O presidente Jair Bolsonaro
incluiu, nesta segunda-feira, as atividades de salões de
beleza, barbearias e academias de esportes na lista de “serviços essenciais”,
em um decreto publicado no Diário Oficial da União. Ainda que o Governo Federal
estabeleça quais atividades podem continuar em meio à pandemia, o STF já
decidiu que cabe aos estados e municípios o poder de estabelecer a
classificação dos serviços essenciais. Em reação ao decreto, o governador
do Ceará, Camilo Santana, disse, em rede social, que o decreto federal não
altera em nada as normas estaduais.
"Informo que, apesar do presidente
baixar decreto considerando salões de beleza, barbearias e academias de
ginástica como serviços essenciais, esse ato em NADA ALTERA o atual decreto
estadual em vigor no Ceará, e devem permanecer fechados. Entendimento do
Supremo Tribunal Federal", escreveu o governador em sua rede social.
A decisão de Bolsonaro de incluiurentre
os serviços considerados essenciais durante a pandemia do novo
coronavírus as academias esportivas, salões de beleza e
barbearias, não foi submetida à consulta ao ministro da Saúde, Nelson
Teich, que participava de uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto
enquanto Bolsonaro fazia o anúncio e foi avisado do fato por repórteres. Ele
manifestou surpresa e disse que não participou da decisão.
"Coloquei hoje, porque saúde é
vida: academias, salão de beleza e cabeleireiro, também. Higiene é vida. Só
três [foram definidas] hoje", disse o presidente.
As inclusões foram publicadas pouco
depois da fala do mandatário em edição extra do Diário Oficial da União. O
presidente afirmou que já tem outras atividades em mente para listar como
serviços essenciais, mas vai aguardar um pouco mais para anunciá-las.
"Essas três categorias ajudam mais de 1 milhão de empregos", disse
Bolsonaro.
Logo após a declaração de Bolsonaro,
Teich foi questionado sobre as novas atividades consideradas essenciais.
Aparentando estar surpreso e
desconhecer o anúncio de Bolsonaro, ele disse que a pasta não participou das
discussões que levaram à inclusão desses setores, o que é feito pelo Ministério
da Economia e pelo presidente Bolsonaro. "Isso aí saiu hoje? É manicure,
academia, barbearia? Não, isso aí não é. Acho que... Não passou, não é
atribuição nossa. Isso é atribuição do Presidente da República", disse o
ministro.
"A decisão sobre atividades
essenciais é uma coisa definida pelo Ministério da Economia. O que acredito é
que qualquer decisão que envolva a definição como essencial ou não passa pela
tua capacidade de fazer isso de uma forma que proteja as pessoas. Para deixar
claro que é uma definição do Ministério da Economia, não nossa."
No entanto, os decretos que o
presidente fez com com listas de atividades essenciais autorizadas a funcionar
durante a pandemia do novo coronavírus podem ter consequência prática nula.
Isso porque, ao decidir que União,
estados e municípios têm competência concorrente para definir estratégias de
saúde pública e regulamentar a quarentena, o STF (Supremo Tribunal Federal)
também deixou clara a autonomia dos entes da Federação para fixar os serviços
aptos a seguirem em funcionamento.
A ação do chefe do Executivo serve como
um movimento de pressão política para forçar o afrouxamento do isolamento
social, mas gestores locais não precisam respeitar a decisão de Bolsonaro.
Pela decisão do STF, prefeitos e
governadores conhecem melhor a realidade local e a palavra deles prevalece em relação
à do governo federal na permissão para determinados serviços voltarem a
funcionar.
Há estados que já reabriram total ou
parcialmente o comércio, o que tem sido feito de formas diversas: no Rio Grande
do Sul, por exemplo, há bandeiras indicativas por região; outros, como Mato
Grosso, permitiram a reabertura de alguns tipos de comércio. Ainda em outros
estados a decisão foi deixada a cargo das prefeituras.
No outro extremo, há estados e cidades
que estão em "lockdown" (bloqueio total), em que a população só pode
sair de casa para atividades consideradas essenciais.
