A São Paulo que começou a semana
sob o espanto diante da escuridão que arrebatou a tarde da última
segunda-feira, fenômeno originado, entre outros fatores, pela onda de fumaça
das queimadas na Amazônia, terminou a sexta erguendo a voz nas ruas contra as
posições do presidente Jair Bolsonaro sobre o desmatamento da maior floresta
tropical do mundo. Na avenida Paulista, dez dias depois de mais um ato crítico
ao Governo, em defesa da educação, manifestantes voltaram a se reunir com
faixas, bandeiras e cartazes, dessa vez motivados pela causa ambiental.
Ainda na concentração, no vão
livre do Masp, um grupo de alunos da mesma escola carregava cartazes com
mensagens que deram o tom do protesto, como “A natureza não tem cópia, preserve
a original” e “Fogo nos racistas, não na Amazônia”. Eles usavam máscaras descartáveis
que foram distribuídas aos manifestantes, em alusão irônica à poluição do ar
pelos incêndios florestais.
“Minha ideologia é a preocupação
com a natureza”, diz Igor Augusto, de 17 anos. “Vários países se mobilizaram
pela Amazônia. Espero que o Governo comece a tomar providências.” A colega
Júlia Silva, 16, é mais incisiva na cobrança a Bolsonaro. “O que a gente quer é
salvar o planeta. Estamos pensando nas futuras gerações, não em dinheiro.
Infelizmente, nosso presidente não tem essa consciência.” Kairan Barros, 18,
acha fundamental “a construção de um novo ciclo de preservação ambiental”,
enquanto Ana Letícia, 16, manifesta sua angústia com os incêndios que se
alastram pela região Norte do país. “O presidente deveria proteger a Amazônia,
mas parece que está apoiando a sua destruição.”
FOTO:
BREILLER PIRES
O público da manifestação em São Paulo se assemelha ao do último ato pela educação. Muitos estudantes e professores dividiam espaço com militantes de partidos da esquerda, integrantes de ONGs e centrais sindicais, além de defensores dos animais e do meio ambiente, a exemplo do movimento Bancada Vegana, que distribuía adesivos durante o protesto. Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, eram os nomes mais visados pelos gritos de ordem dos manifestantes. “Desde que o presidente foi eleito, eu já sabia que haveria esse descaso com a natureza. Agora, ele continua negando os números e a realidade. O céu escureceu aqui em São Paulo, mas nem assim as autoridades reconhecem que existe um problema a ser enfrentado”, afirma Fernanda Silva, 23, estudante de economia.
Protestos não ficaram restritos à
capital paulista. Em várias partes do mundo, ativistas e ambientalistas promoveram
atos em frente às embaixadas brasileiras. Outras capitais, como Belo Horizonte,
Brasília e Rio de Janeiro, também reuniram manifestantes em prol da Amazônia.
Na Paulista, o engenheiro agrônomo Lucas Esteves, 34, criticava a política
ambiental do Governo Bolsonaro por entender que ela pode ser nociva ao
agronegócio no Brasil. “Essa estratégia governamental de ignorar o desmatamento
vai custar caro a produtores que dependem de exportações. Vários países já
estão avaliando sanções aos nossos produtos.” Ele ainda destaca a
sensibilização de celebridades pelo mundo para criticar o que julga se tratar
de omissão de personalidades nacionais. “O Cristiano Ronaldo e até o Mbappé se
manifestaram sobre o que está acontecendo na Amazônia. E o Neymar fazendo propaganda
de relógio…”.
No fim da tarde desta
sexta-feira, Neymar publicou imagens em seus Stories do Instagram alertando
sobre os incêndios na Amazônia. “Não podemos descansar, apesar de saber que as
queimadas, ano a ano, se repetem”, dizia um dos posts. Nas redes sociais,
clubes de futebol também aderiram à campanha #PrayForAmazonia (Reze pela
Amazônia). O Bahia divulgou a mensagem “Sem o verde, não haverá azul, vermelho
e branco”, linha semelhante seguida pela publicação do Palmeiras, que clamou
para que “o verde não se torne cinza”. O Corinthians editou a imagem de seu
escudo, em que o mapa do Brasil aparece pegando fogo na região amazônica. Já o
São Paulo utilizou dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)
para constatar que o número de focos de queimadas no território brasileiro,
entre janeiro e agosto de 2019, cresceu 84% em relação ao mesmo período de
2018. “O debate sobre o meio ambiente e a vida na Terra não deveria se limitar
a ataques de cunho político”, registra a publicação do clube tricolor.
À noite, durante um
pronunciamento de Bolsonaro sobre a situação na Amazônia em rede nacional,
moradores de diversas cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Recife, além do Distrito Federal, também promoveram panelaços em
protesto nas janelas de suas casas.
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