Investigação realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), do Ministério Público do Ceará (MPCE), aponta envolvimento de duas delegadas e 24 policiais civis em um esquema de tráfico de drogas, extorsão e fraude processual. O grupo, segundo o órgão investigador, teria se aliado a outros seis traficantes para obter vantagem ilícita no comércio ilegal de entorpecentes. De acordo com denúncia encaminhada pelo MPCE ao Poder Judiciário do Ceará, os agentes podem ter cobrado entre R$ 400 e R$ 1 milhão a um suspeito de tráfico de drogas para livrá-lo da cadeia.
O documento, de 298 páginas, ao qual O POVO teve acesso,
ainda aponta a participação direta dos agentes da Polícia Civil do Ceará
(PC-CE) em crimes como tortura, extorsão, peculato, denunciação caluniosa,
falsidade ideológica, falso testemunho e favorecimento pessoal. Diante dos
indícios apresentados pelo órgão, a Justiça acatou parcialmente a denúncia, e
determinou o afastamento de todos os acusados de suas funções públicas. Eles
também serão obrigados a usar tornozeleira eletrônica e terão seus sigilos
bancário e fiscal quebrados para o aprofundamento das investigações.
Segundo o promotor de Justiça Adriano Saraiva,
um dos responsáveis pela denúncia enviada ao Judiciário, os agentes envolvidos
no esquema atuavam dentro da Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (Denarc),
departamento vinculado à PC-CE que tem como principal objetivo o combate à
venda ilegal de entorpecentes. “Descobrimos, nas investigações, que existia uma
organização criminosa formada por policiais, delegadas e informantes
[traficantes] instalada dentro da própria Delegacia de Combate ao Tráfico de
Drogas”, frisou o promotor.
Ainda de acordo com Saraiva, a quadrilha era
dividida em três núcleos: o das das delegadas – cujo objetivo, segundo ele, era
a promoção pessoal das profissionais, por meio de abordagens fraudadas e falsas
apreensões de drogas – o dos inspetores, que executavam as abordagens, e o dos
informantes (traficantes), que era remunerado por fornecer informações que
facilitassem a extorsão de grupos criminosos rivais. “Eles [agentes da PC-CE]
procuravam um traficante que era desafeto de outro, com potencial de apreender
muita droga, e esse traficante do grupo rival era abordado, o entorpecente era
apreendido e muitas vezes se negociava a liberdade desse traficante preso em
troca de dinheiro”, explica o promotor, acrescentando que, em alguns casos, os
traficantes extorquidos também passavam a colaborar com a organização
criminosa.
Com base em informações fornecidas por
traficantes, os agentes realizavam apreensões de grandes quantidades de drogas,
mas retiam parte do material para posteriormente introduzi-lo no comércio
ilegal de entorpecentes. “Os policiais, muitas vezes, faziam uma apreensão de
uma quantidade ‘x’ de drogas, colocavam no inquérito uma quantidade bem menor e
ficava com a outra parte. Esse mesmo entorpecente voltava para o mercado
ilícito. Eles eram encarregados de combater o tráfico de drogas, mas na verdade
estavam exercendo o tráfico, através da revenda dessa droga”, explicou o
promotor Patrick Oliveira, também responsável pela denúncia apresentada à
Justiça.
Participação
das delegadas
O documento do MPCE afirma que a delegada
Patrícia Bezerra, uma das acusadas de chefiar o grupo criminoso, atuava como
“embaraçadora” de investigações relacionadas a traficantes. Ela tinha como
‘braço direito’ a também delegada Cláudia Nery, que de acordo com a denúncia
agia diretamente para proteger integrantes de organizações criminosas.
Segundo o promotor Rinaldo Janja, coordenador
do Gaeco, os ilícitos teriam ocorrido entre 2016 e 2018. As suspeitas começaram
a ser apuradas no ano seguinte, a partir de dados obtidos nos celulares dos
investigados, depois de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal no
âmbito da Operação “Vereda Sombria”, que mirava suposta ligação entre
traficantes e agentes da Polícia Civil do Ceará. Por envolver agentes de órgão
estadual, o inquérito foi remetido para o MPCE, que desde então passou a
coordenar a força tarefa.
O órgão ministerial solicitou a prisão
preventiva dos 26 agentes da PC-CE e dos outros seis criminosos envolvidos no
esquema, mas não foi atendido pela Justiça.
Posicionamentos
Associação dos Delegados de Polícia do Ceará
(Adepol-CE) ainda não se manifestou pronunciamento a respeito do assunto
Já o Sindicato dos Policiais Civis do Estado
do Ceará (Sinpol), informou, por meio de sua assessoria jurídica, que parte dos
policiais citados na denúncia ainda aguardam notificação formal sobre o
acatamento da ação pela Justiça. “O Sindicato buscará garantir que todos os
direitos constitucionais dos policiais civis sejam resguardados, sobretudo o da
ampla defesa e do contraditório, bem como espera que os fatos sejam devidamente
esclarecidos no Poder Judiciário”, afirmou o advogado Kaio Castro, coordenador
jurídico da entidade.
A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos
de Segurança Pública do Ceará (CGD) disse, através de nota, que ainda não teve
acesso à denúncia apresentada pelo MPCE e que já solicitou ao órgão a íntegra
do documento para posterior análise e possível adoção de medidas na esfera
administrativa contra os investigados.
Colaborou Angélica Feitosa
Saiba
quem são os agentes da PC-CE investigados:
Anna Cláudia Nery da Silva – Delegada
Patrícia Bezerra de Souza Dias Branco –
Delegada
Anderson Rodrigues da Costa – Inspetor
André de Almeida Lubanco – Escrivão
Antônio Chaves Pinto Júnior – Inspetor
Antônio Henrique Gomes de Araújo – Inspetor
Antônio Márcio do Nascimento Maciel – Inspetor
Cristiano Soares Duarte – Inspetor
Edenias Silva da Costa Filho – Inspetor
Eliezer Moreira Batista – Inspetor
Fábio Oliveira Benevides – Inspetor
Fabrício Dantas Alexandre – Inspetor
Francisco Alex de Souza Sales – Inspetor
Gleidson Costa Ferreira – Inspetor
Harpley Ribeiro Maciel – Inspetor
Ivan Ferreira da Silva Júnior – Inspetor
João Filipe de Araújo – Ex-inspetor
José Airton Teles – Inspetor
José Amilton Pereira Monteiro – Inspetor
José Audízio Soares – Inspetor
Karlos Ribeiro Filho – Inspetor
Madson Natan Santos da Silva – Inspetor
Petrônio Jerônimo dos Santos – Inspetor
Rafael de Oliveira Domingues – Inspetor
Raimundo Nonato Nogueira Júnior – Inspetor
Walkey Augusto Cosmo dos Reis – Inspetor
Fonte: O POVO.
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