O decreto 10.530, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na última segunda-feira (26) foi revogado nesta quarta-feira (28). Bolsonaro usou uma rede social para dizer que o decreto não sinalizava a “privatização do SUS”, como foi interpretado por juristas, políticos, profissionais de saúde e membros da sociedade civil. Essa não é a primeira vez que o Governo de Bolsonaro retrocede após pressão popular e nem que diz que houve um “entendimento incorreto” de suas ações.
Thiago
Campos, advogado e especialista em Gestão de Saúde Pública, explicou o decreto
e evidenciou que a ação trata-se de um começo para a privatização do Sistema
Único de Saúde (SUS).
“O
decreto impactava na qualificação da política de fomento ao setor de atenção
primária à saúde no âmbito do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) da
Presidência da República. Trata-se, escancaradamente de uma privatização do
Sistema Único de Saúde. A preocupação efetiva é porque a atenção básica é
ordenadora do cuidado e como ordenadora do cuidado exerce o papel de regulação
do sistema. A atividade de regulação exercida pelo poder público não é
delegável. Não poderia ser delegada a um terceiro. É a primeira vez que a gente
vê o movimento efetivo de fazer isso”, aponta o advogado.
O SUS
é um pacto social construído para assegurar o direito constitucional de acesso
à Saúde. Outra questão que o decreto traz é o tratamento da Saúde como um
comércio por parte da atual gestão de Bolsonaro. O advogado Thiago Campos
avalia, de forma preocupada, o Estado pensar nesse processo de parceria para a
Saúde.
“Talvez
o mais preocupante seja que essas entidades firmariam termos de parceria para
fins de operar aquele equipamento, prestando por ela, ou por trabalhadores
vinculados a essa entidade privada, serviços à população. A Parceria Público
Privada [PPP] é uma concessão patrocinada, é preciso ter uma receita, se o
Sistema Único de Saúde é constitucionalmente definido como um sistema gratuito,
quem vai pagar essa conta a esse investidor privado, que vai fazer esse
investimento, que vai modernizar e operar essas unidades básicas de saúde? Esse
modelo, para mim, tem claramente uma inconstitucionalidade. Tem evidentemente uma
ilegalidade. Fere as próprias diretrizes organizativas do Sistema Único de
Saúde. Lembrando que as PPPs são concessões e como tal precisam ter retorno
financeiro para aquele que vai investir. Elas são instrumentos de viabilizar
investimentos privados quando o Estado não possui recursos para fazer. Esses
recursos ela vai tirar ao longo do período que tiver a concessão, mediante
recebimento de uma receita pública ou de cobrança para a população privada”,
aponta o advogado, Thiago Campos.
Mais
de 150 milhões de pessoas dependem exclusivamente dos serviços públicos para
tratamento, ou seja, a cada 10 brasileiros, 7 dependem do SUS. O levantamento
consta na Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada hoje pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), com dados referentes ao ano de 2019. O
especialista Thiago Campos ainda alerta sobre o impacto que essa mobilização
poderia causar caso seguisse.
“Sempre
advogamos a tese de que enquanto ordenadora do cuidado ser ela que estabelece e
que consegue avaliar as necessidades de saúde da população, que está distinta
àquele território, conhece as necessidades de saúde daquele conjunto pessoas
que moram naquele território. Ela exerce um papel importantíssimo dentro do
sistema, orientando de que modo deve se organizar os demais pontos de atenção,
de que modo a rede de atenção dever ser estruturada para atender aquelas
necessidades. Assim como a Vigilância Sanitária, assim como determinadas
atividades que tem o exercício do poder de polícia, elas não são delegáveis à
iniciativa privada”, completa Thiago Campos.
A
implantação de um decreto, com apenas dois artigos, aprovado Bolsonaro e Guedes
viabilizaria estudos para a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS).
Confira
o decreto publicado:
Presidente
da República, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos
IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 4º da
Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016, e na Resolução nº 95, de 19 de
novembro de 2019, do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da
Presidência da República,
Decreta:
Art.
1º Fica qualificada, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da
Presidência da República – PPI, a política de fomento ao setor de atenção
primária à saúde, para fins de elaboração de estudos de alternativas de
parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a
operação de Unidades Básicas de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.
Parágrafo
único. Os estudos de que trata o caput terão a finalidade inicial de
estruturação de projetos pilotos, cuja seleção será estabelecida em ato da
Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da
Economia.
Art.
2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
26 de outubro de 2020; 199º da Independência e 132º da República.
JAIR
MESSIAS BOLSONARO
Paulo
Guedes
Apesar
de tudo, Bolsonaro no Twitter fez uma postagem confirmando a revogação do
decreto e mantendo o discurso de quem “sinalizavam para a privatização do SUS”,
mesmo que o decreto avalie a parceria entre o setor público e privado.
Negros são maioria entre os usuários do SUS
Pesquisa aponta que 69% dos 17,3 milhões de usuários adultos
que procuraram algum serviço da Atenção Primária à Saúde (APS) do SUS, são
mulheres. Destas, 60,9% são negras, conforme revela o segundo volume da
Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), publicado neste mês pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
De forma geral, aproximadamente 80% dos negros (soma de pretos
e pardos) utilizam o SUS no Brasil e justamente essa também foi a população que
ficou mais vulnerável à doença, segundo levantamento Epicovid-19, coordenado
pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), em parceria com o Ministério da Saúde.
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Com
informações do Notícia Preta.
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