Parte de Barbalha ainda dormia
quando Francisco George da Silva, 63, o George Pintor, se levantou. Por volta
de 1 hora da madrugada do domingo (2), ele e mais cinco pessoas seguiram até o
Sítio Roncador, onde o mastro da bandeira de Santo Antônio "dormia",
por 15 dias, na "cama do pau", para perder líquido e ficar mais leve.
O angico de 26 metros com cerca
de duas toneladas, anualmente, é arrastado por mais três quilômetros, antes de
ser colocado nos ombros de aproximadamente 250 homens - tradição que acontece
desde 1928. Desde 2015, a Festa do Pau da Bandeira foi reconhecida como
patrimônio cultural, pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
(Iphan).
A festa, realizada em Barbalha,
chegou ao seu momento mais marcante no início da noite de ontem (2), quando o
símbolo foi erguido no largo da Igreja Matriz de Santo Antônio. Isso também
representa a abertura dos festejos do padroeiro da terra dos "Verdes
Canaviais".
A rotina de George Pintor é a
mesma há 20 anos. Antes do grupo de carregadores se acordar, ele arrasta e
prepara o pau da bandeira para ser conduzido por cerca de seis quilômetros pelo
Centro Histórico. Além disso, coloca as cordas para controlar o percurso do
mastro, os cintos para evitar rachaduras na madeira e os pneus que amortecem o
impacto. "Antes era só eu e mais um. A gente subia meia-noite. Nosso
alimento era um litro de uísque e pão".
Do sábado para o domingo,
praticamente ninguém dorme com ansiedade, segundo George, que completou 50 anos
como carregador. Há anos, promete abandonar a tradição, mas, quando se aproxima
a festa, desiste. "Digo que vou deixar porque tô cansado, mas vem essa
ansiedade. Hoje, não carrego, mas vou organizando", conta.
Com dores no joelho, George
também traz no corpo as marcas de carregar. Em uma edição, sofreu fratura no
dedo quando o mastro caiu no seu pé. "Hoje, não mexe as juntas. É todo
duro", diz.
Seu tio, Vicente, e os primos
participavam da manifestação quando o pintor, ainda menino, acompanhava, mesmo
contrariando seu pai. "Todo ano era uma 'pisa'. Ele ficava esperando na
praça. Tinha medo de que eu começasse a beber", lembra. No dia anterior ao
cortejo, George preparou uma galinha caipira, vinagrete, suco e uísque para
dividir com os carregadores.
Veteranos
O professor Antônio Valmir
Rodrigues, um dos organizadores, passou a acompanhar o pau da bandeira por meio
do seu pai, Osmir. Aos 12 anos, segurava chinelo, camisa e servia água para o
pai. "Fui aprendendo, vivenciando e criando gosto. Se o pau gira, ele cai.
Se levantar de uma vez, ele cai", advertia Osmir. Hoje, o professor tem 22
anos na manifestação popular.
A celebração começa 15 dias
antes, no corte da árvore. Mais uma vez, foi escolhido o pé de angico. A
retirada aconteceu, na manhã do dia (17). Logo cedo, os carregadores se
concentram no Mercado Central. Lá, é servido um caldo e acontece uma queima de
fogos. De lá, o grupo segue até a Igreja Matriz onde é feita a bênção. Depois,
partem para o Sítio Flores, a 8 quilômetros da sede do Município, onde o pau da
bandeira é demovido.
"No dia do corte, ele deixa
de ser árvore e passa a ser o mastro da bandeira de Santo Antônio. Tem uma
simbologia grande. Ao mesmo tempo que é sagrado, é profano. Todos têm cuidado e
respeito", explica Valmir. A casca é retirada e seu destino é um chá,
feito como simpatia para as moças conseguirem um casamento.
Acidente
A saída do Pau da Bandeira
começou ao meio-dia. Antes disso, é feita uma oração. "A gente pede para
que não aconteça nenhum acidente com os carregadores, visitantes", conta
Valmir. Há quatro anos, a tradição viveu um momento triste: a morte do carregador
Cícero Ricart, conhecido como "Careca", de 39 anos.
De lá para cá, um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado entre o Ministério Público do Estado
do Ceará, a Secretaria de Cultura de Barbalha e os carregadores. Em virtude
disso, os carregadores recebem uma camisa que serve para identificá-los.
A passagem do pau da bandeira
pela Rua do Vidéo, que concentra o maior número de visitantes, é um dos
momentos mais inesquecíveis. Milhares de pessoas se espremem, enquanto o angico
é levado nos ombros. Com o cansaço, soltam a árvore no chão. É neste momento
que as pessoas rompem o cordão de isolamento e lutam para tocar no pau. Eles
acreditam que ao tocar no símbolo irão para o altar em breve. Os próprios
carregadores entregam lascas do pau para os brincantes.
O estudante Salomão Veloso, 20
anos, é um dos mais jovens a participar do cortejo.Começou aos 9 anos, quando
acompanhava o cortejo pelo carro da água, só observando. Aos 14, passou a puxar
a corda e hoje representa a quarta geração de carregadores de sua família. Tudo
começou com seu bisavô, Melquíades da Costa Veloso, o segundo capitão da
história do pau da bandeira em Barbalha.
ANTONIO RODRIGUES
REPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste
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