A redução parcial ou
total da renda ocasionada pela pandemia do novo coronavírus já reflete no
endividamento das famílias e deve continuar causando desequilíbrio mesmo após o
fim da pandemia. Segundo especialistas, a projeção é de que as dívidas
aumentem, uma vez que a maioria dos consumidores deve optar por parcelar em
mais vezes as compras ou negociar a prorrogação de pagamentos. O risco de
perder o controle ainda pode levar à inadimplência.
O economista e membro do
Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon), Ricardo Eleutério, lembra que
as famílias e empresas já vinham apresentando altos índices de endividamento
antes da crise.
Segundo pesquisa da
Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio-CE),
o endividamento dos consumidores de Fortaleza nos primeiros três meses deste
ano variou de 61,4% a 66%, percentual que saltou para 83,1% em abril, já como
reflexo da crise.
Eleutério explica que
algumas isenções e adiamentos estão surgindo como forma de amenizar o impacto
durante a crise, mas ressalta que a conta terá de ser paga em algum momento.
"Por falta de entendimento de parte da população, algumas pessoas acham
que, ao prorrogar o pagamento de alguma dívida, não vão ter de pagá-la lá na
frente ou mesmo deixam de pagar a conta de energia porque não vai haver cortes
nesse período", alerta.
O economista ainda
ressalta que, no pós-crise, as pessoas ainda não vão ter recuperado suas
rendas. Diante do maior endividamento e um orçamento ainda comprometido, também
se elevará o atraso nos pagamentos das contas.
"A ressaca, o
desdobramento, vai ser bastante significativo tanto para as famílias quanto
para as empresas. É preciso disciplina para tentar amenizar as
consequências", diz.
Em abril, 25,3% dos
consumidores de Fortaleza possuem alguma dívida em atraso e 9,1% já estão
inadimplentes, ou seja, atrasaram o pagamento de algum débito por mais de 90
dias, segundo levantamento da Fecomércio-CE.
O economista Allisson
Martins reforça a influência da pandemia do novo coronavírus na elevação dos
índices de endividamento e inadim-plência das famílias. Ele lembra que, além da
redução da renda por conta da paralisação das atividades - no caso principalmente
dos autônomos -, o desemprego também é outro fator que coloca as famílias em
dificuldade.
"As pessoas
desempregadas ou aquelas com medo de perderem o emprego já começam a priorizar
o pagamento das contas essenciais e deixam algumas em atraso", esclarece.
Ele estima que, pelo menos, até maio, os indicadores devem piorar.
"Em razão do
aprofundamento da pandemia, a perspectiva é esses resultados se deteriorarem
ainda mais, vamos ter um recrudescimento, um termo usado por economistas para
dizer que ainda vamos piorar", acrescenta.
Para Martins, a
preocupação maior diz respeito ao período de prolongamento da ala do
endividamento e inadimplência. "O número ótimo seria zero contas em
atraso. Mas devemos ficar atentos à trajetória dessas duas curvas. Melhor que
pensar em um patamar ótimo é torcer para que as duas curvas durem o menor tempo
possível".
Crédito
O cartão de crédito
também tem sido uma saída para aqueles que estão sem renda e precisam realizar
as compras essenciais. Neste mês, a forma de pagamento foi usada por 71,2% dos
consumidores da Capital para compras a prazo. De acordo com o presidente da
Fecomércio-CE, Maurício Filizola, as pessoas estão comprando no cartão, uma vez
que só precisam pagar depois de algumas semanas.
"As pessoas fazem
isso como uma forma de ganhar tempo para conseguir o dinheiro, para preservar
algum recurso que elas tenham e possam vir a precisar em uma possível demissão,
e até mesmo como prevenção, para evitar a circulação de dinheiro em espécie e
que possa estar contaminado", explica.
Entre os motivos para a
utilização do cartão também está a comodidade de poder comprar sem sair de
casa, segundo Filizola. O acúmulo de pontos e milhas e a possibilidade de
parcelamento ainda são citados por Eleutério, mas ele alerta que o e-commerce
pode ser um dos motivos para desequilíbrio financeiro justamente porque
estimula as compras a crédito.
Controle
O presidente da
Fecomércio-CE orienta que é preciso manter o controle dos gastos neste período,
a fim de evitar atrasos nos pagamentos e inadimplência. "Que cada um tenha
a sua responsabilidade de ter um orçamento, buscar equilibrar as contas para
dar a sua contribuição para a economia. Sei que dar uma dica como essa num
momento desafiante como hoje pode ser mal utilizado, mas é o que a gente como
instituição tem de fazer para o mercado e a economia fluir com
responsabilidade", argumenta.
Martins ressalta a
importância de fazer o controle de gastos, seja utilizando caderno, planilhas
ou aplicativos. "É buscar a forma que mais se adeque ao seu perfil",
recomenda. Já Eleutério aponta que é necessário um reequilíbrio do orçamento
neste momento, tendo em vista que algumas despesas aumentam e outras diminuem.
"A inflação de
março e a prévia de abril indicam redução na inflação, mas os alimentos, por
exemplo, não estão ficando mais baratos porque são afetados pela demanda, que
aumentou. Já os serviços de água, energia e gás acabam pesando mais não porque
estão ficando mais caros, mas porque o consumo aumentou com as pessoas passando
mais tempo em casa", detalha o economista.
Fonte: Diário do Nordeste
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