Nos últimos meses, uma quantidade maior de tubarões passou a frequentar as praias do Balneário Camboriú, um dos principais destinos turísticos do verão brasileiro, no litoral norte de Santa Catarina. Desde agosto, pelo menos 16 espécimes de porte médio foram avistados na região. Um deles chegou a esbarrar em uma surfista. Especialistas acreditam que o aumento nas aparições desses animais pode estar relacionado com as obras de alargamento da faixa de areia da Praia Central do balneário. A prefeitura disse que a obra respeita todas as normas ambientais.
No último dia 13, um grupo de surfistas avistou um tubarão de quase um metro quando praticava o esporte na Praia Central, no balneário.
Tubarão-martelo de dois metros foi flagrado próximo da praia, em Balneário Camboriú (SC) | (crédito: Museu Oceanográfico) |
No último dia 13, um grupo de surfistas avistou um tubarão de quase um metro quando praticava o esporte na Praia Central, no balneário. O surfista Pita Tavares, de 41 anos, contou que o animal bateu a cauda em sua perna e resvalou a cabeça em suas costas. Conforme o relato, há 30 anos surfando no local ele jamais tinha visto um tubarão por ali. Dois dias depois, um morador socorreu e arrastou para o mar um tubarão com cerca de 30 quilos que havia encalhado na Praia Central. Um mês antes, um tubarão maior, com cerca de dois metros, foi visto nadando no trecho em que acontecem as obras de alargamento da faixa de areia.
Com base nas imagens, a equipe do Museu
Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) identificou o animal
como um tubarão-martelo jovem. O curador do museu, professor Jules Soto,
acredita que a presença maior dos tubarões se deva ao trabalho das dragas que
movimentam a areia na praia, fazendo com que haja maior dispersão de pequenos
moluscos e outros alimentos para os peixes que, por sua vez, atraem os
tubarões. "Quando a dragagem cessar, os tubarões não devem mais chegar tão
perto da praia", disse.
Segundo ele, os tubarões são sensíveis aos
ambientes em que vivem e qualquer alteração nesses ambientes gera um distúrbio
na dinâmica local. Soto, que participou do primeiro estudo sobre ataques de
tubarões em Recife, na década de 1980, disse que as espécies potencialmente
agressivas não ocorrem em Santa Catarina. "As pessoas associam tubarões a
ataques, mas não é bem assim. Eles têm aparecido em maior número, mas sem
representar risco."
Para o oceanógrafo Rodrigo Cordeiro
Mazzeloni, professor da Univali, a relação do aparecimento maior de tubarões
com as obras na praia pode, sim, existir. "Quando temos uma obra de grande
porte, pode ser em uma praia ou em uma rodovia, a gente acaba mexendo no
equilíbrio da natureza. Algumas espécies animais fogem do local, enquanto
outras acabam se aproximando, atraídas pelo movimento", disse. Segundo
ele, é preciso estudar mais o que está acontecendo. "Se for essa a razão,
ao final da obra, o equilíbrio ambiental tende a se restabelecer",
pontuou.
Conforme Mazzeloni, a presença de tubarões no
litoral é registrada desde as décadas de 1930 e 1940. "É fato que estão
acontecendo avistamentos mais frequentes, mas hoje temos muito mais gente nas
praias e muitos com celulares, o que facilita o registro", disse. Ele
afirma que a possibilidade de ataques a pessoas é muito remota. "As
espécies são de menor porte do que aquelas encontradas, por exemplo, em Recife,
onde os ataques costumam acontecer. Lá são espécies de tubarões maiores que
habitam águas mais quentes e que não ocorrem em nossa região. Um ataque aqui
seria um fenômeno raríssimo."
PRAIA MAIS LARGA
As obras começaram em março deste ano, mas a
interferência maior na maré teve início no dia 22 de agosto, quando as dragas
começaram a remexer a areia. O projeto prevê alargar a faixa de areia dos
atuais 25 metros para até 70 metros. A previsão é terminar a obra em novembro
deste ano. De acordo com a prefeitura, a ampliação vai proteger a orla contra o
avanço das marés e ampliar o espaço para banhistas e turistas, já que será
possível construir uma ciclovia e aumentar o paisagismo.
A secretária do Meio Ambiente, Maria Heloisa
Lenzi, disse que o município monitora a presença de tubarões ao longo da orla,
assim como de outros espécimes da fauna. Segundo ela, não há como comprovar a
relação entre os avistamentos recentes de tubarões e as obras na praia. A intervenção
teve licença ambiental concedida em 15 de dezembro de 2020 pela comissão
central de licenciamento do Instituto do Meio Ambiente (IMA) do Estado. Ao
custo de R$ 67 milhões, os serviços estão sendo realizados por um consórcio de
duas empresas que venceu a licitação realizada pela prefeitura.
A intervenção acontece no momento em que o
Balneário Camboriú experimenta uma das maiores valorizações imobiliárias do
Brasil, segundo o Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Santa Catarina
(Creci/SC). Embora a prefeitura afirme que esse não é um dos objetivos da obra,
o alargamento das praias vai reduzir o sombreamento da faixa de areia pelos
edifícios altos e espigões construídos ao longo de toda a orla.
Nos estudos para o licenciamento, foram
previstos maiores impactos ambientais durante a realização dos serviços, como a
redução da produtividade biológica, afetando principalmente a atividade
pesqueira, perturbação sonora sobre pequenos cetáceos e aumento na turbidez da
água. Conforme o município, o licenciamento ambiental previu 21 programas de
avaliação e redução desses impactos, entre eles o monitoramento da avifauna
(aves, peixes e moluscos), da pesca artesanal, e do regime das marés.
Entre os impactos positivos que devem
acontecer após a conclusão da obra, estão modificação nos padrões de erosão na
orla, melhoria nas condições de lazer para os usuários, maior área de
reprodução e alimentação para as espécies marinhas e geração de renda devido ao
aumento no turismo. Soto disse ser favorável ao 'engordamento' da praia.
"Vai recuperar um ecossistema que estava perdido, pois praticamente não
havia mais praia", disse.
Correio Braziliense
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