Mônica Magalhães Rodrigues trabalha no cartório da cidade de Nova Russas, cidade do Sertão de Crateús. Ela é filiada ao Partido Social Democrático, o PSD, e iria concorrer às eleições de 2020 ao cargo de vereadora. Contudo, no dia 30 de setembro, ela mesma apresentou termo de renúncia à Justiça eleitoral afirmando que não tinha interesse em assumir o mandato.
A mulher disse que, antes do envio do registro de candidatura, informou ao partido que “não possuía mais interesse em concorrer ao referido cargo nas Eleições 2020”.
A não-candidata, porém, não foi atendida. Mesmo sob sua negativa, ela foi registrada e iria concorrer com o número 55890. Dias depois, após a manifestação de Mônica, a juíza Rafaela Benevides Caracas Pequeno, da 48ª Zona Eleitoral, decidiu sobre o caso e, embora a não-candidata tenha pedido renúncia, afirmou que o caso deve ser configurado como requerimento de registro desprovido de autorização. Segundo a magistrada, a candidatura dela foi usada como “mero instrumento para possibilitar as demais candidaturas masculinas”.
Isso porque o jogo eleitoral tem uma regra fundamental: cada partido precisa cumprir uma cota de candidaturas de gênero. O total de mulheres tem que ser, pelo menos, 30% da quantidade de candidatos postulantes aos mandatos pela legenda. Com isso, os recursos dos fundos partidários são garantidos à agremiação.
Embora as cotas de gênero existam há mais de dez anos, partidos e candidatos ainda promovem tentativas de fraude, segundo a Justiça, como sugere o caso de Nova Russas – a prática, entretanto, se repete em outros municípios. Esta, porém, será a primeira eleição com regras mais rigorosas, pois, em 2019, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolveu cassar mandatos por supostas candidaturas laranjas em suas coligações.
Ao todo, o PSD de Nova Russas tem 17 candidatos a vereador, dos quais cinco são mulheres para o pleito de 2020, exatamente 30%. Além do caso de Mônica Magalhães, as outras candidaturas femininas têm indícios de fraude na cota de gênero, uma vez que nenhuma está fazendo campanha para si; há duas irmãs concorrendo pelo mesmo partido para o mesmo posto; e uma candidata pede voto para um correligionário e ex-vereador do município.
Indícios
Embora
deixar de fazer campanha ou solicitar abertamente apoio a outro postulante não
seja crime, o especialista em Direito Eleitoral, Thiago Portela, considera que
eles são indícios fortes de candidaturas fictícias. “Todo aquele que manifesta
seu interesse em se candidatar, a gente pressupõe que vai, no mínimo, querer
participar de uma propaganda eleitoral e buscar voto para si. Os principais
indícios que a gente tem percebido nessas candidaturas laranjas são de pessoas
que ingressam, não pedem voto para si, às vezes nem mesmo seus familiares
votam, e exercem campanha massiva para outra pessoa”, explica.
A professora
de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado,
também avalia que o principal indício de fraude na cota de gênero é a ausência
de campanha efetiva.
“A mulher
registra, mas essa mulher não faz campanha, não tem movimentação financeira
compatível, e isso vai até as eleições”, exemplifica, ao pontuar que,
normalmente, essas candidaturas falsas recebem poucos votos.
Para o
promotor de Justiça Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional
Eleitoral (Caopel) do Ministério Público do Ceará (MPCE), além da questão da
ausência de campanha nos veículos de comunicação e nas ruas, “alguns partidos
lançaram candidatas que nem sequer eram filiadas ao partido político, o que
mostra que já eram candidaturas mortas desde o início, feitas para simular,
mostrar o faz de conta”, acrescenta Girão.
Neste caso,
Girão afirma que, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o simples pedido do
registro já dá à pessoa a condição de candidato. Enquanto houver possibilidade
de recursos, ele/ela - sendo falso ou não - tem o direito de receber recursos
do fundo partidário e aparecer no horário eleitoral gratuito. Os efeitos de uma
suposta fraude, porém, podem ser devastadores para uma agremiação.
“Se você
detecta que as candidaturas eram fictícias, a consequência é o indeferimento da
lista de todos os candidatos a vereador daquele partido”, explica o promotor de
Justiça. Segundo Raquel Machado, porém, a impugnação tem que ficar “muito
caracterizada”, e as ações têm que ser ajuizadas no período eleitoral, até o
período depois da diplomação dos vencedores. “Se houver suspeita de fraude, tem
que fazer logo, mas dificilmente dará tempo de ser julgada até as eleições”,
diz.
