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Luta pelo Soldadinho do Araripe completa 20 anos

A ave que se tornou símbolo da luta pela preservação da Chapada do Araripe e existe apenas na região, especialmente na pequena faixa de Mata Atlântica, completa 20 anos de descoberta por biólogos. O resistente soldadinho-do-araripe não recebeu à toa esse nome. Tem superado o tempo e ação do ser humano junto ao meio ambiente, dando oportunidade de reflexão e proporcionando ações que possibilitem um freio à devastação.

O trabalho da Organização Não Governamental (ONG) Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis) tem contribuído de forma decisiva para manter viva a espécie. São 277 casais existentes em algumas áreas, conforme a última contagem, onde estão presentes as fontes de água, nas áreas de Barbalha, Crato e Missão Velha. Mas a ave ainda está entre as criticamente em perigo de extinção.

Das 10 mil espécies de aves do mundo, só 200 estão nessa condição, o que corresponde a 2% dos pássaros mais ameaçadas do Planeta. Um grupo muito delicado. A descoberta foi realizada pelos biólogos Galileu Coelho, professor aposentado da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), e Weber Girão, que tem dedicado mais da metade de sua vida na luta pela preservação do soldadinho.

Campanha
O trabalho durante todos esses anos não tem sido fácil, e a maior parte dos recursos para manter as ações ainda vem de outros países, como a Inglaterra e Estados Unidos, além de uma boa injeção de recursos do Paraná. No Ceará apenas o Serviço Social do Comércio (Sesc) tem contribuído basicamente com cerca de 10%.

A luta agora é pela adesão de pessoas para o projeto Arca de Noé, desenvolvido em parceria com a Companhia Energética do Ceará (Coelce), para que sejam inseridos na conta de luz valores de doação, temporários ou regulares, acima de R$ 2. A campanha vem sendo divulgada pela ONG e levada a público, para que haja o maior número possível de doações.

Durante a Semana da Água e da Árvore do Crato, que começa neste dia 28, nos 20 anos do soldadinho, será levado à Câmara Municipal da cidade, o projeto Coelce Aquasis, para expor a campanha em favor das ações em prol da conservação da espécie. As pessoas podem ter mais informações no site da Coelce ou mesmo da ONG, e efetuar a sua contribuição, que será repassada para o projeto. "Se conseguíssemos dotar essa balança, a gente teria mais de 50% das despesas sendo do Ceará, e se fosse do Cariri, melhor ainda", aposta.

A contagem do pássaro, desde que se chegou a um levantamento completo, está sendo refeita. É a segunda vez que acontece de forma praticamente total referente ao número existente, batendo exatamente com as estimativas que eram feitas desde o começo das ocorrências, iniciadas na fonte do Farias, em Barbalha, onde foi encontrado o primeiro exemplar. Em Crato, já houve a conclusão, ainda restando as cidades de Barbalha e Missão Velha.

Segundo o biólogo Weber Girão, em algum momento houve mais exemplares, e, de acordo com um estudo genético, se comprova a chamada estruturação da população. Com os levantamentos realizados, chegou-se à conclusão que houve uma grave redução há tempos e isso se deve à própria ocupação do Vale do Cariri, mesmo já tendo uma povoação pequena.

Desde 2006 que a imagem do pássaro começou a ser trabalhada. Depois da primeira boa foto dele, passou a figurar nos mais importantes livros sobre aves editados no mundo. Um banner de sete metros, colocado na praça da Sé do Crato, durante a Mostra Sesc, levou para a população a descoberta. "E aí as pessoas começaram a ver aquela ave que era conhecida somente por quem estava no sopé da serra. Isso começou a criar o pássaro no imaginário popular, com significados e tudo, só que esse soldadinho é indissociável da ave que está no mato. O detalhe é que ela já é um símbolo, porque existe apenas no Cariri, mas se ela for extinta, vai se tornar um símbolo de vergonha", afirma o biólogo.

