Os piores efeitos da
pandemia causada pelo novo coronavírus, por enquanto, aconteceram durante o
inverno relativamente rigoroso de países como a China e a Itália, mas isso não
significa necessariamente que, num país tropical como o Brasil, o parasita terá
mais dificuldade de se espalhar enquanto as temperaturas continuarem altas.
Incertezas e desinformações dificultam o trabalho dos profissionais da saúde | Reprodução |
A incerteza é grande,
em parte porque existem poucos estudos sobre a relação entre condições
ambientais e a capacidade de sobrevivência e transmissão dos coronavírus. A
maioria das pesquisas feitas até hoje envolve o vírus da Sars (síndrome
respiratória aguda grave), um “primo de primeiro grau” do patógeno causador da
atual pandemia que chegou a matar quase 800 pessoas de 2002 a 2003.
Os dados sobre o
vírus da Sars indicam que ele persiste por mais tempo no ambiente em
temperaturas inferiores a 30°C e quando há umidade relativa do ar média ou
baixa -a não ser quando faz bastante frio, por volta de 5°C, situação na qual
umidades altas não o atrapalham.
A capacidade de
resistência do vírus tem a ver com a estabilidade das moléculas orgânicas que o
compõem em determinadas condições ambientais (de fato, o calor tende a afetar a
estrutura dessas moléculas, mais ou menos como a clara do ovo endurece na
frigideira).
É difícil saber até
que ponto os dados podem ser “traduzidos” para o novo patógeno, designado pela
sigla Sars-CoV-2, apesar do parentesco evolutivo próximo com o causador da
Sars. “É possível que a gente acabe confundindo os fatores que ligam o inverno
à maior transmissão”, diz Flávio Codeço, biólogo matemático da FGV, no Rio de
Janeiro. “Num inverno como o do hemisfério Norte, o mero fato de a pessoa sair
no ar frio e seco irrita as vias aéreas de tal maneira que a tendência a tossir
e espirrar vai ser maior, e isso facilita o espalhamento do vírus,
independentemente das condições nas quais ele subsiste no ambiente.”
Temperaturas mais
frias também têm efeitos sobre o comportamento das pessoas, fazendo com que
elas passem mais tempo em ambientes fechados e apinhados, outra maneira de
facilitar a transmissão.
Os dados são mais
abundantes a respeito dos vírus influenza, causadores da gripe e transmitidos
por via respiratória, tal como os diferentes coronavírus. Em países temperados
do hemisfério Norte, a associação entre maior alcance do vírus e o tempo frio e
seco do inverno se mantém, mas também há vários estudos feitos no Brasil e
outras regiões tropicais sobre o tema, revelando um cenário bem mais complexo.
Em Belém (PA), assim
como no Senegal e em certas áreas da Índia, por exemplo, as epidemias de gripe
têm correlação com as épocas mais chuvosas (o que talvez também tenha uma
explicação comportamental: mais pessoas ficando em ambientes fechados por causa
da chuva).
Por fim, no Sudeste,
embora a temporada mais forte do vírus da gripe seja o inverno, pode haver
transmissão ao longo do ano todo. Em suma, tudo o que se sabe sobre patógenos
desse tipo sugere que agir de forma complacente escudando-se no calor não é uma
boa ideia.
Folhapress
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