Imaginem um peixe nadando tranquilamente em uma represa quando, de repente, é sugado pelo duto que leva até a turbina de uma usina hidrelétrica. E, em questão de segundos, ele é arremessado para o outro lado da barragem. Nesse transporte, seu organismo será gravemente afetado.
Estudos indicam que um total de 128 mil quilos de peixes já foram mortos, com ocorrências em todas as bacias hidrográficas do país. No entanto, esse número pode estar muito abaixo do que realmente ocorre.
Usina Hidrelétrica Belo Monte, construída em Vitória do Xingu, no Pará | Divulgação/Norte Energia
"Isso acontece em menos de um segundo. Quando
ele passa pelas pás [da turbina], sofre a descompressão: o ar de sua bexiga
natatória se expande muito velozmente, muitas vezes dobrando, triplicando o
tamanho. Essa bexiga se expande e empurra tudo o que está à volta, chegando a
romper órgãos", explica o biólogo Andrey Leonardo Fagundes de Castro, da
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
"Acontece muitas vezes do estômago sair para
fora da boca, o intestino para fora do ânus, o olho pular para fora da cavidade
ótica… Hemorragia em todas as partes do corpo. É uma questão muito séria",
descreve o especialista.
Nos últimos anos, foram registrados uma série de
morte desses animais em regiões de usinas hidrelétricas do país e isso intrigou
os cientistas. A Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e
pesquisadores da UFSJ, e do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETHZ),
na Suíça, e da Universidade de Southampton, na Grã-Bretanha, mapearam as
notificações de cardumes mortos nos últimos dez anos no Brasil em decorrência
de operações de usinas hidrelétricas.
De acordo com os pesquisadores, um total de 128 mil
quilos de peixes foram mortos, com ocorrências em todas as bacias hidrográficas
do país. No entanto, esse número pode estar muito abaixo do que realmente
ocorre. Para os biólogos, embora só a morte de grandes grupos de peixes
simultaneamente mereça registro, é provável que peixes estejam morrendo, um a
um, de forma constante, pela operação das usinas.
Ainda segundo os especialistas, muitos peixes não
morrem instantaneamente quando passam pelas turbinas, mas ficam com suas
estruturas corporais gravemente comprometidas.
"Um exemplo são os gases. Quando há uma
descompressão, há a formação de bolhas no sangue, o que a gente chama de
embolia. Isso vai ficar no sangue e causar problemas", enumera Castro. Ele
também atenta que os danos nos órgãos podem não matar na hora, mas impedir que
o bicho tenha uma vida normal, tornando-o mais vulnerável a predadores.
No laboratório
Para avaliar os efeitos desse tipo de variação de
pressão no organismo desses animais, os cientistas utilizam uma câmara, em
laboratório, capaz de simular situações hiper e hipobáricas.
"Basicamente, o que fazemos é colocar o peixe,
aumentar a pressão gradativamente, simulando a profundidade que ele estaria
quando captado pelo duto de sucção que leva até a turbina. Ali ele fica
aclimatado. Então diminuímos a pressão rapidamente, simulando a passagem pela
turbina", explica Castro.
Em seguida, eles retiram o peixe da câmara e
avaliam os efeitos. "Se ele não morrer, o anestesiamos, fazemos a
eutanásia e imediatamente realizamos a autópsia. O propósito é analisar quais
são os diferentes danos e lesões encontrados no peixe."
Na pesquisa, os cientistas constataram que espécies
tropicais são mais suscetíveis aos traumas, se comparadas às de clima
temperado. "Isso foi uma conclusão bem evidente de nosso trabalho.
Aparentemente, há bichos mais suscetíveis a problemas de variação de
pressão", comenta o bioengenheiro e zoólogo Luiz Gustavo Martins da Silva,
especialista em ictiofauna e pesquisador na ETHZ.
Com informações CNN BRASIL
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