Parece haver certa
dificuldade de alguns grupos da sociedade em perceber que o novo coronavírus
mata. Essa resistência em aderir ao isolamento social estimulado por todas as
autoridades médicas, das locais às mundiais, vem custando vidas. Os descrentes
nos efeitos da pandemia parecem não se dar conta de que 903 pessoas já morreram
no Ceará, vitimadas pelo vírus respiratório, que poderia estar controlado se
toda a população tivesse aderido a uma atividade: ficar em casa. O desrespeito
às regras já custou perdas humanas irreparáveis, e pode custar ainda mais.
Projeções matemáticas do Departamento de Física da
Universidade Federal do Ceará (UFC) descrevem que o Ceará pode chegar a 5.068
óbitos por Covid-19 até o dia 31 de maio. Em Fortaleza, as mortes podem chegar
a 3.831, no mesmo período. Isso considerando modelo com parâmetros obtidos nas
atuais condições de isolamento. No pior cenário, em condições semelhantes ao
pré-isolamento, chegaremos a 5.853 no Estado e 4.821 óbitos na Capital.
Tudo vai depender de como a população vai encarar
essa epidemia sem precedentes, nas palavras de José Soares, cientista-chefe de
Dados e professor do Departamento. "Invisível e silenciosa", a
transmissão é sustentada pela alta eficiência do patógeno, aliada ao alto tempo
de incubação e à alta mobilidade dos deslocamentos. Para ele, ainda nem é
possível afirmar se estamos no pico da doença, já que considera
"ousada" qualquer estimativa do tipo no momento.
Contudo, Soares avalia ser possível que, entre sete
e 15 dias, seja possível indicar alguma mudança na curva de disseminação da
doença, caso as novas medidas restritivas adotadas pelo Governo do Estado e
pela Prefeitura de Fortaleza sejam realmente seguidas. A expectativa do
epidemiologista Antônio Silva Lima Neto, gerente da Célula de Vigilância
Epidemiológica de Fortaleza, é que a taxa de isolamento saia dos atuais 50% e
chegue a até 75%. Uma meta necessária, levando em conta que o Ceará já soma
13.888 casos confirmados da Covid-19. Destes, 9.692 estão em Fortaleza. São 696
mortos na Capital.
"Obviamente, a caracterização e a imposição do
lockdown se faz necessário em ambos os contextos, tanto no municipal quanto no
estadual, e isso é o que estamos observando agora", afirma Soares. Ele
destaca a importância da análise de modelos mais complexos que levem em conta a
distribuição espacial de óbitos e casos para inferir em que fase da epidemia
cada bairro se encontra, já que eles possuem taxas de transmissibilidade e
letalidade diferentes.
Colapso na Saúde
O estudo da UFC encontra eco num relatório
elaborado pela Prefeitura de Fortaleza e pelo Governo do Estado, que indica
"elevado risco de colapso" do sistema público de saúde da Capital
antes do dia 29 de maio, mesmo que ocorra a abertura de novos leitos de Unidades
de Terapia Intensiva (UTIs) específicos para a doença. Nos últimos 40 dias,
Fortaleza recebeu 337 novos leitos do tipo.
Contudo, atualmente, a oferta já está muito próxima
da demanda. Conforme boletim epidemiológico da Secretaria Estadual da Saúde
(Sesa), na última quarta-feira (6), a rede de UTIs na Capital atingia 97,1% da
capacidade total. No Hospital São José e no Hospital Geral de Fortaleza, não
havia mais vagas. No Interior, a ocupação estava em 83,5%.
"Algumas áreas parecem estar mais saturadas;
nos parece que Fortaleza e Região Metropolitana estão num momento de muito
maior transmissão, o que induz à diminuição do fluxo do Interior para cá",
observa Antonio Lima, para quem não há, por parte de pacientes de outros
municípios, pressão importante no que se refere à Covid-19 no sistema de saúde
da Capital.
O gerente epidemiológico explica que, até esta
quinta-feira, 110 dos 121 bairros de Fortaleza já tinham registrado pelo menos
um óbito causado pela doença. Em bairros como Meireles e Aldeota, por onde a transmissão
começou e onde há maior renda, o sistema privado já chegou à exaustão. A
preocupação dos gestores é com as áreas mais vulneráveis, como Vicente Pinzón e
Grande Pirambu, onde a letalidade se mostra mais alta.
O relatório lembra que há uma capacidade instalada
para expansão de aproximadamente mais 400 leitos de UTI em todo o Ceará. No
entanto, isso está condicionado à chegada de novos ventiladores - essenciais
para manter a respiração de pacientes em casos de insuficiência respiratória -
adquiridos pelo Estado e à disponibilidade de profissionais da área da Saúde,
já que houve "aumento das taxas de afastamento por adoecimento" na
categoria. Segundo o secretário da Saúde do Ceará, Carlos Roberto Martins
Rodrigues, o Dr. Cabeto, há uma "corrida internacional" pela compra
de mais respiradores. Ele projeta que 200 novos aparelhos cheguem ao Estado até
a próxima semana - metade destes já estava esperando liberação de translado na
China. Até o começo de junho, estão previstos mais 300. Em parceria com outras
entidades, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a Pasta
também opera com o conserto de até 30 ventiladores por dia.
No limite
"É importante a sociedade tomar consciência de
que isso está sempre no limite, e que os meios para obter não são fáceis",
alerta Cabeto. O secretário explica que, além das novas medidas de restrição de
mobilidade, a rede de saúde pública se articula com outras estratégias para
melhorar a capacidade de atendimento.
Uma delas é a readequação dos perfis de pacientes
que vão para os leitos. Outra é a dinâmica ambulatorial, com o estabelecimento
de protocolos precoces de assistência para minimizar o agravamento de alguns
casos. "Não temos ainda no mundo nenhuma terapêutica cientificamente
comprovada como eficaz, mas nós, como autoridades sanitárias, achamos que não
podemos nos eximir de propor uma estratégia", diz.
A secretária adjunta de Saúde de Fortaleza, Ana
Estela Fernandes, reforça que os 113 postos de saúde da Capital atendem a casos
suspeitos de menor complexidade. Cerca de 3.500 agentes de saúde e endemias
também realizam a busca ativa de contaminados. Nas Unidades de Pronto
Atendimento (UPAs) municipais, até esta quarta, foram entregues 170 novos
leitos de observação que, totalizam 266 na porta de entrada.
O hospital de campanha do Estádio Presidente Vargas
já admitiu 202 pacientes, com altas a 122 deles. Ontem, iniciou as atividades
do quarto bloco, com mais 17 leitos. Também chegou a 60 o número de leitos de
UTI no Instituto Dr. José Frota (IJF2). Na segunda (11), deve ser aberta uma
nova enfermaria com mais 47 leitos com aptidão para se tornarem UTIs.
Fonte: Diário do Nordeste
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