Quem é responsável pela
morte do capitão Adriano? A PM da Bahia, do PT. Precisa falar mais alguma
coisa?"
As primeiras palavras de
Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a morte do ex-capitão da PM Adriano da
Nóbrega, em entrevista à imprensa neste sábado (15), deram o tom da estratégia
que o presidente lançaria mão para proteger a si próprio e a sua família em
torno da proximidade com o miliciano.
Entrevista foi concedida ontem (15) | Agência Brasil/Arquivo |
Adriano foi morto no último domingo (9) no
município de Esplanada (BA), ao ser alvo de operação que envolveu as polícias
baiana e fluminense. Investigações apontam que ele atuava em diferentes
atividades ilegais: milícia, jogo do bicho, máquinas caça-níqueis e homicídios
profissionais.
O presidente se manteve
em silêncio sobre o tema por quase uma semana. Ele e o senador Flávio Bolsonaro
(sem partido-RJ), seu filho, só se pronunciaram sobre o caso quando apareceram
evidências de que pode ter havido "queima de arquivo" ou uma eventual
acerto de contas de milícias.
As investigações que
envolvem seu primogênito são a principal causa de preocupação do presidente. A
aliados ele disse temer os desdobramentos das investigações e até a prisão do
filho.
Desde a morte de
Adriano, Bolsonaro tem evitado conceder entrevistas. Ele interrompeu a rotina
de conversas diárias com jornalistas na porta do Palácio da Alvorada entre
segunda e quinta-feira. Só voltou a falar na sexta (14), mas apenas no sábado
entrou no assunto da morte do ex-PM.
Durante sua live
semanal, na quinta (13), o presidente fez uma "vacina" ao falar
lateralmente do caso. Usou um embate entre o ministro Sergio Moro (Justiça) na
Câmara com deputados para dizer, em ambiente sem que pudesse ser confrontado,
que o PSOL apoiava milícias.
As circunstâncias da
morte do ex-capitão ainda não foram esclarecidas. Segundo a versão oficial da
polícia baiana, subordinada ao governador Rui Costa (PT), Adriano foi morto
após reagir com tiros à abordagem. Não tardou, no entanto, para que a hipótese
de "queima de arquivo" fosse aventada.
O miliciano estava
sozinho em um terreno cercado. Moradores disseram à Folha de S.Paulo que a ação
foi rápida, com barulho de tiros por pouco tempo.
Com as redes sociais em
polvorosa, militantes de oposição logo sugeriram que Adriano teria sido morto
para que não pudesse esclarecer a suposta profundidade das relações da família
Bolsonaro com a milícia e seus atos criminosos.
Homenageado duas vezes
na Assembleia Legislativa do Rio pelo hoje senador Flávio Bolsonaro (sem
partido), Adriano é citado na investigação que apura a prática de
"rachadinha" (esquema de devolução de salários) no gabinete do então
deputado estadual. O miliciano teve duas parentes nomeadas por Flávio.
Na primeira vez em que
falou sobre o assunto, Jair Bolsonaro abriu duas frentes para se defender:
driblou antigas convicções para colocar em xeque a gravidade da atuação
criminosa do miliciano e adotou um tom eleitoral ao responsabilizar o PT pela
morte de Adriano.
Neste sábado, Bolsonaro
despontou como um defensor dos direitos humanos ao criticar a polícia da Bahia
por não ter preservado a vida do ex-capitão durante a operação. Normalmente, o
presidente é um forte apoiador das polícias, mesmo quando suas ações resultam
em mortes.
Ele é crítico de
defensores de direitos humanos, aos quais geralmente se refere com deboche.
Em outubro do ano
passado, por exemplo, durante solenidade no Palácio do Planalto para lançamento
de campanha do pacote anticrime, o presidente defendeu policiais que acumulam
autos de resistência.
"Muitas vezes a
gente vê que um policial militar ser alçado para uma função e vem a imprensa
dizer que ele tem 20 autos de resistência. Tinha que ter 50! É sinal que ele
trabalha, que ele faz sua parte e que ele não morreu", afirmou.
