Sobreviver com R$ 89,00 por mês. Condição extrema que no Ceará, segundo registros do Cadastro Único, mecanismo do Governo Federal, era a realidade de 3.068.443 de pessoas em outubro de 2020.
Os dados são os mais atualizados disponíveis pelo Ministério da
Cidadania. Conforme a pasta, no Ceará, 5.121.972 pessoas vivem em situação de
pobreza e extrema pobreza, pois as famílias têm renda de até meio salário
mínimo por pessoa ou até 3 salários mínimos de renda mensal total.
O Cadastro Único, mecanismo do Governo Federal de acesso a programas
sociais para a população vulnerável, reúne um conjunto de informações sobre a condição
dos indivíduos e das famílias brasileiras. No primeiro ano da pandemia, a
situação de pobreza avançou. No Ceará, o total de famílias registradas no
Cadastro Único em outubro do ano passado – 1.891.694 – , foi o maior número
desde dezembro de 2014, quando 1.882.907 grupos familiares estavam em condição
de baixa renda e miséria.
No Estado, a população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) para o ano passado era de 9.187.103.
Assim sendo, o total de pessoas no Cadastro Único em situação de pobreza
ou extrema pobreza representava 55,75% da população. Já aqueles em condição de
miséria, cuja renda é de somente R$ 89,00 mensais, representam 33% do total de
habitantes estimados pelo IBGE.
Por meio do sistema do Cadastro Único, o Governo Federal e,
consequentemente, os estaduais e municipais, têm conhecimento sobre quem e
quantas são as pessoas que estão na pobreza e extrema pobreza no Brasil. A
partir dos dados é possível projetar e executar políticas de assistência
social, incluindo as ações de transferência de renda.
O programa social mais conhecido que utiliza o Cadastro Único é o Bolsa
Família. Mas, durante a pandemia foi esse sistema que norteou a
disponibilização do auxílio emergencial.
Em Fortaleza, a autônoma Elizabeth da Silva Lorenço, moradora do bairro
Alto da Balança, está registrada no Cadastro Único e ressalta as limitações
vivenciadas na pandemia devido à falta de renda.
No dia a dia, explica, vende roupas usadas em uma feira de rua na
Aerolândia, enquanto o marido trabalha com o comércio de frutas nos semáforos
da região e, segundo ela, recebe cerca de R$ 200 a 300 por mês. Além de
informais, as duas rendas são baixas.
A casa de Elizabeth é um vão, no qual o único compartimento
separado é o banheiro. Na residência, vivem, além do casal, dois filhos
adolescentes, estudantes de escolas públicas.
“Na pandemia, eu fiquei sem trabalho porque não tinha feira e meu marido
ficou em casa também porque não podia vender no sinal. Ficou muito apertado.
Depois voltamos a trabalhar, mas sem o auxílio é muito complicado”, conta.
O registro da condição de vida via sistema do Cadastro Único faz com que
a parcela pobre da população possa ter acesso a direitos como moradia,
alimentação, educação e renda. Nos municípios para se cadastrar é preciso
buscar os Centros de Referência da Assistência Social (Cras).
“Cada município tem um Cras. Quando tem esse nível de pobreza, eles
procuram o Cras, que faz o cadastro e remete [a nós]. Ao mesmo tempo,
quando há violação de direitos, eles vão até o Crea, que também nos remetem, e
a gente vai catalogando tudo isso”, detalha Socorro França, titular da
Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania Mulheres e Direitos Humanos
(SPS) no Ceará.
A secretária defende que o assistencialismo seja aliado a ações e
programas voltados à capacitação e geração de oportunidades para a parcela da
população que se encontra em situação de vulnerabilidade.
Com a crise sanitária, foi preciso tomar medidas extras para reduzir os
efeitos da paralisação de atividades. A titular da SPS enfatiza as ações de
distribuição de alimentos, máscaras e materiais de higiene, promovidas pelo Governo
do Estado. Ela garante que a gestão está se organizando para que possa não só
atender de imediato, mas também oferecer novas oportunidades às pessoas em
situação de vulnerabilidade.
“Nós olhamos muito para os focos principais, Educação, Saúde e Segurança,
que são essenciais, mas poderia ser colocar nesse mesmo patamar a assistência
social. Porque nós temos uma população pobre, IDH abaixo, uma população que
continua ainda sofrendo, e chegou uma pandemia que ninguém esperava, provocou
mudanças muito drásticas, e a gente precisa estar atento à assistência social”,
destaca.
Análise
A extrema pobreza, tão expressiva na Região Nordeste, permeia a realidade
de quem vive no campo e na cidade. Todavia, nos centros urbanos, a miséria
ocupa o mesmo território da extrema violência.
São duas facetas da mesma vivência social que impõem uma dura realidade
e encerra qualquer expectativa de superação desse cenário de marginalização e
desigualdade social.
Se a miséria não pode ser considerada condição factual para a violência,
sua causa não deita raízes apenas na instância moral do ser humano.
É bom lembrar que o desemprego, as situações precárias de trabalho e de
miséria atingem principalmente as mulheres, sobretudo as pretas e pardas, em
grande parte, responsáveis pelo sustento da família nessas comunidades. Muito
cedo elas veem seus filhos encarcerados ou mortos.
Os que sobrevivem reproduzem o contexto de miséria ao não alcançarem
níveis desejáveis de educação e ocuparem postos de trabalho informais e
precários, com renda muito aquém à necessária para uma vida de qualidade.
Isso quando não são arregimentados, ainda na adolescência, à associação
ao tráfico de drogas, em facções criminosas.
O pior erro é pensar que a solução está em ações repressivas que atuam
nos efeitos dessa realidade. As Políticas Públicas precisam ser pensadas e
aplicadas à base, atuando nas causas dessa condição social.
Só com políticas que reparem erros históricos; que assegurem Assistência
para quem dela necessite, com recurso suficiente a toda sua implementação; com
Educação de qualidade acessível a toda a população; com Sistema Público de
Saúde capaz de promover saúde integral ao cidadão; com geração de emprego e
renda que valorize a classe trabalhadora é possível superar a extrema miséria e
desigualdade social.
Foto: Natinho Rodrigues
Fonte: Diário do Nordeste
0 Comentários