O comandante do Exército, general Tomás Paiva, afirmou a subordinados que a vitória eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi "indesejada" pela maioria dos militares, mas "infelizmente" aconteceu.
Tomás Paiva afirmou que a maioria dos militares desaprovaram a eleição de Lula.
Comandante do Exército, general Tomás Paiva | Divulgação Exército
"Não
dá para falar com certeza que houve qualquer tipo de irregularidade [na
eleição]. Infelizmente, foi o resultado que, para a maioria de nós, foi
indesejado, mas aconteceu", disse.
A
declaração foi dada a oficiais do Comando Militar do Sudeste em 18 de janeiro três dias antes de assumir a chefia do Exército com a
demissão do general Júlio César de Arruda.
O
áudio foi gravado de forma escondida por um dos presentes e divulgado pelo
podcast Roteirices. A Folha teve acesso à gravação, que circula em grupos de
militares desde a última semana. Procurado, o Exército não se manifestou.
Na
conversa, Tomás disse que era preciso aceitar o resultado das eleições porque
não havia nenhum sinal de irregularidade no processo eleitoral. Ele lembrou que
as Forças Armadas fiscalizaram o sistema eletrônico de votação e não
encontraram falhas.
"A
diferença nunca foi tão pequena, mas o cara fala assim: General, teve fraude. Nós participamos de
todo o processo de fiscalização, fizemos relatório, fizemos tudo. Constatou-se
fraude? Não. Eu estou falando para vocês, pode acreditar. A gente constatou
fraude? Não."
"Este
processo eleitoral que elegeu o atual presidente e que não elegeu o
ex-presidente foi o mesmo processo eleitoral que elegeu majoritariamente um
Congresso conservador. Elegeu majoritariamente governadores
conservadores", completou.
Tomás
conversava com os subordinados após o então comandante do Exército, general
Arruda, reunir o Alto Comando do Exército pela primeira vez após os ataques de
8 de janeiro.
Segundo
relatos feitos à reportagem, Arruda havia ordenado que os comandantes militares
repassassem mensagens legalistas às tropas, para a manutenção da hierarquia e
disciplina. Tomás aproveitou essa ordem para realizar conversas internas e
incentivar o apoio ao governo Lula.
Na
conversa gravada, Tomás afirmou que "nós estamos na bolha fardado,
militarista, de direita e conservadora" e que era importante reconhecer
que "existe outra bolha, e ela não é pequena".
O
comandante dedicou parte do discurso para falar sobre os acampamentos golpistas
que se formaram em frente a quartéis do Exército espalhados pelo país.
Segundo
Tomás, houve inicialmente uma "orientação generalizada" de não
impedir as manifestações golpistas, citando a nota divulgada em novembro pelos
comandantes das três Forças que, com recados ao Judiciário, tentava justificar
os pedidos de intervenção militar.
"Havia
um entendimento do comandante em chefe das Forças Armadas, que era o presidente
da República, que não era para mexer [nos acampamentos], que era legítimo. Não
teve nenhuma intercorrência, ninguém se manifestou [pelo término dos atos], nem
a Justiça, nem o Ministério Público, não teve nada", disse.
O
comandante ainda disse que, na virada do governo, não houve ordem de Lula para
a desmobilização dos acampamentos. "E de 1º a 8 [de janeiro], qual foi a
ordem recebida para tirar? Nenhuma, não teve ordem. Porque a expectativa era
que o movimento ia naturalmente se dissolver. Era de se esperar, e não
ocorreu."
Apesar
dos ataques às sedes dos três Poderes, destacados por Tomás como
"deploráveis e lamentáveis", o comandante disse que não há como
chamar os bolsonaristas de terroristas.
"É
triste também porque a gente deu ferramenta para chamar o cara de terrorista.
Que é isso? Não é terrorista. Estão até de sacanagem dizendo que o Mossad, está
todo mundo querendo vir aqui para aprender com a Polícia Federal como que
prende 1.500 terroristas de uma vez só [...] Isso daqui é o seguinte: é
vândalo, é maluco, cara que entrou numa espiral de fanatismo e extremismo que
não se sustenta", completou.
Tomás
também disse que era "impossível de fazer" uma "intervenção
militar com Bolsonaro presidente", como pediam os bolsonaristas em frente
aos quartéis. Segundo o comandante, os efeitos de um golpe militar seriam
arrasadores.
"Imagina
se a gente tivesse enveredado para uma aventura. A gente não sobreviveria como
país. A moeda explodiria, a gente ia levar a um bloqueio econômico jamais
visto. Aí sim iria virar um pária e o nosso povo viveria as consequências.
Teria sangue na rua. Ou vocês acham que o povo ia ficar parado? Não ia
acontecer, cara."
A
apresentação de Tomás possuía uma série de slides com matérias jornalísticas e
outras informações. O general leu o conteúdo em voz alta para os subordinados.
O
comandante se mostrou irritado com charges e memes feitos sobre a atuação dos
militares no processo eleitoral e, principalmente, com o desfile de blindados
que a Marinha fez na Esplanada dos Ministérios no dia da votação da PEC
(proposta de emenda à Constituição) do voto impresso na Câmara, em 2021.
"A
gente fica puto quando vê um negócio desses, fica chateado, ninguém
gosta", disse.
No
fim da conversa, de cerca de 50 minutos, Tomás leu notícias sobre os planos do
PT de promover uma reforma nas Forças Armadas. O comandante disse que é preciso
conter as propostas petistas e preservar o Exército.
"Faz
parte da cadeia de comando segurar para que isso não ocorra. Agora fica mais difícil,
mas nós vamos segurar, porque o Brasil precisa das Forças Armadas. Da nossa
postura, da nossa coesão, da nossa manutenção dos valores, da crença na
hierarquia e disciplina, do nosso profissionalismo, depende a força política do
comandante e dos comandantes de Força para obstar qualquer tipo de tentativa de
querer nos jogar para o enquadramento", concluiu.
Autor:Cézar Feitosa / Folhapress
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