As
candidatas
Em Nova
Russas, pelo menos quatro das cinco atuais candidatas à vereança pelo PSD não
fazem campanha nas redes sociais. A postulante Maria de Fátima de Sousa Frota,
por exemplo, publicou no dia 2 de outubro em uma rede social que decidiu junto
aos filhos “não concorrer nesse ano de 2020”. No entanto, ela vai aparecer na
célula de votação porque a sua candidatura foi confirmada pela Justiça
Eleitoral. Além disso, ela não faz campanha para si, apenas para o candidato a
prefeito da coligação do partido dela.
Embora as
redes sociais da candidata Maria Martins Bezerra de Carvalho não tenham sido
encontradas, ela respondeu por telefone que a campanha está “indo bem”, mas
afirmou que há um problema: “é porque minha nora ganhou um neném e, você sabe,
quando ganha um neném, a gente se preocupa e quer dar um apoio. Aí, no momento,
estou um pouco parada porque tem que dar apoio”.
A candidata
Lara Souto Maior de Moura não esconde a preferência nas redes sociais. Ela
votará no correligionário José Roberto Alves da Costa, o Zé Roberto - embora
ele seja um dos concorrentes no pleito. Ela não faz campanha nenhuma para si,
nem o número é divulgado, embora publique regularmente sobre política. Zé
Roberto já foi condenado por organização criminosa e, em 2017, precisou sair da
cadeia para ser empossado na Câmara Municipal. Após a posse, voltou ao
presídio.
Quem também
não faz campanha nas redes sociais é a candidata Maria Samara de Sousa Jovita.
Ela não publica sobre política e não dá indicativos de que sequer tenta chegar
à Câmara Municipal.
Samara
também se candidatou em 2016 ao mandato de vereadora da cidade, mas nem ela
votou em si mesma. Já a irmã, Silvanira de Sousa Jovita recebeu 45 votos
naquele pleito. Neste ano, entrou em substituição à candidatura de Mônica
Magalhães.
No entanto,
Silvanira também não trabalha a divulgação da candidatura nas redes sociais.
Ela prefere divulgar seu empreendimento, o Silvia Lanches, que fica no bairro
Parque Dois Irmãos, em Fortaleza.
No pedido de
registro de candidatura dela, inclusive, o e-mail que aparece como contato é o
do presidente afastado do partido, Marcos Alberto Martins Torres. Ele é
ex-prefeito do município e já foi preso por improbidade administrativa.
Redes
sociais
Para os
especialistas entrevistados pelo Diário do Nordeste, é estranho não haver
candidaturas usufruindo das redes sociais, especialmente no contexto da
pandemia de Covid-19, a qual prevê maior afastamento entre o eleitor e o
postulante.
“Eu acho que
não existe um candidato nessas eleições que não tenha redes sociais. Pode ser
que não saiba usar, e é importante olhar isso”, opina Raquel Machado. Da mesma
forma, acredita Emmanuel Girão: “acho que, nos dias de hoje, não tem ninguém
que deixe de se manifestar em rede social”, diz.
Para Thiago
Portela, a grande maioria tem encampado o meio digital para pedir votos. “As
estatísticas demonstram que a presença nas mídias sociais é enorme, é comum que
seja utilizado esse recurso. Mas talvez o candidato opte por não explorar essa
vertente, talvez em alguns locais a população acessa mais o instagram, outros o
facebook e talvez em algumas localidades o percentual de acesso a redes sociais
seja baixo”, sugere.
Os
dirigentes
Nos
registros de quatro das mulheres candidatas pelo PSD em Nova Russas, constam os
contatos do presidente em exercício do partido, Francisco Quirino dos Santos, o
Chaguinha. Ele é ex-secretário de saúde do município.
Nos
documentos, o telefone celular acrescentado para contato é de propriedade de
Chaguinha; já o telefone fixo é de uma farmácia, que fica no Centro da cidade e
da qual ele é sócio-administrador. Por telefone, ele disse que é presidente do
partido há pouco tempo e preferiu não comentar nada.
Poucas horas
após o contato com Chaguinha, o ex-prefeito e dirigente afastado do PSD, Marcos
Alberto Martins Torres, ligou para a reportagem e sugeriu que a investigação
era feita por interesses políticos.
