Pesquisadores da UFRJ identificaram casos de três pacientes
infectados em 2016; sintomas semelhantes fazem deste vírus um 'primo' da
chikungunya.
Mosquito: dengue, zika e chikungunya são transmitidas pelo Aedes Aegypti; febre do mayaro, pela picada de Haemagogus — Foto: Emphyrio/Pixabay |
Além dos nomes dengue, zika e chikungunya, os moradores e o poder público do Rio de Janeiro
poderão ser apresentados a outro vírus, também transmitido por mosquitos e que
dá indícios de ter adoecido pessoas do Estado nos últimos anos: o mayaro.
Na semana passada, o Laboratório de
Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgou
que seus pesquisadores, liderados por Amilcar Tanuri e Rodrigo Brindeiro, confirmaram casos de infecção
pelo mayaro em
três pacientes adoecidos em 2016, todos da cidade de Niterói.
O mayaro é endêmico (tem presença
contínua) na Amazônia e é normalmente transmitido pelos mosquitos do
gênero Haemagogus, que vive nas matas e também é conhecido por propagar a
febre amarela silvestre. É um perfil diferente do Aedes aegypti, vetor da dengue, zika, chikungunya e da febre amarela
urbana - já que este vive nas cidades.
Em entrevista à BBC News Brasil por
telefone, Tanuri explicou que sua equipe ainda busca detalhes sobre os
deslocamentos destes pacientes para, por exemplo, regiões de mata no próprio
Estado fluminense – mas suas fichas indicam que eles não viajaram para regiões
endêmicas no período em que foram infectados.
A notícia da chegada do mayaro ao Estado prenuncia desafios: a
infecção por ele causada gera sintomas semelhantes à causada por chikungunya,
como febre alta e dores articulares, o que dificulta o diagnóstico. Por isso,
ele é chamado de "primo" da chikungunya.
A gravidade da infecção pelo mayaro é considerada moderada, mas já
houve casos com complicações sérias como hemorragia, problemas neurológicos e
até morte. Não há imunização ou tratamento específico para a doença, mas sim o
controle de seus sintomas, como por exemplo o uso de remédios para controlar a
febre.
A confirmação da presença do mayaro no Rio também é um passo
inicial diante de muitas incógnitas ainda a serem descobertas pelos cientistas;
entenda.
O que se sabe sobre a doença
O vírus foi isolado pela primeira vez na década de 50 a partir de
amostras de sangue de pacientes infectados em Trinidad e Tobago, na América
Central.
Casos no Brasil já foram registrados ainda em 1955 em um surto em
Belém do Pará, e posteriormente em outras partes da Amazônia e do Centro-Oeste,
como em Goiás há quatro anos.
Em outros países, a proximidade com a floresta também é decisiva
na manifestação da doença, como em regiões do Peru, Bolívia e Venezuela.
"Os principais celeiros das arboviroses (vírus transmitidos
por artrópodes, como os mosquitos) estão na floresta amazônica, com 192 tipos
de vírus (já descritos), mas nem todos em humanos; e a costa oeste da África,
com mais 600 tipos", explica o epidemiologista.
No caso do mayaro, mamíferos - incluindo os humanos - e até aves
já foram descritos como hospedeiros para o vírus, ou seja, são
"reservatórios" cujo material infectado é transmitido pelos mosquitos.
Os insetos do gênero Haemagogus são o principal vetor, mas
pesquisadores acreditam que o Aedes aegypti pode ser um transmissor
"competente" do vírus - e isto traz implicações sérias para o
desenvolvimento da doença nas cidades.
O que falta entender
Os pesquisadores da UFRJ identificaram o mayaro a partir da
análise a nível molecular de 279 amostras que, pelos sintomas, indicavam
infecção por chikungunya.
Mas 57 destas amostras não puderam confirmar a presença da
chikungunya, e então os cientistas fizeram uma reanálise delas. Com uma técnica
chamada PCR em Tempo Real, a equipe conseguiu finalmente identificar um gene
específico do mayaro em três amostras. Os resultados devem ser consolidados e
publicados nos próximos meses em um artigo.
"Nosso interesse agora é descobrir se em 2019 o vírus
continua circulando. Se está circulando, onde? E ele já pôde infectar mosquitos
urbanizados?", indica Amilcar Tanuri.
Para buscar estas respostas, a equipe está correndo atrás de
amostras de pacientes infectados neste ano, inclusive em outras partes do
Estado como cidades que já tiveram casos de febre amarela silvestre - portanto,
envolvendo o Haemagogus ou ainda o mosquito Sabethes.
E, como indicou Tanuri, os cientistas procuram também indícios se
o Aedes já possa ter picado um hospedeiro do mayaro e estar transmitindo o
vírus, ampliando em muito a possibilidade de expansão da doença nas cidades.
Neste cenário, uma das medidas mais importantes a ser tomada já é
conhecida - mas ainda deficiente: o combate ao mosquito, com a promoção do
saneamento e da limpeza, impedindo a proliferação de ovos e larvas do vetor na
água parada, por exemplo.
"(Este tipo de arbovirose) É um subproduto da expansão das
fronteiras agrícolas, da entrada da zona urbana dentro da mata, do movimento de
pessoas", explica Tanuri.
Desafios para levar pesquisa adiante
Segundo o cientista, dos mais de 6 mil casos relatados pelo Estado
do Rio de Janeiro como indicativos de chikungunya neste ano, cerca de 20% não
foram conclusivos para confirmação desta doença - o que abre margem para que
possam na verdade incluir casos de mayaro.
Mas estudar milhares de amostras implica em custos e demanda
investimentos, o que joga luz sobre obstáculos sérios a serem enfrentados na
investigação. Segundo Tanuri, "desde 2014" o investimento em pesquisa
através de órgãos de fomento federais e estaduais vem caindo, e agora neste ano
o cenário deve ser agravado pelo contigenciamento de verbas para universidades
federais como a UFRJ - afetando condições básicas para o estudo, como o
fornecimento de luz, água, limpeza e segurança.
Em 2016, o trabalho da equipe de Amilcar Tanuri e Rodrigo
Brindeiro no laboratório da UFRJ chegou a uma das publicações científicas mais
importantes do mundo, a revista Lancet, na qual os brasileiros apresentaram
o sequenciamento completo do genoma do zika.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, de dezembro de 2018 ao
início de maio, o Rio de Janeiro foi o Estado com a maior incidência de
chikungunya no país - configurando um surto. Já em relação à dengue, zika e
febre amarela, um relatório de janeiro do governo estadual mostra que a
situação é melhor do que nos anos anteriores.
G1
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