forma "respeitosa" e articulada no Nordeste.
"Como não é uma coisa
específica só do Ceará, isso tem sido tratado nos fóruns de governadores, nas
reuniões com o Ministério da Economia. Na reunião com o presidente da República
e os nove governadores (da região), nós só apresentamos duas pautas. Uma foi
exatamente as obras de infraestrutura em andamento no Nordeste. Sabemos do
contingenciamento que foi feito, mas estamos aguardando um calendário, uma
definição de como vai se dar daqui para a frente em relação a isso".
Procurada pelo Diário do
Nordeste, a assessoria do Ministério da Economia lembrou que, no último dia 22,
o secretário especial da Fazenda do Governo Federal, Waldery Rodrigues,
ponderou, em entrevista coletiva, que o momento é de forte "estresse
fiscal" e considerou o arrocho orçamentário necessário. "Estamos
entrando no sexto ano seguido de déficit e, se nada for feito para contornar,
teremos mais três anos de déficit pela frente. Governar é estabelecer
prioridades. O cobertor é curto", disse o gestor.
Por: Letícia Lima e Wagner Mendes
| Dados: Ozias Filho
Fonte: Diário do Nordeste
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