Achado
A descoberta foi em dezembro de 1996. Em 2000 foram achados novos pontos de ocorrência, em Crato e Missão Velha. O primeiro projeto de conservação do soldadinho-do-araripe foi produzido em 2003 e encerrado em 2004, e esse trabalho elevou de três pontos de ocorrência para 15. Agora são mais de cem.

Do primeiro levantamento até recentemente, se tinha os números, com o primeiro estudo, em 15 fontes. A partir da quantidade de pássaros da espécie encontrada, havia uma projeção do restante, ou seja, 20% de levantamento e 80% de estimativa. O número seguinte caiu para 40%, chegando a 3%. "Hoje, essa contagem é bem mais sólida, e o que tinha priorizado no começo era parecido com o último, mostrando a precisão que tivemos em estimar", explica. Até que aconteceu o senso com 100% da população, e sem mais estimativas. Um número real.

Até dezembro deste ano, quando foi realizada a descoberta, se espera ter o levantamento completo. Mas já existem alguns dados preliminares. Com os dois levantamentos realizados em Crato, se identificou a perda no Município, preliminarmente, de 7%, e isso não representa um valor pequeno, e mostra que se deu principalmente pela má gestão da água e incêndio, o último em grandes proporções, na floresta. "Caso tivéssemos essa perda como contínua, a gente não teria mais como comemorar os 40 anos do soldadinho", diz ele. Em Barbalha e Missão Velha, com a segunda contagem, é fechado o levantamento pela segunda vez.

O soldadinho, conforme Weber, é uma espécie resistente. "Se a gente fizer um pouquinho, ele reage muito bem", acrescenta. O trabalho sistemático em torno do soldadinho começou mais intensamente a partir de 2003, de forma sistemática, e tanto é que esse trabalho passou a fazer parte de uma estratégia ininterrupta, e começou com subsídio a um plano de manejo, que evoluiu para um plano de conservação e passou a integrar um plano de ação nacional, que está sendo renovado neste ano, com uma estratégia de conservação que é uma das melhores do País. O plano de conservação vai envolver um acordo com a sociedade para a divisão de tarefas, com prazos e custos. Articular um trabalho para a conservação do lixo, com os parceiros como a Cogerh, que se insere com metas a cumprir.

Nesse Plano de Ação Nacional, a eficiência foi de 50%, considerado pelos próprios técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), como o melhor do País. "É um trabalho admirado, bonito, mas a gente tem que fazer um pouco mais", diz. Outro aspecto é que a estratégia nacional de conservação da fauna é articulada pelo Plano de Ação Nacional e existe uma tendência para os animais serem agrupados, a exemplo do Plano de Ação Nacional das Aves da Caatinga.

Várias espécies ameaçadas da Caatinga passam a integrar um plano só, mas com um trabalho de abrangência em outros Estados, o que o torna mais difícil de implementar, porque os recursos são cada vez menores para o meio ambiente. No caso do soldadinho, há um plano só para ele, exclusivo e foi renovado. Essa é uma conquista, com toda uma atenção voltada para a preservação.

Mata Atlântica
O pássaro é, basicamente, de ambiente de encostas do bioma Mata Atlântica, que é o local onde ele vive. Caso não existisse o projeto, com certeza ele poderia estar ainda aqui, mas em condições muito piores. Qualquer ação que é feita nesse ambiente o primeiro nome que é citado é do soldadinho. A presença dele ajuda na conservação do meio ambiente.

O Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Araripe foi criado em 1997, mas a Unidade de Conservação não foi concluída e nem reconhecida. Por isso não passou a ser aplicado. Um plano nacional do soldadinho passou a ser usado enquanto ele era construído. Um novo plano foi iniciado e está sendo muito bem feito, baseado na priorização desse ambiente. Ele acabou orientando o plano de manejo da APA inteira, e tem uma influência nesse processo de conservação.

Mais informações
Projeto do Soldadinho-do-Araripe
Instituto Cultural do Cariri (ICC)
Praça Filemon Teles, S/N
Centro - Crato
Telefone: (88) 3523-3873

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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