“Pensei em desistir porque faltam quatro meses para o ano acabar e não tenho como recuperar esse conteúdo. Está muito complicado entender alguma coisa que os professores passam e eu tenho acesso um pouco limitado por ter só um celular”. Os obstáculos para o estudante Geovane Rodrigues Xavier,19 anos, que cursa a 3ª série do ensino médio em escola pública na periferia de Fortaleza, são inúmeros.
Em 2018, no Ceará, a taxa total de abandono somando os alunos das escolas federais, estaduais e municipais, conforme o Inep, foi de 5,5% (José Leomar).
Casa lotada e sem estrutura para assistir às
aulas, dificuldade de concentração, acesso restrito à internet e falta de
estímulo. Geovane tenta persistir. Abandonar a escola, sabe ele, é um prejuízo.
Mas, diante de tantas dificuldades, essa possibilidade não deixa de o rodear. O
drama vivenciado agora pelo estudante é historicamente conhecido nas redes de
ensino. A pandemia o acentua.
O abandono escolar é entrave real e complexo
que, felizmente, nos últimos anos, vem sendo reduzido no Estado, mas diante da
crise sanitária a situação requer que as estratégias para combater esse gargalo
sejam redobradas. Nos dados sobre rendimento escolar disponibilizados pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
ainda não constam os índices de abandono em 2019.
Os de 2020 só ficarão disponíveis no próximo
ano. Mas em 2018, no Ceará, a taxa total de abandono somando os alunos das
escolas federais, estaduais e municipais, conforme o Inep, foi de 5,5%. Naquele
ano, o total de matrículas foi 1.631.877. Já em 2017, esse índice era maior,
com 7,1% dos alunos matriculados abandonando a escola. O total de matrículas em
todas as redes em 2017 foi de 1.647.033, segundo o Inep.
Mas, a situação do estudante Geovane Rodrigues,
não é isolada. Embora ainda não se tenha dados consolidados que evidenciem como
está a situação atual Estado, instituições que atuam, há anos, no combate a
este problema crônico na educação ponderam que são altos os riscos de
acentuação do abandono das escolas este ano. Entidades como a Campanha Nacional
pelo Direito à Educação e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
têm alertado sobre o assunto. Nesse cenário, Geovane divide a casa com outras cinco
pessoas.
A mãe, doméstica, conta ele, trabalha para
garantir o sustento dos cinco filhos. Desde criança, relata Geovane, a jornada
extensa faz com que ele tenha que passar pelos processos educacionais de modo
quase solitário. “Eu já repeti uma vez a 2ª série do ensino fundamental. Mas eu
nunca desisti, apesar de ter começado atrasado e ter muita dificuldade. Eu num
tive muito incentivo da família para estudar, pelo fato de minha mãe estar
direto trabalhando e não ter tempo para me dar uma atenção no estudo”, explica.
Dilemas
O estudante mora no bairro Bom Jardim. As aulas,
antes da pandemia, eram sempre pela manhã. Geovane conta que embora sempre
tenha enfrentado alguns dilemas para se manter na escola, as aulas presenciais
sempre o motivaram. “Na escola eu tinha atenção redobrada pelo fato de ter o
professor explicando”. Os rumos deste segundo semestre letivo, para ele, ainda
são incertos. Há uma vontade de continuar acompanhando para tentar o Enem, mas
também a sensação constante de parar este ano e quem sabe retomar no próximo.
O chefe do Escritório do Unicef no Ceará, Rui
Aguiar, explica que, desde 2017, o Unicef em parceria com a União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Colegiado Nacional de Gestores
Municipais de Assistência Social (Congemas), trabalha com a ferramenta Busca
Ativa Escolar, que é uma plataforma gratuita para ajudar os municípios a
combater, dentre outros, o abandono das escolas. No Ceará, 176 municípios do
interior do Estado estão cadastrados na plataforma. A tentativa é de resgatar
estudantes que tenham deixado as escolas entre os anos de 2017,2018 e 2019.
