A "supremacia" do Pix está nas redes. Contas no Instagram, Twitter e TikTok de autointitulados reis e rainhas da forma de pagamento oferecem retorno de até 1.000% sobre valores enviados em transferências. É assim que golpistas trocam quantias provenientes de atividades ilícitas, passíveis de bloqueio pelo banco, por dinheiro livre para utilização.
Os perfis costumam oferecer uma lista de possíveis trocas ao usuário: se enviar um Pix de R$ 10, recebe R$ 100; ao enviar R$ 500, recebe R$ 5.000.
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| Golpistas trocam quantias de atividades ilícitas pelo Pix por dinheiro livre | ( Reprodução ) |
Os perfis costumam oferecer uma lista de possíveis
trocas ao usuário: se enviar um Pix de R$ 10, recebe R$ 100; ao enviar R$ 500,
recebe R$ 5.000.
Pode ser que, após enviar o dinheiro, a pessoa não
receba nada em troca: o dinheiro é rapidamente sacado pelos golpistas,
impedindo que instituições bancárias, quando contatadas, desfaçam a
transferência. Mas há casos em que o prometido se concretiza –ao menos por um
curto período de tempo.
Thiago Chinellato, delegado da Divisão de Crimes Cibernéticos na Polícia
Civil de São Paulo, explica que o golpista envia um valor oriundo de crimes
(como clonagem de um cartão) e, dada sua origem, tem grande chance de ser
confiscado. Em troca, ele recebe da vítima um valor menor, mas que vem de uma
conta regular e, portanto, pode ser livremente utilizado.
Muitos dos perfis deixam claro que o dinheiro vem
de atividades ilícitas, exibindo informações sobre contas bancárias e cartões
sequestrados. Se comprovada, a ciência do cidadão acerca da origem do montante
recebido permite sua caracterização como cúmplice do crime.
O esquema tem um funcionamento simples. No contato
inicial, o golpista pergunta à pessoa qual é o pacote desejado, ou seja, quais
os valores ela deseja depositar e quais receber. Então, ela é orientada a
enviar a quantia para uma determinada conta, que geralmente pertence a laranjas
ou foi sequestrada pelo golpista. Após o envio, pode ser que a pessoa não
receba retorno do valor.
Caso receba, normalmente o dinheiro é proveniente de contas ou cartões
clonados ou sequestrados. Assim, o golpista troca o dinheiro "sujo",
oriundo de atividades ilícitas, por quantias vindas de uma conta bancária
regular, depositado de livre e espontânea vontade pela vítima.
Os perfis de golpistas variam. Alguns vendem o
esquema como "oportunidade de investimento"; outros se apresentam
como forma de "burlar o sistema". Há perfis que explicitam as
atividades ilegais que os sustentam; comemoram abertamente sequestros de contas
e dizem que o envio é feito a partir de contas de laranjas. Às vezes, também
utilizam nomes e logotipos de instituições bancárias como tentativa de
demonstrar legitimidade, assim como vídeos de depoimentos e mensagens de
supostos "clientes".
A reportagem tentou contato com os donos desses
perfis, sem sucesso. De vítima a cúmplice Chinellato explica que é comum que a
pessoa que enviou dinheiro ao estelionatário, teoricamente vítima do golpe,
seja responsabilizada criminalmente.
"Se preliminarmente não teve conhecimento, teoricamente a pessoa
não seria responsabilizada. Mas em geral, nesse tipo de fraude, a pessoa sabe,
porque não existe técnica de dinheiro fácil. Não tem explicação para uma pessoa
fazer uma transferência de R$ 50, receber R$ 1.000 de volta e achar que se
trata de uma transação normal."
O delegado também explicita os riscos relativos ao
compartilhamento de dados. "A exposição dos dados pessoais é sempre um
risco, porque esses dados podem ser utilizados para a prática de outros golpes
ou outras fraudes, como ter os dados utilizados para abertura de contas",
afirma.
O advogado Plínio Higasi, especialista em direito
digital, diz que mesmo que não esteja descrito no perfil que há envolvimento
com atividades ilícitas, a ilicitude pode ser presumida em nível cível, .
"O Poder Judiciário considera o homem médio
uma pessoa em pleno discernimento, uma pessoa com conhecimento razoável sobre
as situações sociais, uma pessoa que utiliza a internet com certa frequência.
Como ela entende uma situação tão absurda em que paga e recebe o dobro do
valor?", questiona Higasi.
Já no âmbito penal, há presunção de inocência; então, criminalmente,
quando há situação que desperte dúvida sobre conhecimento da vítima, ela pode
ser eximida de responsabilidade pela presunção de inocência. "Mas se
houver qualquer tipo de ligação que o banco faça em relação aos valores de proveniência
ilícita e a utilização por essa pessoa, o próprio banco pode acabar bloqueando
e retendo estes valores", diz.
Se a pessoa realmente não tinha consciência de que
participar de uma fraude, é recomendado entrar em contato com o banco para
bloquear o Pix. "Tentar imediatamente, assim que tomou ciência da situação
ilícita, entrar em contato com o banco para receber os valores. Mas é muito
raro ter efetividade porque provavelmente houve saque dos valores assim que as
pessoas receberam do outro lado", conclui o advogado.
Chinellato afirma que o mais importante é não
acreditar em promessa de dinheiro fácil. "Isso não existe, ainda mais em
um ambiente atual de dificuldade econômica de muitas pessoas."
O delegado recomenda não participar em hipótese alguma de grupos que
prometem um exagerado retorno financeiro. "Isso evita que a pessoa além de
perder dinheiro possa ter a complicação de enfrentar processo criminal."
FOLHAPRESS













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