Em 2003, Bolsonaro
chegou a usar os microfones da Câmara para parabenizar e defender a ação de
grupos de extermínio no país. "Enquanto o Estado não tiver coragem de
adotar a pena de morte, esses grupos de extermínio, no meu entender, são muito
bem-vindos", disse.
Neste sábado, Bolsonaro
também ensaiou uma defesa da presunção de inocência, não replicada no passado
diante de condenações de adversários. "Não tem nenhuma sentença transitada
em julgado condenando capitão Adriano por nada, sem querer defendê-lo", afirmou.
Quando o ex-presidente
Lula foi solto, em novembro do ano passado, Bolsonaro disse que o petista
estava momentaneamente livre, mas carregado de culpa, e o chamou de criminoso.
Assim como o capitão Adriano, Lula não tem sentença transitada em julgado.
Em nota divulgada na
noite de sábado, Bolsonaro se refere ao petista como um bandido condenado em
segunda instância, ao mesmo tempo em que repete que nenhuma sentença
condenatória transitou em julgado em desfavor de Adriano.
Além de modular suas
convicções, Bolsonaro adotou um conhecido tom eleitoral e foi para o ataque
contra os adversários, em especial o PT.
Em entrevista à
imprensa, não só responsabilizou o PT pela morte de Adriano, como também
encaixou crítica ao PSOL, repetindo o tom da live. Após negar ter relações com
a milícia, Bolsonaro acusou um líder do partido socialista, sem citar nomes, de
ser amigo de traficantes e bandidos.
Para se defender, o
presidente também usou discurso com estilo de campanha: "Estão o tempo
todo inventando mentiras contra mim. Não vão conseguir. A nossa luta contra a
corrupção continuará sendo forte, fazendo o possível pelo Brasil melhor".
O mesmo fez seu filho
Flávio, ao falar que o questionamento sobre a relação da família com as
milícias é o último recurso para criticar o governo. "Como não tem o que
falar do governo que está dando certo, que está gerando emprego, inaugurando
obras, beneficiando o estado do RJ..."
Na nota divulgada no
sábado, Bolsonaro rebateu crítica do governador da Bahia, Rui Costa (PT). Mais
cedo, o petista havia dito que seu governo "luta contra e não vai tolerar
nunca milícias nem bandidagem" e que "não mantém laços de amizade nem
presta homenagens a bandidos nem procurados pela Justiça".
No texto, o presidente
diz que o caso de Adriano é semelhante "à queima de arquivo do ex-prefeito
Celso Daniel, onde seu partido, o PT, nunca se preocupou em elucidá-lo, muito
pelo contrário".
O caso do ex-prefeito de
Santo André é lembrado por Bolsonaro todas as vezes que ele é cobrado pela
relação dos seus familiares com a milícia. Trata-se de uma velha fórmula
eleitoral: apontar erros e incoerências de seus adversários em vez de prestar
explicações.
Bolsonaro finaliza a
nota afirmando que os brasileiros querem os nomes dos mandantes das mortes de
Celso Daniel, da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do ex-capitão Adriano e da
tentativa de homicídio contra o próprio presidente.
O texto foi elaborado
com a ajuda do secretário especial de Comunicação Social da Presidência, Fabio
Wajngarten. Os dois redigiram a nota de dentro do carro presidencial, na porta
do Alvorada na noite de sábado (15). Na sequência, ele entrou em casa sem falar
com repórteres.
Ao lembrar da facada, um
dos fatos que consolidaram sua vitória na corrida presidencial, Bolsonaro tenta
se fortalecer no momento em que volta a ser pressionado pelo suposto
envolvimento com as milícias do Rio de Janeiro.
Em nota neste domingo
(16), o PT afirmou que "Bolsonaro volta a mentir e fazer acusações falsas
ao PT e ao governador Rui Costa, para desviar a atenção sobre a morte do
miliciano Adriano, testemunha das ligações da família Bolsonaro com o mundo do
crime, das milícias e dos desvios de dinheiro no gabinete do filho
Flávio".
