O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o FHC, em artigo
publicado neste domingo (3), defende o fim da Operação Lava Jato.
O tucano quer um
basta nas investigações justamento no momento em que as investigações chegam ao
PMDB e ao interino Michel
Temer — e ameaçam devastar o PSDB.
Para FHC, o rigor
da lei é somente para puta, pobre e petista.
Antes do
ex-presidente tucano, Romero Jucá (PMDB-RR) fora flagrado em áudios tramando o
fim da Lava Jato, dentre outros peemedebistas do governo golpista.
Abaixo, leia a íntegra do texto de
FHC:
Um pouco de bom senso
Descartes, em frase
famosa, escreveu que o bom senso é a faculdade melhor distribuída no mundo. Na
época, bom senso se referia à razão. Traduzindo para hoje: a inteligência das
pessoas se distribui entre elas seguindo uma curva normal. Pode ser. Mas o
common sense dos americanos é outra coisa: a sabedoria. Seja no sentido
francês, seja no inglês, parece que o mundo de hoje perdeu o senso. De hoje?
Muito comumente os
que tomam decisões pouco se preocupam com os dias futuros. O tempo passa, e
quem paga a conta são as gerações futuras. A falta de senso vem de longe. Basta
olhar para o que vimos ainda esta semana. Seja o Isis, seja quem for o
responsável pelos ataques terroristas na Turquia, eles são respostas
irracionais a atos também irracionais do passado.
Não foi o
colonialismo inglês que partiu o Oriente Médio em Estados-nação que controlam
etnias, religiões e culturas distintas? E, na África, os ingleses não contaram
com a ativa cooperação dos franceses e demais potências ocidentais para criar
países artificiais? Mais recentemente, não foram os americanos no Iraque, os
europeus na Líbia, e todos juntos na Sí- ria, que fizeram intervenções para
restabelecer o “bom governo” e deixaram os países divididos e ingovernáveis?
E não foram outras
pessoas que pagaram com a vida, décadas depois, o ardor missionário dos
terroristas de vários tipos? Mais recentemente, a maioria dos britânicos votou
por separar o Reino Unido da Comunidade Europeia. Só depois se assustaram.
Amanhã, acaso os americanos não podem pregar uma peça neles próprios (e em todo
o mundo) e eleger o Trump?
Espero que não.
Mas, em qualquer dos casos (e ainda que os ingleses tenham lá seus argumentos
contra a “burocracia de Bruxelas”), as consequências, como a sabedoria de Eça
fazia o conselheiro Acácio dizer, vêm sempre depois. Escrevo isso não para
justificar, mas para tentar explicar algo do que ocorre entre nós.
Assim como no
passado outras visões do mundo puderam levar alguns povos, momentaneamente, à
insensatez, e esta cobrou seu preço no transcorrer do tempo, no mundo atual há
um sentimento antiordem estabelecida, que poderá cobrar preço alto no futuro.
Está na moda, por motivos compreensíveis, colocar no pelourinho a política e os
políticos.
Não é só aqui e vem
de longe. O mesmo movimento que levou à ampliação da interação social, saltando
grupos, Estados e nações, baseado no acesso à informação e às novas tecnologias,
pôs em xeque as instituições tradicionais, tanto das ditaduras como das
democracias representativas. Foi assim na “primavera árabe”, do mesmo modo que
nos movimentos dos “indignados” da Espanha, agora no anti-Bruxelas da
Grã-Bretanha.
E não é de outra
índole o tipo estranho de protesto que permitiu Trump derrotar os “donos” do
Partido Republicano, ou o susto que o senador Bernie pregou em Hillary. Por
todos os lados há um mal-estar, um inconformismo: todos vêm e sabem que a vida
pode ser melhor, sentem que o progresso material cria oportunidades, mas delas
se apoderam alguns, não todos.
Deriva daí, como do
desemprego, que é outra faceta da desigualdade básica de apropriação de
oportunidades, uma insatisfação generalizada que se volta contra “los de arriba”.
O horizonte parece toldado, mas não ao ponto de impedir que “los de abajo”
vislumbrem bom tempo para alguns, o que irrita. Irrita mais ainda quando há um
sentimento de impotência, porque os que sabem e possuem têm vantagens
desproporcionais diante da maioria que vê o bonde da História passar.
Essa constatação só
aumenta a angústia e a responsabilidade dos que dela têm noção. Tivemos no
Brasil, à nossa moda, algo disso. Há responsáveis, mas não vem ao caso acusar.
Provavelmente alguns deles, se forem intelectualmente honestos, estão se
perguntando: por que não vi antes que endividar irresponsavelmente o país,
mesmo que a pretexto de aumentar momentaneamente o bem-estar do povo e criar
ilusões de crescimento econômico, é algo ruinoso, que as gerações futuras
pagarão?
Exemplo simples:
quando foi derrotada a emenda na Previdência Social de meu governo, que definia
uma idade mínima para as aposentadorias, não faltou quem gritasse vitória.
Alguns dos mesmos que década depois se deram conta de que não se tratava de
“neoliberalismo”, mas de projetar no futuro próximo as consequências
financeiras de tendências demográficas inelutáveis. Diante do estrago, não
adianta chorar: é darmo-nos as mãos e ver se encontramos caminhos.
Digo há tempos que
o sistema político atual (eleitoral e partidário) está “bichado”. Sou defensor das ações da Lava-Jato e
sei que sem elas seria mais difícil melhorar as coisas. Mas não nos iludamos:
sem alguma forma de instituição política e sem políticos que a manejem, não
será suficiente botar corruptos na cadeia para purgar erros de condução da
economia e da política.
Que se ponha na cadeia quem for
responsável, mas que não se confunda tudo: nem todos os políticos basearam sua
trajetória na transgressão, e nem todos que financiaram a política, bem como os
que receberam ajuda financeira, foram doadores ou receptores de “propinas”. Se
não se distinguir o que foi doação eleitoral dentro da lei do que foi “caixa
dois”, e esta do que foi arranjo criminoso entre governo, partidos, funcionários
e empresários, faremos o jogo de que “todos são iguais”. Se fossem, que saída
haveria?
Está na hora de
juntar as forças descomprometidas com o crime, e elas existem nos vários
setores do espectro político, para que o bom senso volte a imperar e para que
possamos recriar as instituições, entendendo que no mundo contemporâneo a
transparência não é uma virtude, mas um imperativo, e, por outro lado, que se
não houver meios institucionais para decidir e legitimar o que queremos não
sairemos da desilusão e da perplexidade.
Não é hora só para
acusações, é hora também para a busca de convergências.













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