Minutos antes de reencontrar o filho Antônio Cláudio Barbosa de Castro,
a dona de casa Antônia Barbosa de Castro disse: “quero dar um abraço bem grande
nele. Só Deus sabe a saudade”. A fala da mulher que esperava prontamente na porta
de entrada do Complexo Penitenciário de Itaitinga II vai muito além da saudade.
Depois de passar cinco anos preso, ontem (30), Antônio Cláudio foi
solto. Por volta das 14h30, mãe e filho se abraçaram novamente. A angústia
vivida pelo réu, por parentes e amigos teve fim quando oito desembargadores do
Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) votaram a favor da revisão da sentença e
anulação da pena contra o homem condenado, indevidamente, por estupro de
vulnerável.
Na tarde de segunda-feira (29), os magistrados votaram a revisão
criminal proposta pela Defensoria Pública do Ceará e pelo Innocence Project
(IP) Brasil, associação sem fins lucrativos que busca reverter condenações de
inocentes. Quase 24 horas após a votação, Antônio Cláudio teve, finalmente, sua
liberdade devolvida.
Antônio Cláudio era dono de uma borracharia no Mondubim e não tinha
passagens pela Polícia, quando foi detido, em agosto de 2014, por suspeita de
abusar sexualmente das oito mulheres, de idades entre 11 e 24 anos, nos bairros
Maraponga, Parangaba e Vila Peri, em Fortaleza. O caso ficou conhecido como
“Maníaco da Moto”.
Ele foi preso em 2014, preventivamente, acusado de estupro de
vulnerável. Em 2018, foi condenado a nove anos de prisão. Desde então, a luta
por Justiça ficou mais acirrada. A denúncia de “condenação injusta” chegou ao
IP Brasil logo em seguida e a instituição procurou a Defensoria. Ambos
ingressaram com uma revisão criminal. Na última segunda-feira (29), finalmente,
veio o veredicto favorável.
Na saída do Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno
Weyne, conhecido como CPPL V, Barbosa reencontrou os pais, que não via desde
quando foi recolhido à penitenciária, e agradeceu por todo o apoio na luta com
objetivo de provar que o “Maníaco da Moto” não era ele. “É como se eu estivesse
em um sonho. Faz cinco anos que não vejo nem meu pai e nem minha mãe. Eu nunca
mudei minha índole. Deus me abençoou com uma família que nunca desistiu dessa
luta. Esse aqui é o primeiro passo e ainda vou lutar sim por justiça. Não guardo
sofrimento só no coração não. Eu guardo cicatrizes no meu corpo de tudo o que
aconteceu. Não foi um sofrimento só para mim”, contou Antônio Cláudio.
Memórias cruéis
Ao lado do defensor público Emerson Castelo Branco, Antônio Cláudio
Barbosa lembrou ter presenciado rebeliões dentro da unidade prisional. Houve
muitas vezes em que ele teve fé que a Justiça seria feita e ele solto, mas, a
cada momento difícil vivendo lá dentro, um pensamento persistia: “não consigo
imaginar como pessoas que se consideram seres humanos conseguem colocar uma
pessoa inocente dentro de um lugar como esse”. Antônio Cláudio estava em uma
unidade prisional em 2016 quando a maior série de rebeliões foi registrada no
Ceará deixou 18 mortos. Entre os detentos assassinados, muitos eram acusados de
estupro.
José Joaquim de Castro, pai de Barbosa, disse que “foi só sofrimento
durante esses cinco anos. Toda noite quando eu ia deitar, pedia a Deus que
abençoasse para meu filho sair da cadeia”. Vendo o pai agradecer por vê-lo
naquele momento, Antônio diz querer rever seus amigos de Quixeramobim e também
agradece a todos que lutaram junto a ele: “o que eu mais quero agora é ficar
junto destas pessoas maravilhosas”.
Conforme Emerson Castelo Branco, o homem foi vítima de falhas gerais
durante todo o processo que levou à condenação dele. Para o defensor público,
“todas instituições erraram”. A defesa recorda que Cláudio foi considerado como
o “Maníaco da moto”, porém, das oito vítimas que prestaram depoimentos à
Polícia, sete não haviam reconhecido-o como responsável pelo crime.
O defensor destaca que o verdadeiro criminoso tem uma cicatriz no rosto
e mais de 1,80 de altura. Emerson conta que este “maníaco” já foi identificado
pelas autoridades. “Uma pessoa foi considerada de uma hora para outra como
serial killer de estupro. A Defensoria Pública e o Innocence Project só foram
atuar depois que o Cláudio tinha sido condenado em caráter definitivo, ou seja,
quando não tinha mais como recorrer. Desde o primeiro momento que conversei com
o Cláudio, ele chorava desesperado e eu pedia para ele ter calma. Agora, a
Polícia está colhendo elementos para que, com cautela, esse verdadeiro maníaco
da moto seja preso”, afirmou.
A advogada Flávia Rahal, integrante do Innocence Project, afirma que “a
única coisa que sustentou a condenação foi o reconhecimento feito pela vítima”
– não houve exame de DNA, por exemplo. O reconhecimento foi feito por uma
criança de 11 anos, vítima de estupro”. Conforme Rahal, a criança se equivocou
ao se convencer de que o borracheiro foi o autor do crime.
“Não estamos falando de um reconhecimento feito por má-fé. Ela foi
vítima de abuso, deve ser uma coisa que deixa marcas muito doloridas. E quando
ela viu a foto dele, se convenceu que era a pessoa que a atacou”, ponderou a
advogada.
Indenização
Emerson Castelo Branco e a família de Cláudio não descartam uma ação de
indenização contra o Estado para, minimamente, reparar o erro da condenação.
Segundo o defensor público, ele e Cláudio ainda não conversaram sobre isso,
“porque era uma peregrinação para provar a inocência dele. Mas claro que cabe
indenização”, disse o integrante da Defensoria.
Fonte: Diário do Nordeste
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