A
reportagem, no entanto, se baseia em decisão da Justiça, que afirma que “o caso
em tela trata-se, verdadeiramente, de Requerimento de Registro de Candidatura
desprovido de autorização. Em vez de promover a participação da mulher na
política, a candidatura feminina em questão foi utilizada como mero instrumento
para possibilitar as demais candidaturas masculinas, a fim de atender o
preenchimento da cota de gênero”.
Na ligação,
Marcos Alberto disse não entender o porquê dos questionamentos relacionados à
candidatura de Mônica Magalhães e ressaltou que “ela foi ser candidata,
entregou toda a documentação pra ser candidata e depois renunciou”.
A direção
estadual do PSD informou, em nota, que “tem como princípio basilar o fomento à
participação feminina na política”.
Segundo o
diretório, “a formação das chapas de vereadores(as) são de responsabilidade
partidária municipal”, por isso, “aguarda democraticamente a deliberação
definitiva da justiça Eleitoral para, se for o caso, adotar as medidas internas
cabíveis”.
Indícios de
fraude também ocorrem em Martinópole
Na cidade de
Martinópole há outra situação que aponta para indícios de fraude nas
candidaturas, sem necessariamente estar vinculada à cota feminina. Das quatro
candidaturas do partido Rede Sustentabilidade, três apresentaram problemas
durante a análise do Ministério Público Eleitoral. A foto que ficaria na urna
relativa a cada um dos três candidatos “aparentemente foi obtida a partir de
imagem disponível na internet”, escreveu a promotoria.
Tendo em
vista esta informação, o MP pediu diligências e intimou o partido para
apresentar o documento de requisição de candidatura assinado pelo próprio e uma
declaração de autorização da utilização da fotografia em até três dias. O tempo
passou, mas nenhum dos três postulantes enviou foto ou manifestação à Justiça
Eleitoral. O órgão ministerial pediu que as candidaturas não fossem
reconhecidas e o juízo concordou.
O único que
não teve o pedido barrado, o candidato Joe Hallyson Aguiar Silva, que é
presidente municipal do partido, apresentou renúncia em 4 de outubro para não
concorrer mais neste pleito. Três dias antes, a coligação opositora pediu a
impugnação do pedido dele argumentando que se tratava de uma candidatura
fictícia e que “não obedece à legislação eleitoral”. Os opositores defenderam
que Joe não fazia campanha e nem sequer possuía material de campanha.
Segundo o
pedido de impugnação, a indicação decorria da união estável que ele tem com uma
vereadora de Martinópole, que busca a reeleição. Segundo o texto, “Não haverá
competição entre os impugnado e sua companheira/esposa que disputa a reeleição,
o que fere o caráter democráco da disputa”.
Joe
Hallyson, por outro lado, contesta as denúncias. Segundo ele, o pedido de
renúncia foi apresentado para respeitar a cota de gênero. “Tinha que ter tido
uma renúncia de um homem porque foi feito um cálculo errado, aí seriam três
candidatos homens e uma mulher”. Já com relação às imagens dos candidatos, ele
ressaltou que enviou as imagens por email e não reconhece o não reconhecimento
das candidaturas dado pela Justiça Eleitoral no dia 20 de outubro. O Diário do
Nordeste tentou contato com o diretório estadual da Rede Sustentabilidade, mas
não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
Afastamento
Em setembro
deste ano, a Justiça Eleitoral determinou que o ex-prefeito de Nova Russas e
então presidente municipal do PSD na cidade, Marcos Alberto Martins Torres ,
fosse afastado da direção por falsificar e alterar documentos particulares para
fins eleitorais.
A denúncia
Segundo o
MPCE, como presidente da legenda, Marcos Alberto efetuou a filiação partidária
de Antônio Paulo Gomes sem o consentimento dele, de maneira fraudulenta. Ele
teria apresentado ficha de inscrição com assinatura falsa em nome de Antônio
Paulo.
Medidas
cautelares
Desta forma,
a Justiça Eleitoral determinou que Marcos Alberto cumprisse medidas cautelares,
como o comparecimento mensal em juízo; a proibição de ausentar-se do Estado do
Ceará, a suspensão do exercício da função de presidente e de qualquer outra
função executiva do Diretório Municipal do PSD de Nova Russas; e o não
envolvimento na prática de novas infrações penais.
DN
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