Desde abril, a situação se repete:
quando o presidente Michel Temer (MDB) viaja para o exterior, Rodrigo Maia
(DEM-RJ) e Eunício Oliveira (MDB-CE), presidentes da Câmara e Senado,
respectivamente, seguem o mesmo caminho. O motivo é eleitoral: Maia e
Eunício não querem correr o risco de serem impedidos de disputar as eleições em
outubro.
Informados pelo Palácio do Planalto da
presença de Temer na reunião do Mercosul nesta segunda-feira, 18, no Paraguai,
Maia e Eunício acertaram compromissos em Portugal e na Argentina,
respectivamente. Temer embarcou para o Paraguai na manhã desta segunda e
retorna ao Brasil no mesmo dia à noite. Eunício e Maia deixaram o país já no
fim de semana.
Assim, a presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Cármen Lúcia, deve assumir a Presidência da República pela
segunda vez neste ano. Em 13 de abril, a ministra despachou do Planalto graças
às viagens de Temer ao Peru, de Maia ao Panamá, e de Eunício ao Japão.
Como o Brasil no momento não tem
vice-presidente, Maia e Eunício são os seguintes na linha sucessória. Quando
eles também saem do país, Cármen Lúcia exerce a Presidência.
Questionadas pelo Portal G1,
as assessorias do presidente da Câmara e do Senado confirmaram que as viagens
ao exterior foram agendadas em razão da ida de Temer à reunião do Mercosul.
Risco de ficar de fora da eleição
Especialistas explicam que, no caso de
ficarem no exercício da Presidência da República por algum período nos seis
meses anteriores à eleição, Maia e Eunício só poderiam concorrer à Presidência.
Ou seja, não poderiam disputar outros cargos nas eleições de outubro.
Conforme o professor de Direito
Eleitoral, Antônio Augusto Mayer dos Santos, o artigo 14 da Constituição prevê
que presidente, governadores e prefeitos podem tentar uma vez a reeleição e, se
desejarem disputar outro cargo, devem renunciar até seis meses antes da
eleição.
“Se Maia e Eunício assumirem a
Presidência neste período pré-eleitoral, a quatro meses da eleição, eles
poderiam disputar apenas a eleição à própria Presidência. Eles não poderiam
tentar um novo mandato de deputado e senador”, diz Mayer dos Santos.
Leia abaixo trecho do artigo 14 da
Constituição que trata do assunto:
·
5º O Presidente da República, os
Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver
sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um
único período subsequente;
·
6º Para concorrerem a outros cargos, o
Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os
Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do
pleito.
Reeleição
Eunício é pré-candidato à reeleição
como senador pelo estado do Ceará. Maia, por sua vez, lançou pré-candidatura à
Presidência da República pelo Democratas. Contudo, nos bastidores, não descarta
concorrer a um novo mandato de deputado federal.
Especialista em Direito Eleitoral, o
advogado Francisco Emerenciano lembra que a legislação não faz distinção entre
quem assume a Presidência em definitivo ou quem apenas fica no exercício do
cargo por poucos dias, substituindo o titular durante uma viagem. “É
desproporcional ficar inelegível para outros cargos por assumir a Presidência
por um dia, mas a legislação não faz essa ressalva”, afirma Emerenciano.
No caso de Maia, o risco de
inelegibilidade também poderia complicar o eventual interesse de seu pai, Cesar
Maia, de disputar as eleições de outubro no estado do Rio de Janeiro.
A Constituição também estabelece que
ficam inelegíveis parentes de até segundo grau do presidente ou de quem o tenha
substituído nos seis meses anteriores à eleição, exceto quando esse familiar
concorre à reeleição. Cesar Maia é vereador na cidade do Rio Janeiro.
“Rodrigo Maia assumindo a Presidência,
automaticamente seu pai não poderia concorrer a deputado, senador ou governo no
Rio”, explica o professor Mayer dos Santos.
Leia abaixo trecho do artigo 14 da
Constituição que trata do assunto:
·
7º São inelegíveis, no território de
jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o
segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado
ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído
dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato
eletivo e candidato à reeleição.