Neste ano, conta Rui, o Ceará atingiu a meta de
garantir que 20% das crianças e adolescentes que haviam deixado as escolas
nestes três anos, retornassem. Ao todo, 12.306 alunos voltaram às salas de aula
nas 176 cidades (o cálculo não inclui dados da Capital). A melhor forma de
combater o possível aumento do abandono, avalia Rui Aguiar, é monitorar a
situação desses alunos. Pois, nesta conta, 48 mil crianças que abandonam a
escola nessas cidades no período observado ainda não retornaram até o momento.
Rui também chama atenção para o fato de que na
metodologia da Busca Ativa, a cada três meses, o coordenador pedagógico da
escola tem que fazer uma observação na plataforma dizendo se o aluno está ou
não matriculado. Se o estudante continua indo à escola. Mas, conta Rui,
“durante esse período de pandemia, o que observamos é que essa parte não está
sendo colocada, ou seja, as crianças não estão sendo monitoradas. Então, nossa
grande preocupação é que não está acontecendo o monitoramento”.
Os alunos do 6º ao 9º ano são mais afetados pelo
movimento da evasão escolar, na percepção da presidente da Undime Ceará, Luíza
Aurélia Teixeira. Nessa faixa etária, como relata, as crianças com baixa renda
buscam atividades remuneradas para ajudar financeiramente em casa. “Alguns
problemas da educação pública foram evidenciados com a pandemia, como é o caso
do abandono e da evasão que a gente já convive e tenta combater”, destaca.
No contexto de ensino remoto, os esforços
envolvem os professores com a diversificação das metodologias, disponibilização
de material impresso para as famílias sem acesso à internet e contato direto.
Essa realidade, como reflete, está evidente em Crateús, no Sertão dos Inhamuns,
onde atua como secretária de educação. Mas outro aspecto é fundamental. “Nós
temos percebido o fortalecimento do vínculo com as famílias, tem sido uma das
coisas positivas da pandemia, essa aproximação com as escolas, e também o sentimento
de pertencimento no processo de ensino e aprendizagem do aluno, aspecto
esperado no contexto pós-coronavírus”.
Para o retorno ao ambiente já conhecido de
ensino ainda é necessário resolver os problemas estruturais também vivenciados
pelos estudantes, como atesta o presidente do Sindicato dos Professores e
Servidores da Educação Pública do Ceará (Apeoc), Reginaldo Pinheiro. “Tanto as
escolas particulares quanto o Poder Público devem garantir todo o apoio aos
profissionais da educação e os estudante para que se garante a efetividade do
direito à educação nesse período em que as aulas são remotas”. Ele indica
ajustes necessários para possibilitar ventilação, reformas em banheiros,
diminuição da quantidade de alunos por sala e ampliação dos espaços de convivência.
Questionada sobre um possível diagnóstico sobre
a atual situação de abandono escolar no Ceará e quantidade de estudantes que
podem ter deixado a escola no momento da pandemia, a Secretaria Estadual da
Educação (Seduc) disse apenas que a verificação da frequência e da aprendizagem
é feita por cada escola considerando o Plano de Estudo Domiciliar, e que “a
Seduc respeitou o período oficial de férias escolares e voltará a atualizar os
dados neste mês de agosto. Portanto, ainda não é possível confirmar esse número
agora”.
Atividades
Dentre as estratégias para tentar evitar o
abandono escolar na pandemia, a Seduc relata ter adotado, dentre outras ações:
atividades domiciliares em que cada escola organizou as aulas para os alunos,
em conjunto com seus coordenadores e professores e as “aulas chegam aos alunos
por meio de tecnologias, material impresso, rádio ou da TV Ceará (TVC) com
transmissão de aulas das diversas disciplinas”.
Já a Secretaria Municipal de Educação (SME)
destaca o último Censo Escolar com registro de redução em 93,8% do abandono no
ensino fundamental, entre os anos de 2008 e 2018, em Fortaleza. “Sendo
considerada a capital do Nordeste com maior redução na taxa. Em 2019, esse
índice de abandono foi de apenas 0,4%. Em 2018, o percentual foi de 0,6% e, em
2017, a taxa de abandono foi de 1,4%”.
Medidas como a utilização de um sistema próprio
de acompanhamento diário da frequência possibilitam o acompanhamento integral
dos estudantes. Os contatos são feitos por telefone com os responsáveis, ou diretamente
com alunos maiores de idade, envio de comunicado escrito e visita domiciliar.
Fonte:
Diário do Nordeste
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