Na medida provisória que prorrogou o auxílio emergencial, o governo deu com uma mão e tirou com outra ao conceder mais quatro parcelas de R$ 300 até dezembro.
Não houve somente redução à
metade do valor mensal do socorro financeiro. As novas regras, mais restritivas,
farão com que até 6 milhões dos atuais beneficiários não recebam integralmente
a segunda rodada do benefício.
A economia estimada para o
governo será da ordem de R$ 5,7 bilhões por mês -R$ 22,8 bilhões no acumulado
até o fim do ano, segundo técnicos do Ministério da Economia. Eles pediram
anonimato para explicar os impactos da medida.
A nova regra de pagamento
determina que os pagamentos só serão feitos até o fim de dezembro. Não haverá,
portanto, dispêndios referentes a este ano em 2021.
Na primeira fase, o auxílio não
tinha "prazo de validade". Por isso, muitos ainda recebem parcelas em
atraso, situação que os técnicos chamam de empoçamento.
Ainda segundo eles, se essa regra
não tivesse sido alterada, os gastos mensais com o auxílio residual deveriam
ser de R$ 25,4 bilhões. Agora essa despesa será de até R$ 19,7 bilhões.
Para eles, essa situação só muda
se o governo regularizar imediatamente os pagamentos. Isso é considerado
improvável após cinco meses desde que os primeiros problemas de sistemas e de
incongruência de dados dos titulares foram detectados.
A reportagem enviou
questionamentos ao Ministério da Cidadania, responsável pelo controle dos
beneficiários.
Por meio de sua assessoria, a
pasta informou que houve redução de 921 mil inscritos por causa de fraudes ou
irregularidades no cadastro, uma recomendação da CGU (Controladoria-Geral da
União) e do TCU (Tribunal de Contas da União).
A pasta não informou os motivos
da exclusão dos demais 4,8 milhões de cadastrados nem explicou se esse contingente
só receberá parte das quatro parcelas residuais do auxílio.
Os técnicos da Economia afirmam
que haverá uma redução de valores para aqueles que se inscreveram mais tarde.
Para eles, quem se cadastrou em
julho, último prazo definido na MP, só deverá receber a primeira parcela da
segunda rodada em dezembro. Ou seja: perderia três parcelas.
A primeira parcela do auxílio foi
paga em abril e a última, em agosto. Mas nem todos os beneficiários receberam
em dia.
Os dados divulgados pelo
Ministério da Cidadania estão defasados.
Pelo site, houve liberação de R$
176,6 bilhões em crédito até o fim de agosto para 66,7 milhões de inscritos. No
entanto, são 67,2 milhões os elegíveis. A diferença (500 mil) aguarda análise
de documentos.
O governo, no entanto, anunciou
um gasto de R$ 254,2 bilhões com o auxílio até o momento.
Além de travar o pagamento até
dezembro, o governo também reduziu para duas cotas por família o valor do
benefício. Antes eram três.
Cadastrados do Bolsa Família, que
tiveram o benefício suspenso porque passaram a receber o auxílio emergencial
(de maior valor), agora voltam a receber pelo programa e serão compensados com
a diferença caso o auxílio seja maior que o Bolsa Família.
Somente com essa despesa, a
Cidadania estima que serão R$ 11,4 bilhões (de pagamentos previamente lançados
no Orçamento deste ano para o Bolsa Família) até o fim deste ano e uma
complementação de R$ 17,5 bilhões) -totalizando R$ 28,9 bilhões.
Com isso, o governo tenta evitar
o agravamento do cenário fiscal já bastante comprometido com os gastos para
tentar minimizar os efeitos da pandemia da Covid-19 na economia.
Sem recursos no caixa, o
Ministério da Economia pretendia que, nessa segunda fase, as parcelas fossem
menores, em torno de R$ 200.
Mas o presidente Jair Bolsonaro
(sem partido) não aceitou a proposta do ministro Paulo Guedes (Economia) e
pediu que essa ajuda chegasse, ao menos, a R$ 300 por mês até o fim do ano.
Pesquisa feita pelo Datafolha
mostrou que, por causa do auxílio, a popularidade do presidente está em alta, especialmente
nas regiões mais pobres do país.
Entre junho e agosto, o total de
entrevistados que consideram seu governo bom ou ótimo passou de 32% para 37%.
Dentre os que consideram ruim ou péssimo, houve queda de 44% para 34% no mesmo
período.
Por isso, Guedes foi voto
vencido. O chefe da Economia, inicialmente, nem sequer cogitava renovar o
auxílio, diante do agravamento do cenário fiscal.
Apesar de haver imunidade
concedida pelo Congresso ao governo contra o estouro das metas de gastos neste
ano, a equipe econômica está preocupada com a forma com que esse aumento da
dívida pública será financiada.
O auxílio é a medida que mais
demanda recursos (R$ 321,8 bilhões) dentre as criadas pelo governo durante a
crise do coronavírus. Seu custo representa mais que o triplo do déficit
primário registrado pelo governo em 2019 (rombo de R$ 95 bilhões).
A MP com o auxílio residual de R$
300 foi publicada no dia 3 de setembro e tentou fechar algumas brechas que
permitiram, por exemplo, que presos e brasileiros residentes no exterior
recebessem a ajuda.
Essas e outras irregularidades
foram detectadas pela equipe de auditores do TCU que alertaram as autoridades
do Executivo sobre as fraudes. Houve até pagamentos a contas correntes de
pessoas falecidas.
Consultado, o Ministério da
Economia não quis comentar e encaminhou a demanda para o Ministério da
Cidadania, que não respondeu as questões específicas enviadas pela reportagem.
Por meio de sua assessoria, o
Cidadania disse que, "desde o início da operacionalização do auxílio, em
abril deste ano, adotou um modelo de governança que tem como compromisso
garantir a melhor aplicação dos recursos públicos e alcançar os cidadãos que se
enquadram nos critérios de elegibilidade".
Afirmou que essa atuação impactou
no índice de inconformidade (suspeitas de fraudes) do auxílio, que é de apenas
0,44%, segundo análise realizada pela CGU.
Também destacou que os pagamentos
do auxílio emergencial para o Bolsa Família, mensalmente, tem passado por
aprimoramentos no processo de verificação de elegibilidade.
"Além da inclusão de novas
bases de dados e da melhoria nos cruzamentos das informações, o trabalho também
conta com acordos de cooperação técnica celebrados entre o ministério e órgãos
de fiscalização e controle para a troca de informações, conhecimentos e bases
de dados", disse em nota.
A pasta afirmou que a suspensão
alcança diretamente os recursos relacionados ao auxílio emergencial e não se
aplica aos valores referentes ao Bolsa Família.
FOLHAPRESS
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