Após ser destaque nacional na produção de algodão há cerca de três décadas, o Ceará viu suas plantações serem devastadas pela praga do bicudo, levando embora a fonte de renda de muito agricultores que tiveram que se adaptar a outros cultivos. Contudo, há pouco mais de dois anos o Governo do Ceará firmou uma parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Federal do Ceará (IFCE) para o desenvolvimento de sementes e uma metodologia que possa trazer de volta ao Estado o protagonismo na produção, além de dar mais sustentabilidade à cadeia têxtil cearense, um dos polos nacionais e que precisa adquirir fora de suas divisas a matéria-prima de seu negócio. Através do Programa de Implantação da Cultura do Algodão no Ceará, essa realidade parece estar mudando aos poucos. Há algumas semanas foi iniciada a colheita de milhares de hectares (ha) plantados em solo cearense, ainda pouco em relação à demanda das empresas locais, mas um alento para o futuro, visto o resultado nas lavouras. A expectativa do Estado é colher 3.500 ha este ano.
O crescimento de áreas plantadas com a cultura no Ceará tem sido relevante. Em 2019, o aumento superou em 80% o ano anterior. Mas além da quantidade, o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Programa de Implantação da Cultura do Algodão no Ceará tem ampliado também a produtividade por área, como explica o coordenador Euvaldo Bringel. “Ano passado chegamos a 1.800 kg por hectare e esse ano acho que vamos para uma produtividade média de 2.500 kg/ha. Acredito que em dez anos a gente volte a ter a nossa produtividade do passado. É importante que a gente continue com esse programa e a Aprece (Associação dos Municípios do Ceará) já se manifestou que quer levar para outras regiões. Nós queremos levar com o pacote controlado para que não volte a dar prejuízo. O governador Camilo Santana já garantiu que vai ampliar”, destacou Bringel.
O coordenador do
programa, que é tocado pela Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho
(Sedet), explica que o aumento da produção é fruto da utilização de tecnologia,
capacitação dos produtores, aproveitamento da infraestrutura de irrigação do
Estado e parcerias. “São várias regiões no Ceará que a gente tem condições de
plantar algodão em larga escala com altíssima produtividade. Dentro desse
pacote a gente fez parceria com as empresas para garantir a compra do algodão.
Articulamos a cadeia de compra, de máquinas colheitadeiras, de insumos. A gente
está dando todo o apoio para o agricultor produzir. Estamos organizando o negócio
e abrindo caminhos”, enfatizou.
Condições favoráveis
O Ceará possui um
conjunto de características naturais que o credencia a voltar a ser um grande
produtor de algodão se aliado à tecnologia. Nessas primeiras colheitas, o novo
produto cearense está apresentando um custo de produção menor que o produzido
em outras áreas do País – entre 30% e 50%. “O Ceará já foi o maior
produtor do Nordeste de algodão e o terceiro maior do Brasil. Nos anos 1980,
antes do bicudo, a gente chegou a plantar cerca de 1,2 milhão de hectares.
Muitas pessoas no Ceará viviam do algodão. Existem estudos já bem sedimentados
de que o sol no Ceará produz o melhor algodão do Brasil, com fibras longas, a
planta vegeta muito bem com a insolação, então nós temos condições
edafoclimáticas (relacionadas ao solo e clima) fantásticas para a questão do
algodão”, comentou Euvaldo Bringel.
Além do ganho
qualitativo com as novas sementes desenvolvidas pela Embrapa, o protocolo de
manejo da cultura tem ajudado a reduzir o custo da plantação e controlar
pragas. No Ceará foi implementado um vazio sanitário entre os meses de outubro
e dezembro, nos quais o agricultor é obrigado a limpar a terra de qualquer
presença de algodão, fazendo assim com que o bicudo não tenha com o que se
alimentar e consequentemente diminua sua capacidade de reprodução. Em outros
estados brasileiros esse hiato é somente de dois meses.
Essa diferença de um mês
a mais no Ceará tem refletido na quantidade de defensivos agrícolas utilizados
na lavoura, o que acaba por diminuir o investimento e aumentar o uso
sustentável da terra. A expectativa é que, em um futuro breve, o Ceará possa
estar produzindo 4 mil kg de algodão por hectare em média. Atualmente, o Estado
já registra áreas plantadas no Vale do Jaguaribe, Cariri e Sertão Central. Para
o ano que vem a ideia é ampliar para o Centro Sul e os Inhamuns.
Alternativa para
produzir em meio à seca
Por ser bem adaptada à
nossa realidade climática, com precipitações chuvosas irregulares no decorrer
dos anos, a produção de algodão, seguindo os protocolos estabelecidos no
Programa de Implantação da Cultura, tem sido vista por agricultores como um
produto confiável. Em Limoeiro do Norte, a Federação das Associações do
Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi (Fapija) apostou no novo algodão e já está
colhendo os 260 hectares plantados por seus associados. Raimundo César,
presidente da Fapija, comenta que os 324 agricultores que compõem a entidade
sofreram bastante com os recentes seis anos de estiagem no Ceará, mas que hoje
estão confiantes que com o algodão isso será diferente.
“Começamos a plantar o
algodão esse ano, que nos mostrou que é uma saída para voltar a produzir.
Começamos aos poucos, ainda tem muita área. Para 2021 a gente espera plantar
dois mil a três mil hectares só aqui no projeto. O Ceará por ser seco a saída é
o algodão. Estamos esperando de 4 mil a 5 mil kg por hectare, então é uma
produção excelente”, comemorou Raimundo César. Com o trabalho feito pelo
Programa de Implantação da Cultura do Algodão no Ceará, de ligar os produtores
às empresas do setor têxtil, o quilo está sendo vendido pelos agricultores por
R$ 2,15 e toda a produção com venda garantida.
Esperança de dias
melhores
Criado dentro das
plantações, o agricultor José da Silva Ferreira, conhecido em Limoeiro do Norte
como “Negro de Júlio”, desde de criança acompanha o pai na agricultura. Nesses
anos lutando pela sobrevivência junto à terra, o sertanejo disse que já plantou
diversas culturas. Contudo, “Negro de Júlio” se viu nos últimos anos sem muitas
alternativas para furar as dificuldades geradas aos agricultores pela pouca
oferta hídrica. “Aqui, a gente estava sem opção de plantar” confessou.
Foi então que ele
decidiu arriscar no novo algodão, que, até o momento, tem representado um fio
de esperança diante do passado que assombra a vida no campo. “Minha
produção está lá. É um algodão lindo, uma das melhores produções que têm por
aqui. Segui as regras e está surpreendendo. Tenho 150 hectares e plantei 50
esse ano. Tudo saindo bem posso plantar o dobro ano que vem ou até mais”, fala
com entusiasmado com dias melhores.
Outro que tem uma
realidade parecida é o agricultor João Batista, que resolveu experimentar a
cultura em 37 hectares. Na opinião do homem do campo, 2020 será um ano para se
comemorar e de fazer planejamentos mais ousados para o que se avizinha. “Quem
entende diz que a qualidade do algodão está boa. Acredito que vai ser bom. Para
a gente que vinha sofrendo com a seca, é uma alternativa a mais. Dando o
retorno esperado, quero plantar pelo menos uns 100 hectares no próximo ano”,
ressalta.
Fonte:DN
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