O professor da FGV Direito Rio Thomaz
Pereira afirma, no entanto, que o Supremo não deu um cheque em branco a estados
e municípios. A orientação a instâncias inferiores, disse, é para que anulem
medidas que extrapolem o princípio da razoabilidade.
Assim, Pereira avalia que o
entendimento do STF dá a decisão final sobre a extensão do isolamento ao
Judiciário, pois, se houver conflito entre as regras dos três entes da
Federação e a Justiça for provocada, caberá ao magistrado do caso definir qual
decreto que deverá ser seguido.
"Faz sentido declarar a
competência concorrente porque o gestor mais próximo conhece as peculiaridades
da região e pode regular o que está proibido ou não. Mas, ao mesmo tempo, no
limite o STF disse é que a última palavra vai ser do Judiciário, que vai
analisar caso a caso se determinado decreto está de acordo com as leis e a
Constituição", diz.
ENTENDA A LISTA DE
ATIVIDADES ESSENCIAIS
O que Bolsonaro já definiu como atividades
essenciais?
Em 20 de março, o governo listou como essenciais inúmeros serviços relacionadas
à saúde e outros que visavam manter o abastecimento de alimentos e remédios no
país, como logística e transportes.Na ocasião, gerou polêmica a inclusão de
templos religiosos e lotéricas no decreto. Depois, em 29 de abril, acrescentou
ao rol de atividades aptas a funcionar o atendimento bancário e startups. Na
semana passada, em novo despacho, incluiu indústrias e serviços de construção.
No domingo (10), afirmou que irá ampliar a lista.
Nesta segunda-feira (11), Bolsonaro anunciou que vai incluir na lista
academias, salões de beleza e barbearias.
Estados e municípios são
obrigados a seguir o decreto do Executivo federal?
Não. O STF definiu que prefeitos e governadores têm autonomia para regulamentar
a quarentena e, consequentemente, definir os serviços que podem funcionar no
período de calamidade. Segundo o Supremo, os gestores locais conhecem melhor
sua região e têm autonomia para definir o que funciona no local.
Como foi o julgamento do
STF que tratou do tema?
Em 15 de abril, o Supremo decidiu que estados e municípios não precisam
observar a medida provisória federal que submetia as decisões locais relativas
à quarentena ao aval do governo federal e da Anvisa. Na ocasião, o ministro
Edson Fachin sustentou que a corte deveria deixar claro no resultado do
julgamento a autonomia de prefeitos e governadores para listarem as atividades
essenciais em suas regiões. A maioria dos ministros acompanhou Fachin e assim
ficou decidido. Os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio foram os únicos a
divergir, mas não por acreditarem que a União tem a palavra final a respeito.
Eles argumentaram, apenas, que, ao declarar a competência concorrente dos entes
da Federação em matérias de saúde pública, a autonomia de prefeitos e
governadores nesse sentido já estava definida.
Estados e municípios
têm, então, liberdade total nessa área?
Não. Os ministros do STF deixaram claro que a decisão não representa um cheque
em branco aos gestores locais e que é necessário respeitar o princípio da
razoabilidade. Assim pontuou o ministro Alexandre de Moraes: "A
competência comum administrativa não significa que todos podem fazer tudo. Isso
gera bagunça. Não é possível que a União queira ter monopólio da condução
normativa da pandemia sobre estados e municípios. Isso não é razoável. Como não
é possível que os municípios queiram se tornar repúblicas autônomas dentro do
Brasil".
E, se houver conflito entre decisão municipal e estadual, qual prevalece?
Em tese, predomina a norma menos abrangente. O professor Thomaz Pereira explica que, se há uma norma restritiva, o cidadão que a desobedece está sob o risco de uma penalidade. "No Judiciário duas perguntas vão ser discutidas: se a autoridade é competente e se a proibição se justifica. Na prática, se houver uma norma mais restrita, ela deve prevalecer enquanto não for suspensa pelo Judiciário. No Judiciário, a discussão vai ser em torno de se a norma está dentro da competência concorrente de estados e municípios e, se estiver, se as peculiaridades municipais justificam a regulação municipal divergente", diz.
Fonte: Diário do Nordeste
0 Comentários