O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta segunda-feira (11) que incluiu entre os serviços considerados essenciais durante a pandemia do novo coronavírus as academias esportivas, salões de beleza e barbearias.
A declaração foi dada pelo
presidente no fim da tarde, ao chegar ao Palácio do Alvorada.
O ministro da Saúde, Nelson
Teich, participava de uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto enquanto
Bolsonaro fazia o anúncio e foi avisado do fato por repórteres. Ele manifestou
surpresa e disse que não participou da decisão.
"Coloquei hoje, porque saúde é vida: academias, salão de beleza e
cabeleireiro, também. Higiene é vida. Só três [foram definidas] hoje",
disse o presidente.
As inclusões foram publicadas pouco depois da fala do mandatário em
edição extra do Diário Oficial da União. O presidente afirmou que já tem outras
atividades em mente para listar como serviços essenciais, mas vai aguardar um
pouco mais para anunciá-las. "Essas três categorias ajudam mais de 1
milhão de empregos", disse Bolsonaro.
Logo após a declaração de Bolsonaro, Teich foi questionado sobre as
novas atividades consideradas essenciais.
Aparentando estar surpreso e desconhecer o anúncio de Bolsonaro, ele
disse que a pasta não participou das discussões que levaram à inclusão desses
setores, o que é feito pelo Ministério da Economia e pelo presidente Bolsonaro.
"Isso aí saiu hoje? É manicure, academia, barbearia? Não, isso aí não é.
Acho que... Não passou, não é atribuição nossa. Isso é atribuição do Presidente
da República", disse o ministro.
"A decisão sobre atividades essenciais é uma coisa definida pelo
Ministério da Economia. O que acredito é que qualquer decisão que envolva a
definição como essencial ou não passa pela tua capacidade de fazer isso de uma
forma que proteja as pessoas. Para deixar claro que é uma definição do
Ministério da Economia, não nossa."
No entanto, os decretos que o presidente fez com com listas de
atividades essenciais autorizadas a funcionar durante a pandemia do novo
coronavírus podem ter consequência prática nula.
Isso porque, ao decidir que União, estados e municípios têm competência
concorrente para definir estratégias de saúde pública e regulamentar a
quarentena, o STF (Supremo Tribunal Federal) também deixou clara a autonomia
dos entes da Federação para fixar os serviços aptos a seguirem em
funcionamento.
A ação do chefe do Executivo serve como um movimento de pressão política
para forçar o afrouxamento do isolamento social, mas gestores locais não
precisam respeitar a decisão de Bolsonaro.
Pela decisão do STF, prefeitos e governadores conhecem melhor a
realidade local e a palavra deles prevalece em relação à do governo federal na
permissão para determinados serviços voltarem a funcionar.
Há estados que já reabriram total ou parcialmente o comércio, o que tem
sido feito de formas diversas: no Rio Grande do Sul, por exemplo, há bandeiras
indicativas por região; outros, como Mato Grosso, permitiram a reabertura de
alguns tipos de comércio. Ainda em outros estados a decisão foi deixada a cargo
das prefeituras.
No outro extremo, há estados e cidades que estão em "lockdown"
(bloqueio total), em que a população só pode sair de casa para atividades
consideradas essenciais.
O professor da FGV Direito Rio Thomaz Pereira afirma, no entanto, que o
Supremo não deu um cheque em branco a estados e municípios. A orientação a
instâncias inferiores, disse, é para que anulem medidas que extrapolem o
princípio da razoabilidade.
Assim, Pereira avalia que o entendimento do STF dá a decisão final sobre
a extensão do isolamento ao Judiciário, pois, se houver conflito entre as
regras dos três entes da Federação e a Justiça for provocada, caberá ao
magistrado do caso definir qual decreto que deverá ser seguido.
"Faz sentido declarar a competência concorrente porque o gestor
mais próximo conhece as peculiaridades da região e pode regular o que está
proibido ou não. Mas, ao mesmo tempo, no limite o STF disse é que a última
palavra vai ser do Judiciário, que vai analisar caso a caso se determinado
decreto está de acordo com as leis e a Constituição", diz.
*
ENTENDA A LISTA DE ATIVIDADES ESSENCIAIS
O que Bolsonaro já definiu como atividades essenciais?
Em 20 de março, o governo listou como essenciais inúmeros serviços
relacionadas à saúde e outros que visavam manter o abastecimento de alimentos e
remédios no país, como logística e transportes.Na ocasião, gerou polêmica a
inclusão de templos religiosos e lotéricas no decreto. Depois, em 29 de abril,
acrescentou ao rol de atividades aptas a funcionar o atendimento bancário e
startups. Na semana passada, em novo despacho, incluiu indústrias e serviços de
construção. No domingo (10), afirmou que irá ampliar a lista.
Nesta segunda-feira (11), Bolsonaro anunciou que vai incluir na lista
academias, salões de beleza e barbearias.
Estados e municípios são obrigados a seguir o decreto do Executivo
federal?
Não. O STF definiu que prefeitos e governadores têm autonomia para
regulamentar a quarentena e, consequentemente, definir os serviços que podem
funcionar no período de calamidade. Segundo o Supremo, os gestores locais
conhecem melhor sua região e têm autonomia para definir o que funciona no
local.
Como foi o julgamento do STF que tratou do tema?
Em 15 de abril, o Supremo decidiu que estados e municípios não precisam
observar a medida provisória federal que submetia as decisões locais relativas
à quarentena ao aval do governo federal e da Anvisa. Na ocasião, o ministro
Edson Fachin sustentou que a corte deveria deixar claro no resultado do
julgamento a autonomia de prefeitos e governadores para listarem as atividades
essenciais em suas regiões. A maioria dos ministros acompanhou Fachin e assim
ficou decidido. Os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio foram os únicos a
divergir, mas não por acreditarem que a União tem a palavra final a respeito.
Eles argumentaram, apenas, que, ao declarar a competência concorrente
dos entes da Federação em matérias de saúde pública, a autonomia de prefeitos e
governadores nesse sentido já estava definida.
Estados e municípios têm, então, liberdade total nessa área?
Não. Os ministros do STF deixaram claro que a decisão não representa um
cheque em branco aos gestores locais e que é necessário respeitar o princípio
da razoabilidade. Assim pontuou o ministro Alexandre de Moraes: "A
competência comum administrativa não significa que todos podem fazer tudo. Isso
gera bagunça. Não é possível que a União queira ter monopólio da condução
normativa da pandemia sobre estados e municípios. Isso não é razoável. Como não
é possível que os municípios queiram se tornar repúblicas autônomas dentro do
Brasil".
E, se houver conflito entre decisão municipal e estadual, qual
prevalece?
Em tese, predomina a norma menos abrangente. O professor Thomaz Pereira
explica que, se há uma norma restritiva, o cidadão que a desobedece está sob o
risco de uma penalidade. "No Judiciário duas perguntas vão ser discutidas:
se a autoridade é competente e se a proibição se justifica. Na prática, se
houver uma norma mais restrita, ela deve prevalecer enquanto não for suspensa
pelo Judiciário. No Judiciário, a discussão vai ser em torno de se a norma está
dentro da competência concorrente de estados e municípios e, se estiver, se as
peculiaridades municipais justificam a regulação municipal divergente",
diz.
FOLHAPRESS
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