O Ministério da Saúde publicou, nesta quarta-feira
(20), um novo documento com orientações para o uso da cloroquina e da
hidroxicloroquina no tratamento da covid-19.
A nova diretriz traz como
recomendação a aplicação da droga também para casos leves, dependendo de
decisão médica. Até então, a orientação do Ministério da Saúde era de emprego
do medicamento em casos de média e alta gravidades.
O tema vinha sendo objeto de debates no governo,
entre autoridades de saúde e entre pesquisadores. O presidente Jair Bolsonaro
já havia se pronunciado diversas vezes a favor do uso do medicamento. Os
ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich divergiam do
presidente na questão do uso da cloroquina nos casos de covid-19.
Nas diversas pesquisas realizadas até agora, não
há consenso sobre evidências científicas da eficácia da prescrição da
substância. Duas delas, uma da Fundação de Medicina Tropical no Amazonas e
outra da Universidade de Virgínia, nos Estados
Unidos, colocaram essas dúvidas.
Em entrevista coletiva hoje no Palácio do
Planalto, representantes do governo defenderam a iniciativa, argumentando que
esta não obriga, e sim orienta o médico, que possibilita a oferta do
medicamento aos que se tratam pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e que é uma
providência necessária diante das mortes causadas pela covid-19.
Sobre a decisão brasileira, o diretor executivo
da Organização Mundial de Saúde, Michael Ryan, disse todos os países estão na
posição de aconselhar os cidadãos sobre o uso de remédios em seu território.
“Contudo, neste estágio, nem a hidroxicloroquina, nem a cloroquina tiveram sua
eficácia comprovada em relação à covid-19. Foram emitidos alertas por várias
autoridades sobre os efeitos colaterais da droga e muitos países limitaram seu
uso para estudos clínicos ou na supervisão em hospitais”, afirmou.
A Sociedade Brasileira de Infectologia e a
Associação de Medicina Intensiva Brasileira divulgaram um documento de
recomendações para o tratamento farmacológico da covid-19, que analisa diversas
drogas cogitadas para lidar com a doença.
A cloroquina e a hidroxicloroquina são
enquadradas como de risco importante, e a recomendação é contra o uso de
rotina. As evidências da eficácia são consideradas baixas. Classificação
semelhante ocorre no caso em que essas drogas são ministradas de forma conjunta
com azitromicina. A orientação de evitar usos de rotina também é feita em
relação a drogas como tocilizumabe, glicocorticosteroides e lopinavir.
Para a coordenadora da Comissão Intersetorial de
Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica (Cictaf) do Conselho Nacional de
Saúde (CNS), Débora Melecchi, o protocolo desrespeita a ciência porque
inexistem estudos que indiquem eficácia do uso de cloroquina para sintomas
leves, inclusive neste momento. O que há até agora são artigos e estudos que
concluíram que a utilização não está tendo efeito positivo e há efeitos
colaterais, como problemas cardíacos, acrescenta Débora.
Na opinião de Débora, caso os estudos verifiquem
um efeito positivo, o remédio pode ser usado, mas antes disso é temerário. “Os
riscos à vida das pessoas estão grandes. Além disso, o protocolo traz termos de
consentimento deixando na mão do familiar a decisão sobre vida e morte do
paciente. Sabe-se lá quantos brasileiros poderão vir a morrer pelo uso do
medicamento”, diz.
CFM
Consultado pela Agência Brasil, o
Conselho Federal de Medicina (CFM) respondeu que não se pronunciaria sobre o
documento e que sua posição está descrita no Parecer nº 4, de 23 de
abril. Segundo o parecer, os médicos têm liberdade para receitar os
medicamentos em situações de sintomas leves, em acordo com pacientes, alertando
para o fato de que não existem trabalhos que comprovem o benefício da droga
para o tratamento da covid-19.
Porém, o parecer traz ponderações. “A administração
de um medicamento que não tem efeito comprovado como alternativa para o
tratamento de pacientes com maior gravidade assume, muitas vezes de forma
equivocada, que o benefício será maior que o prejuízo. Entretanto,
frequentemente, não é possível saber se um medicamento não testado para
determinada doença terá maior benefício ou maior
prejuízo se não houver um grupo controle”, diz o texto.
Associação Médica Brasileira
Em nota à Agência Brasil, a
Associação Médica Brasileira (AMB) avaliou que as diretrizes "permitem
que, no âmbito do Sistema Único de Saúde, os pacientes ali assistidos disponham
da mesma oferta de medicamentos, em todas as fases do tratamento, que os
pacientes atendidos pelo setor privado já dispõem". A entidade defende que
as normas "preservam a responsabilidade e a autonomia do médico na
avaliação da pertinência de utilização off-label de medicação prescrita há
décadas em casos de malária e doenças autoimunes e cujos efeitos colaterais são
limitados e amplamente conhecidos nos tratamentos citados, reiterando a
necessidade de consentimento livre, esclarecido e informado por parte do
paciente" e "alertam sobre a falta de medicamentos comprovadamente
eficazes e reiteram a excepcionalidade do uso da cloroquina e da
hidroxicloroquina no cenário da pandemia, assim como a inexistência de
pesquisas aprofundadas e conclusivas sobre os benefícios ou segurança do
medicamento nas diversas fases da doença Covid-19".
Estados
Já o Conselho dos Secretários Estaduais de Saúde
(Conass) disse em nota que o documento não teve "participação técnica e
pactuação tripartite" e que "ao contrário do que foi divulgado
em entrevista coletiva no dia de hoje, deixa claro que tais orientações
são de única responsabilidade do Ministério da Saúde". O
Conselho reafirmou sua posição de se pautar "pelos respeitos às
melhores evidências científicas".
"O CONASS insiste na importância de se
prosseguir com a discussão junto ao gestor federal do SUS sobre temas que se
relacionam diretamente à estratégia de enfrentamento à pandemia de modo
tripartite. Por que estamos debatendo a Cloroquina e não a logística de
distanciamento social? Por que estamos debatendo a Cloroquina ao invés de
pensar um plano integrado de ampliação da capacidade de resposta do Ministério
da Saúde para ajudar os estados em emergência?", questionou a entidade.
Matéria ampliada às
21h31
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