O anúncio feito pelo Ministério
da Educação (MEC), no final de abril, de que as instituições federais de ensino
superior sofrerão um bloqueio de 30% do seu orçamento de custeio causa enorme
preocupação nos alunos, pesquisadores e servidores das universidades Federal do
Pará (UFPA) e Federal Rural da Amazônia (Ufra). Os gestores também admitem
enorme preocupação e dúvidas sobre a capacidade de funcionamento desses
institutos até o final do próximo semestre se não houver uma reversão da medida
restritiva.
Vale lembrar que as universidades federais vem
assistindo a uma redução gradativa de seus orçamentos desde 2015, o que já
vinha diminuindo suas capacidades de investimento. Só que da maneira como a
questão está posta agora, até mesmo custos com limpeza, segurança e energia
elétrica dos campi estão em risco.
Durante a semana, tanto os estudantes da UFPA
quanto da Ufra encabeçaram movimentações contra o posicionamento do Governo
Federal. Na primeira, a quarta-feira (8) e a quinta (9) foram dias de protesto
no campus do bairro do Guamá, enquanto que na segunda houve assembleia
estudantil com a Pró-Reitoria de Administração e Finanças para tratar sobre os
setores atingidos pelo corte de recursos.
Estudantes do terceiro semestre de Biblioteconomia
da UFPA, Jessica Borges, 20, e Priscila Gomes, 19, afirmam que já sentem, no
dia a dia da graduação, problemas causados pela falta de dinheiro.
PESQUISA
“O banco de dados já é deficiente, para a pesquisa
de campo é dificílimo de conseguir auxílio. Os cursos de idiomas (da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) estão para fechar”, lamenta
Jéssica, que assim como a colega quer seguir, após a formatura, para a
pós-graduação na intenção de fazer pesquisa. “Nosso curso dá um embasamento
super importante, mas é bastante desvalorizado. Com esse corte aí mesmo que
perdemos credibilidade”, complementa Priscila. “Moro na Terra Firme a minha
vida inteira e meu ‘plano de saúde’ sempre foi a UFPA, sempre me tratei no
Bettina Ferro, fiz tratamentos na faculdade de Odontologia”, detalha,
reconhecendo a importância da existência da universidade para além dos limites
do campus.
Cursando o 8º semestre de Licenciatura da
Computação na Ufra, Ronaldo Martins, 32, recebeu a notícia dos cortes com
tristeza. “A primeira impressão era que tudo aquilo que o corpo acadêmico
produz não tem impacto na sociedade, sendo que, na verdade, a sociedade em
geral faz uso de todos as produções universitárias”.
Ele teme que muitas pesquisas e artigos sejam
deixados de lado. Prestes a se formar, Ronaldo já desenvolve uma linha de
pesquisa acadêmica voltada ao empreendedorismo universitário, e como outros
estudantes, enfrenta dificuldades relacionadas a precariedade de recursos. “A
falta de verba torna o ambiente universitário brasileiro ainda mais em
descompasso com as inovações tecnológicas. Aí as faculdades podem virar um
ambiente comum, sem significado digno de busca de conhecimento, sem inovação,
sem produções que possam nos manter como país de economia capaz de inovar em
várias áreas”.
No início do mês, o reitor da UFPA, Emmanuel
Tourinho, fez uma apresentação da situação da instituição diante das restrições
impostas. Explicou que dos R$ 9 milhões previstos para despesas de investimento
em 2019, 50% desse valor foi bloqueado. Para as despesas de custeio, destinadas
ao pagamento da energia elétrica, vigilância, limpeza, manutenção predial e
material de consumo para os laboratórios e para o funcionamento administrativo,
houve o congelamento do orçamento e perda real de 25% do que a UFPA recebia.
Foram bloqueados R$ 55 milhões dos R$ 163 milhões estimados. “O país não vai
construir um novo cenário de desenvolvimento econômico e social se perder a
competência científica e tecnológica”, defendeu o reitor.
Pró-reitor adjunto Administrativo e de Finanças, Arthur Lisboa explica
que o recurso aprovado para as federais era, costumeiramente, liberado em
parcelas. A Ufra já havia recebido 40% do estimado para custeio e 10% do que
era para investimento. No final de abril, era esperada uma nova liberação, mas
o bloqueio criado mudou a organização feita. “Para nós, foram quase R$ 16
milhões a menos, o que nos complica porque o orçamento é elaborado no ano
anterior, e quando ocorre algo assim, quebra todo um planejamento”, destaca.
“O Hospital
Veterinário, uma demanda de grande impacto social, sofreu 30% de cortes nas
ações de custeio e investimento. Mas o corte de 34%, quase R$ 12 milhões para
pagamento de luz, água, segurança, limpeza e toda uma rede que dá suporte à
universidade como um todo é que pode mesmo prejudicar ações que tenham sofrido
menor corte ou mesmo nenhum”, avalia, antecipando que podem haver dificuldades
em manter tudo funcionando até o final do segundo semestre.
"Há falta de recursos para a pesquisa"
Para muitos, há uma
questão política por trás dos cortes. Servidora da UFPA, Milene Lauande lembra
que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada durante a gestão do
ex-presidente Michel Temer (MDB) para congelar os investimentos em Educação e
Saúde por 20 anos já foi um baque forte para a universidade.
“Há falta de recursos
para a pesquisa e 90% de toda a pesquisa realizada no Brasil sai das
universidades, mas o país parece não estar muito aí para a ciência, o que é uma
maldade. São projetos que influenciam diretamente na vida das pessoas”.
A professora do
Instituto de Ciências de Arte e coordenadora da Assessoria da Diversidade e
Inclusão, Zélia Amador fala em perseguição sistemática. “Temos certeza de que,
na verdade, o Governo Federal está usando a autonomia das universidades para
conseguir a aprovação da reforma da previdência”, critica. “Estão ameaçados os
processos de conhecimento que as universidades brasileiras têm desenvolvido no
país, estamos ameaçados todos nós”.
(Carol Menezes/Diário
do Pará)
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