Motoristas de pelo menos quatro estados já estão pagando mais de R$ 7 pelo litro da gasolina comum. O valor mais alto, de acordo com levantamento da Agênca Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), foi registrado em Tocantins (R$ 7,36). Logo atrás aparecem o Rio Grande do Sul (R$ 7,18), Acre (R$ 7,13) e Rio de Janeiro (R$ 7,05). Mas os aumentos são generalizados em todo o país. Só em 2021, o preço da gasolina subiu 51%, em média.
O presidente Jair Bolsonaro
tenta terceirizar a culpa pela escalada dos preços. “A gasolina tá barata”,
chegou a dizer na última terça-feira (24). “O pessoal tem que entender a
composição do preço”, acrescentou. São reiteradas as declarações do ocupante do
Palácio do Planalto tentando responsabilizar os impostos estaduais, em especial
o ICMS, pela explosão dos preços.
Trata-se de mais um caso de
fake news presidencial. As alíquotas do ICMS variam de estado para estado. A
média nacional fica em 27,5% sobre o valor cobrado nas distribuidoras. Contudo,
não houve aumento desse percentual nos últimos anos que justifique a escalada
de preços. Em São Paulo, por exemplo, a alíquota do imposto, de 25%, é a mesma
desde 2015.
Composição do preço da gasolina
Além dos 27,5% do ICMS cobrado
pelos estados, o preço da gasolina é composto de 11,6% de tributos federais;
16,3% do custo de etanol anidro; 11% de lucro na distribuição e revenda, e 33%
da realização da Petrobras, que estabelece o custo da gasolina que sai das
refinarias. A grande variação ocorreu neste último. E decorre da política de
preços sendo adotada pela Petrobras a partir de outubro de 2016. Ainda durante
o governo Temer, o presidente da estatal à época, Pedro Parente, implementou o
chamado Preço de Paridade Internacional (PPI). Tais regras seguem valendo desde
então.
Na definição do PPI, a
principal baliza é o preço do petróleo no mercado internacional, cotado em
dólar, portanto. O barril do tipo Brent, utilizado como referência, subiu 37%
nesse ano. Soma-se a isso a desvalorização do real frente ao dólar. Na última quinta-feira
(26), a moeda americana fechou cotada em 5,25. No mês passado, a alta
registrada foi 4,76%. No primeiro semestre, houve leve queda, de – 4,13%. Em
2020, no entanto, o dólar teve alta acumulada de 29,36%. São, portanto, estas
as variações associadas que explicam a escalada dos combustíveis, em função da
dolarização dos preços.
“Não tivemos aumento dos
impostos nos últimos anos. Nem mesmo dos impostos estaduais, nem federais. Na
verdade o que temos são os fatores ligados à política de preços implementada
por Temer e mantida pelo governo Bolsonaro”, disse o coordenador-geral da FUP,
Deyvid Bacelar ao repórter Jô Miyagui, em reportagem para o Seu Jornal, da TVT.
Tá caro, e pode piorar
O propósito principal do PPI é
garantir a lucratividade dos investidores da Petrobras. E vem cumprindo à risca
a sua função. O lucro líquido registrado pela empresa no segundo trimestre foi
de R$ 42,9 bilhões. No início do mês, a estatal anunciou, inclusive, o
pagamento antecipado de R$ 31,6 bi em dividendos a seus acionistas, relativo ao
exercício deste ano. Deste montante, R$ 12,8 bi ficaram na mão de investidores
estrangeiros, que detêm mais de 40% do capital da Petrobras. Os acionistas
privados brasileiros ficaram com R$ 7,7 bilhões. O restante (R$ 11,6 bi) foi
direcionado ao caixa do governo federal e ao BNDES.
Para a economista-chefe do
Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Juliane
Furno, o PPI é o principal fator que explica o aumento dos combustíveis. Ela
prevê que os preços podem continuar subindo. Isso porque, com a gradual
retomada das atividades nos países desenvolvidos, que estão reabrindo a
economia após o avanço da vacinação contra a covid-19, a demanda mundial por petróleo
deve se elevar. Já em relação ao dólar, ela aposta numa eventual recuo da moeda
americana, em função da retomada dos fluxos de investimentos internacionais.
“Trocando em miúdos, mesmo que
o dólar ceda, a gente vai continuar pagando muito caro no combustível. A
tendência é que o preço do barril de petróleo ainda não tenha atingido o seu
clímax, e ainda pode subir com a retomada das atividades econômicas”, aponta
Juliane.
Tributação
Por outro lado, além de afastar
qualquer relação do ICMS com a escalada do preço da gasolina nas bombas, a
economista chama a atenção para a importância do tributo estadual. Com a queda
das atividades econômicas, em geral, por conta do descontrole da pandemia, as
receitas tributárias oriundas dos combustíveis ganharam ainda maior relevância.
Ela destaca que é a arrecadação do ICMS, em grande parte, que garante a
manutenção dos serviços públicos estaduais, como saúde, educação e segurança,
utilizada inclusive para arcar com os salários de médicos, professores e
policiais.
Nesse sentido, ela também
afirma que não faz sentido exigir que os governadores sacrifiquem as
arrecadações estaduais. A principal diferença, segundo ela, é que os estados
têm capacidade de endividamento muito limitada, ao contrário do governo
federal. Este, sim, teria condições de arcar com políticas de desoneração
fiscal ou, ainda, lançar mão de outros instrumentos (como a emissão de títulos)
para eventualmente gastar mais do que arrecada.
Alternativas
Além disso, Juliane também
acredita que não só é possível, como também viável abandonar o PPI. Ela lembra
que, antes de 2016, a política preços adotada pela Petrobras levava em
consideração os valores internacionais, mas, mais do que isso, era baseada na
internalização (e não internacionalização) dos custos de produção do petróleo e
seus derivados.
“Mais significativos eram os
custos de internalização, os custos de produção e de refino, que são dados em
reais. Portanto, não precisaria acompanhar a precificação internacional, nem
converter isso pela taxa de câmbio. É possível, sim, uma nova política de
preços, mesmo mantendo a Petrobras com controle acionário privado”, disse.
Ela diz que as ações da
Petrobras deveriam “precificar” os riscos inerentes a uma estatal. As funções
da empresa, segundo ela, vão muito além do que apenas garantir vultosos lucros
aos seus acionistas. A estatal deve orientar sua atuação no sentido de garantir
a soberania energética, oferecendo combustíveis a preços justos, o que é
fundamental para o desenvolvimento do país. Mas, para isso, será necessário
enfrentar os interesses dos investidores, que teriam suas margens de lucro
reduzidas no curto prazo.
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Com informações da RBA.
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