Consulta ao TSE
Os especialistas ouvidos
pelo Portal G1 também afirmam que Rodrigo Maia e Eunício Oliveira
preferem viajar nas mesmas datas que Michel Temer por precaução.
Professor da FGV Direito Rio, Michael
Mohallem diz que não há uma regra definida sobre a possibilidade de quem está
na linha sucessória declinar de assumir a Presidência, permanecendo no Brasil.
“Não há clareza na lei porque a ordem
de sucessão presidencial, em tese, é automática. Há também controvérsia sobre
se a recusa a assumir a Presidência significaria uma renúncia ao cargo de
comando da respectiva casa legislativa”, declara.
O tema, inclusive, foi alvo de um
questionamento feito pelo Democratas, partido de Maia, ao Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). A sigla apresentou consulta formal à Corte para saber se fica
inelegível quem substituir, nos últimos seis meses do mandato, como interino, o
presidente da República.
O partido ainda perguntou se é possível
declinar de ficar no exercício da Presidência em razão dessa eventual
inelegibilidade. O relator da consulta é o ministro Luís Roberto Barroso.
Segundo o TSE, o caso está pronto para ser julgado, mas ainda não há uma data
definida para analisar o questionamento.
‘Abusos de poder’
Segundo o advogado Ademar Costa Filho,
a inelegibilidade para outras funções – gerada a quem assume a Presidência da
República seis meses antes da eleição – tem o objetivo de evitar “abusos e
desvios de poder”.
“É para evitar que a pessoa use do
cargo – editando um decreto de liberação de verbas, por exemplo – para se
beneficiar na disputa por outra função, como uma vaga na Câmara ou no Senado”,
diz o especialista em Direito Eleitoral.
Na avaliação do advogado, uma saída,
para evitar que os presidentes da Câmara e do Senado viajem ao exterior quando
o chefe do Executivo se ausentar do país nos seis meses anteriores à eleição,
seria retirar a obrigatoriedade de assunção desses parlamentares à cadeira
presidencial.
Ademar Costa Filho afirma que, apesar
dos avanços tecnológicos, é imprescindível ter, na Presidência da República,
uma pessoa que esteja em território nacional. “A Constituição é de 1988, outra
época. Mas, se o presidente estiver em viagem a um país que não é de fácil
acesso, e, por exemplo, desata uma nova greve dos caminhoneiros, o país não
pode prescindir do controle, da presença do presidente”, opina.
O professor Michael Mohallem discorda.
Para ele, o presidente tem condições de governo mesmo fora do país. “A regra
fazia sentido há 60 anos, quando a comunicação era mais difícil e o presidente
perdia o contato direto com o país. Hoje, o presidente consegue pelo telefone ou
do próprio avião presidencial tomar decisões importantes”, afirma.
Novas viagens
Na contagem regressiva para o pleito de
outubro, existe a possibilidade de que Cármen Lúcia assuma a Presidência da
República novamente até as eleições.
Temer pode ir à África do Sul em julho
para a 10ª Cúpula do Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul. O encontro ocorrerá entre 25 e 27 de julho em Johanesburgo.
Temer também pode ir outra vez ao
Paraguai em 15 de agosto, para a posse do presidente eleito Mario Abdo Benítez.
Precedente
Situação semelhante à verificada neste
ano ocorreu na última eleição presidencial, em 2014. Na oportunidade, o então
presidente do STF, Ricardo Lewandowski, ficou no exercício da Presidência
da República.
À época, a presidente Dilma Rousseff
foi aos Estados Unidos e o vice Michel Temer ao Uruguai. Os presidentes da
Câmara e do Senado, Henrique Alves (MDB-RN) e Renan Calheiros (MDB-AL) não
assumiram a Presidência porque alegaram impossibilidades eleitorais.
Alves, que hoje cumpre prisão
domiciliar, concorreu ao governo do Rio Grande do Norte e foi derrotado. Renan
não disputou a eleição de 2014, porém seu filho, Renan Filho, foi eleito
governador de Alagoas.
Com informações G1
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