Especialistas em segurança pública não têm dúvidas de que o uso inadequado de gás lacrimogêneo foi o que provocou a morte por asfixia de Genivaldo de Jesus Santana, durante uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF), na última quarta-feira (25), em Umbaúma, município de Sergipe. Mas esse seria apenas um dos vários erros cometidos pelo dois agentes envolvidos no caso.
Segundo especialistas, agentes jamais poderiam ter usado gás lacrimogêneo em ambiente fechado. Vítima sofria de esquizofrenia.
Várias testemunhas filmaram a ação dos agentes da PRF, que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santana. | Reprodução |
Após ter sido mantido preso dentro de uma viatura
cheia de gás lacrimogêneo, Genivaldo, de 38 anos, morreu por total falta de
oxigenação nos pulmões. De acordo com especialistas, não há qualquer indicação
de uso do gás lacrimogêneo para a contenção individual, justamente pelo risco
de letalidade quando utilizado em ambientes fechados – como ocorreu no caso em
Sergipe.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o presidente do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, afirma que toda a
conduta dos policiais na abordagem "foi atabalhoada e fora dos
procedimentos".
"Todos os manuais de segurança falam em uso
escalonado da força. Os policiais, no limite, estariam autorizados a usar arma
de fogo, seguindo a técnica internacional. Mas jamais o gás lacrimogêneo, que é
para uso em massa, (para) distúrbios civis. É um erro técnico. Jamais pode ser
usado em local fechado", destaca Lima.
O especialista avalia que o fato de os agentes da
PRF não terem armas de choque – como demonstra boletim de ocorrência obtido
pela Folha – indica um problema institucional que coloca em risco os policiais
e a sociedade durante operações. "Se há falta de equipamento, a
instituição falha. Não há fornecimento de serviço adequado, e o patrulhamento é
prejudicado."
No boletim, os policiais que participaram da abordagem alegaram ter
empregado "espargidor de pimenta e gás lacrimogênio" diante da
resistência apresentada por Genivaldo, uma vez que essas ferramentas "de
menor potencial ofensivo" eram as "únicas disponíveis no
momento".
A doutora e professora do Departamento de Segurança
Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense), Jacqueline de Oliveira Muniz,
afirma que o problema é estrutural. Para ela, a falta de protocolos claros
sobre métodos de emprego da força, discutidos com a sociedade, faz da PRF uma
"instituição amadora".
"Não há doutrina de uso potencial de força que
delimite as capacidades coercitivas e valide os seus procedimentos táticos
operacionais. Se não tem doutrina ou protocolo claros, o policial vai agir nas
situações no olhômetro", explica.
Muniz destaca ainda que apesar de o gás lacrimogêneo ser considerado uma
arma menos letal, a forma como os agentes da PRF agiram contra Genivaldo –
trancando a vítima dentro do carro com a fumaça – aumenta os riscos de morte.
"É uso abusivo da força com risco de morte. Todo mundo que usa granada de
efeito moral, gás lacrimogêneo, sabe que ela é tóxica. Neste caso, a granada é
uso excessivo de força."
Manual ignorado
Protocolos de diferentes órgãos destacam a
necessidade de se observar o uso proporcional de armas consideradas de menor
potencial ofensivo. Uma resolução de 2020 da Justiça Federal que regulamenta o
porte de armas afirma que o uso desses instrumentos deve seguir os princípios
"da legalidade, da moderação, da necessidade, da proporcionalidade, da
conveniência e da progressividade".
Já um documento de 2020 da Cruz Vermelha sobre o uso de armas e
equipamentos por policiais reforça essa avaliação. O manual afirma que gás
lacrimogêneo pode ser letal em espaços fechados e recomenda que armas
consideradas "menos letais" não sejam usadas "contra indivíduos
que não representem ameaça, incluindo os que já tenham sido contidos".
Segundo o boletim de ocorrência, Genivaldo estava
algemado quando foi colocado no porta-malas da viatura. Policiais rodoviários
federais ouvidos pela reportagem afirmam, sob condição de anonimato, que não há
recomendação de uso de gás lacrimogêneo em espaços fechados.
O manual de gestão operacional de controle de
distúrbios da PRF afirma que espargidores de pimenta e artefatos que liberam
gás lacrimogêneo são indicados "para dispersão de manifestantes" e
devem ser empregados pela força de choque da corporação.
"Os IMPO (instrumentos de menor potencial ofensivo) poderão ser
utilizadas por outros grupos, desde que adquiridas para fins correlacionados às
suas atribuições, mediante capacitação específica, sendo sua distribuição e
situações de emprego regulamentadas por normativa específica", diz o
documento.
O laudo do IML (Instituto Médico Legal) apontou que
Genivaldo sofreu insuficiência respiratória aguda provocada por asfixia
mecânica, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Sergipe. Vídeo feito por
moradores mostra Genivaldo ainda vivo sendo trancado no porta-malas de um
viatura onde os policiais detonaram bomba de gás.
No boletim, os policiais admitem que usaram espargidor de
pimenta e gás lacrimogêneo, meios descritos por eles como "tecnologias de
menor potencial ofensivo". Os policiais afirmam ainda que voltaram a usar
esses meios quando a vítima já estava no porta-malas, uma vez que, de acordo
com a equipe da PRF, a vítima teria resistido a permanecer no compartimento.
De acordo com o relato dos policiais, Santos foi parado pelos agentes da
PRF por pilotar uma moto sem capacete. Os policiais contam que o homem se negou
a cumprir as ordens de levantar a camisa e colocar as mãos na cabeça,
"levantando o nível de suspeita da equipe".
Asfixia mecânica
Após o uso do gás, a PRF alega que Santos teria,
conscientemente, se ajeitado na viatura para ser levado à delegacia.
"Durante o trajeto, o conduzido começou a passar mal e (foi) socorrido
prontamente. A equipe seguiu rapidamente para o hospital local, onde foram
adotados os procedimentos médicos necessários para reanimação, porém,
possivelmente devido a um mal súbito, a equipe foi informada que o indivíduo
veio a óbito."
Por nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Sergipe
informou que Santos chegou ao IML já sem vida, por volta das 18h20. O instituto
também informou que a asfixia mecânica ocorre por obstrução de ar dos pulmões
causada por agente externo. A Polícia Federal abriu um inquérito para
investigar o caso.
Autor: Sales Coimbra, com informações Folhapress
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