O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), comparou nesta quarta-feira (23) o chamado pacote anti-STF do Congresso à Constituição da ditadura de Getúlio Vargas, de 1937. De acordo com ele, neste momento histórico, é perigoso que o Parlamento passe a derrubar decisões da corte.
Pacote foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara Federal no início de outubro.
Ministro considera "perigoso" que o Congresso tenha a possibilidade de derrubar decisões da Corte | (Andressa Anholete/STF)
O colegiado passou mais de uma
hora da sessão plenária debatendo se o Congresso respeitou o rito legislativo
correto no caso que incluiu as cooperativas médicas no rol de companhias que
podem pedir recuperação judicial de acordo com a Lei das Falências.
O decano manifestou a preocupação
sobre a repercussão que a conclusão do plenário poderia ter em outros temas a
partir da decisões e mesmo sobre o momento de tensão entre os dois Poderes.
"Acharia muito perigoso
estimular a postura do Congresso Nacional no momento que estamos vivendo.
Estamos falando de 4 ou 5 emendas constitucionais, há inclusive dois mandados
de segurança com o ministro Kassio [Nunes Marques], que trata inclusive de
cláusula pétrea. Uma delas que revive o dispositivo da Polaca, a carta de 1937
de Getúlio Vargas", disse.
Gilmar se referiu ao pedido feito
pelo deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), o Paulinho da Força,
ao Supremo para que determine o arquivamento de duas propostas em análise no
Congresso e que limitam os poderes dos ministros da corte.
No pedido protocolado no último
dia 11, o parlamentar defende a tomada de decisão em caráter emergencial
(liminar) para que seja suspensa a tramitação das PECs e sustada qualquer
deliberação sobre essas propostas. O relator será o ministro Kassio Nunes Marques,
indicado ao tribunal pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O trecho mencionado por Gilmar
estabelecia que o Congresso, sob a ditadura Vargas, poderia cassar decisões do
STF. "Para quem sabe, não houve Congresso em 1937. Então, quem exerceu
esse poder foi o presidente ditador Getúlio Vargas, que cassou decisões do
Supremo. Estamos vivendo essa quadra", afirmou o ministro.
O presidente do tribunal,
ministro Luís Roberto Barroso, também já questionou as iniciativas em
tramitação no Congresso citando a situação ocorrida nos anos 1930. "Rever
decisão do Supremo, que foi um precedente do Estado Novo na ditadura Vargas, me
soa mal. Se esse debate se colocar de uma maneira consistente, nós vamos
participar dele também", disse em entrevista à Folha, em agosto.
O pacote de medidas conhecido
como anti-STF foi aprovado no último dia 9 na CCJ (Comissão de Constituição e
Justiça e Cidadania) da Câmara dos Deputados em ofensiva liderada pelo PL de
Bolsonaro, mas que contou também com o apoio dos demais partidos de centro e de
direita.
O colegiado aprovou a
admissibilidade de duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição) e dois
projetos de lei que limitam poderes de ministros do Supremo e ampliam as
hipóteses de pedidos de impeachment dos magistrados.
As propostas haviam sido enviadas
pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), à comissão numa resposta à
decisão unânime do Supremo de suspender a execução das emendas parlamentares
até a adoção de medidas mais transparentes.
A PEC 8/2021 foi aprovada por 39
votos a 18. Ela restringe o poder de os magistrados da corte derrubarem por
decisão monocrática (individual) leis aprovadas pelo Congresso. O PT usou o
recurso da obstrução para tentar evitar a apreciação do tema, mas a maioria
optou por dar prosseguimento à votação.
Já a PEC 28/2024, aprovada com 38
a 8, permite que as decisões do STF possam ser derrubadas pelo Congresso. Além
da análise por uma comissão especial e pelo Plenário, em dois turnos de
votação, a proposta também segue para apreciação do Senado.
A Constituição de 1937 citada
pelo decano da corte previa que o presidente da República poderia manobrar para
tornar sem efeito uma decisão do STF pela inconstitucionalidade de uma lei. O
chefe do Executivo teria a possibilidade de, sob a justificativa do
"bem-estar do povo, da promoção ou da defesa de interesse nacional de alta
monta", devolver o caso ao exame do Parlamento.
Caso o Congresso confirmasse por
dois terços de votos em cada uma das Câmaras, a decisão da corte estaria
cassada. Este dispositivo foi revogado em dezembro de 1945.
O Congresso foi fechado por
Vargas em 10 de novembro de 1937. Em discurso transmitido pelas rádios, Getúlio
informou que instituía um "regime forte, de paz, justiça e de
trabalho". As eleições foram suspensas, a Constituição de 34 foi anulada, partidos
políticos foram proibidos, e rádios e jornais, censurados.
A Constituição daquele ano ficou
conhecida como Polaca por ter textos de inspiração no modelo semifascista
polonês, era centralizadora e concedia ao governo poderes praticamente
ilimitados.
Autor:Ana Pompeu/Folhapress
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