LAÇOS
"Vocês querem me
associar a alguém por uma fotografia, uma moção há 15 anos atrás. As pessoas
mudam, para o bem ou para o mal mudam", disse Bolsonaro à imprensa neste
sábado.
O ex-capitão Adriano da
Nóbrega foi homenageado por Flávio Bolsonaro em 2003, com uma moção de louvor,
e em 2005, com a Medalha Tiradentes, mais alta honraria da Assembleia
Legislativa do Rio. Jair disse que ele próprio determinou que o filho
condecorasse o ex-policial, que "era um herói".
Em 2005, Adriano estava
preso preventivamente pelo assassinato de um guardador de carros. Naquele ano,
ele chegou a ser defendido por Jair Bolsonaro, então deputado federal, em
discurso na Câmara dos Deputados, por ocasião da condenação por homicídio. O
ex-capitão seria absolvido depois em novo julgamento.
Neste sábado, Flávio
seguiu a mesma linha de argumentação, repetindo que sua homenagem a Adriano
havia ocorrido há mais de 15 anos. "Como posso adivinhar o que [Adriano]
faz de certo ou errado hoje?", questionou.
Pai e filho, ao longo da
entrevista à imprensa, buscaram reduzir as relações com o ex-capitão às
homenagens (prestadas também a centenas de outros policiais, como lembrado por
eles), e sustentando que elas haviam sido realizadas há muito tempo.
O envolvimento com
Adriano, no entanto, é mais profundo. A Folha tentou questioná-los por duas
vezes sobre as contratações, no gabinete de Flávio na Assembleia, da mulher do
ex-capitão, Danielle Mendonça da Nóbrega, e da mãe, Raimunda Veras Magalhães.
Na primeira tentativa, Jair Bolsonaro encerrou a conversa, e o filho assumiu o
microfone. Na segunda, o presidente disse para a repórter ficar quieta.
Danielle foi contratada
em 2007, enquanto Raimunda entrou no gabinete apenas em 2016. Nesta época,
Adriano já tinha sido condenado por homicídio por um júri posteriormente
anulado, acusado pelo atentado a um bicheiro e expulso da PM porque atuava na
segurança de outro.
Ambas foram exoneradas
somente em novembro de 2018, em meio às investigações do Ministério Público a
respeito da possível prática de lavagem de dinheiro e "rachadinha" no
gabinete de Flávio Bolsonaro. Em dezembro, foi revelado relatório do Coaf que
citava movimentações financeiras atípicas do ex-assessor Fabrício Queiroz.
Os laços com Adriano
podem ir além das contratações. Segundo o MP-RJ, contas do ex-capitão foram
usadas para transferir dinheiro a Queiroz, suspeito de comandar o esquema de
devolução de salários. De acordo com a investigação, tanto Danielle quanto Raimunda
fizeram transferências para o ex-assessor. A mulher de Adriano teria devolvido,
pelo menos, R$ 150 mil.
Nota da defesa de
Flávio, divulgada em janeiro, informava que Raimunda havia sido contratada no
gabinete por indicação de Queiroz. Adriano e Fabrício Queiroz trabalharam
juntos no 18º Batalhão da PM.
PERGUNTAS
SEM RESPOSTA
- Por que Adriano estava
escondido na Bahia?
- Por que Leandro
Guimarães deu abrigo a Adriano em sua fazenda? Por que Adriano deixou a fazenda
de Leandro para se esconder no sítio de Gilsinho?
- Ele ficou sabendo que
a polícia planejava uma operação? Se sim, como?
- A casa onde Adriano
foi morto tinha um colchonete, alguns móveis e alimentos, sinais de que pode
ter sido preparada para receber alguém. Alguém ajudou Adriano a se esconder?
- Se Adriano estava em
um terreno cercado e com chances mínimas de fuga, por que a polícia, em vez de
invadir a casa, não fez um cerco, reduzindo as chances de confronto e morte?
- Se a Secretaria de
Segurança Pública da Bahia vai investigar as circunstâncias da morte, por que o
local onde Adriano foi morto não foi protegido ou isolado, evitando
contaminação?
FOLHAPRESS
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