Quando o jovem Kaique
Sofredine chegou para almoçar no Shopping da Bahia, já no meio da tarde de
segunda-feira (12), não imaginava o que iria acontecer instantes depois. Kaique
se tornou um dos personagens de uma cena que revoltou muita gente: ele tentava
comprar o almoço para um menino em situação de vulnerabilidade quando foi
abordado por um segurança do centro de compras. Para o segurança, o menino não
poderia comer ali – mesmo que Kaique, um frequentador do shopping, tivesse se
disposto a pagar.
Parte da situação foi
gravada por uma pessoa que estava no local e, depois, postada no Facebook do
próprio Kaique. O vídeo se tornou viral. Até as 10h desta terça-feira (12), o
vídeo original tinha sido assistido por 8,9 milhões de pessoas e compartilhado
mais de 400 mil vezes. Ao longo de pouco mais de cinco minutos de gravação, é
possível ver parte da discussão entre o jovem e o segurança.
Ele segue dizendo que a
criança – um garoto magrinho, vestindo uma camisa de time de futebol e chinelos
– vai, sim, comer. Diz que ele pagaria. A discussão acontece diante de um dos
restaurantes da praça de alimentação do shopping.
O segurança, nesse
momento, também carrega um celular. Indignado, Kaique se dirige a ele mais uma
vez. “Queria ver se fosse seu filho que tivesse na rua passando fome. Eu queria
ver. Ele vai comer”, afirma, em reposta à negativa do segurança. O funcionário
do shopping pede que um funcionário do restaurante chamasse o gerente, com o
objetivo de que também se recusasse a servir a comida.
Ainda no vídeo, Kaique
diz para o segurança chamar o supervisor. Enquanto os funcionários do
restaurante atendem Kaique e a criança – que estava acompanhada, ainda, de
outro adolescente –, o segurança repete que o menino não poderia comer ali.
“Não vai, não vai”. Durante todo o período, o segurança se mantém ao lado
deles.
Quando a funcionária do
restaurante vem entregar o pedido, o segurança empurra o garoto para longe do
balcão. Kaique intervém e os três saem andando. No vídeo, é possível escutar
uma mulher revoltada com a atitude do segurança. “Não faça isso, não. Isso é
palhaçada”, diz ela.
“Eu trabalho aqui e ele
não vai comer. Ele não vai comer. Meu trabalho é esse”, afirma o segurança,
enquanto continua tentando impedir a aproximação do menino e de Kaique ao
restaurante. Neste ponto, outros dois seguranças chegam e cercam os dois. Em
seguida, um homem que parece ser o supervisor dos profissionais de segurança do
shopping surge e diz que o menino não poderia vender nada ali – a criança
segurava uma sacola amarela nas mãos.
“Certo, não pode
(vender), mas agredir a criança também não pode, não”, intervém uma mulher que
assiste a cena. Enquanto conversa com o supervisor, Kaique reforça que vai
pagar pelo almoço da criança e faz críticas à postura do segurança. “Ele me
pegou pelo braço, pegou o menino pelo braço”, diz o jovem. O segurança argumenta
que também teria sido agredido, mas algumas testemunhas questionam. “Ele nem te
tocou. Está tudo filmado”, diz a mulher que está gravando.
Inicialmente, o primeiro
segurança diz que o menino deveria pegar o almoço e sair. Que não poderia
sentar na praça de alimentação. Kaique, então, reage: diz que o menino comeria
com ele, na mesma mesa em que estava. Depois que o supervisor se dirige à
criança, os seguranças se afastam e, finalmente, o menino pôde sentar e comer a
refeição.
Repercussão inesperada
Kaique foi procurado
pelo CORREIO, mas não quer falar com a imprensa. De acordo com a sócia dele,
Nadmilly Gomes, 21 anos, ele não esperava essa repercussão. O jovem teria dito
que não quis se promover – apenas comprar uma refeição para o menino.
Nadmilly estava com
Kaique no momento em que tudo aconteceu. Os dois são sócios em uma loja de
roupas virtual e, na segunda-feira, tinham saído para fazer reposição do
estoque da loja. Por volta de 16h, pararam no shopping para almoçar. Ao chegar
na praça de alimentação, foram abordados pelo menino.
Depois, quando já
estavam sentados à mesa, eles perguntaram ao menino se alguma coisa parecida já
tinha acontecido antes no shopping.
A Kaique e Nadmilly, o
menino contou que mora em Pernambués e, com frequência, anda no Shopping da
Bahia. Ele estava acompanhado do adolescente. “(A situação) Foi uma coisa que
ninguém esperava – tanto a atitude (do segurança) quanto a repercussão”.
No Facebook, Kaique
postou o vídeo acompanhado de um pequeno texto. “Estou muito revoltado com isso
que aconteceu hoje, fui pagar um almoço pra uma criança e o segurança disse que
ele não iria comer, foi uma longa discussão até chamar o supervisor dele e por
fim o supervisor deixar o menino comer no shopping (sic)”, escreveu.
Após o vídeo, inúmeros
comentários de apoio à postura do jovem e de revolta diante da atitude do
segurança foram postados nas redes sociais. “Nada como alguém filmando e tendo
prova contundente! Bem que o segurança tentou distorcer s situação! Mas não deu
né? Que se leve tal provas a justiça e que ele responda penalmente!”, escreveu
uma mulher, na página oficial do shopping no Facebook.
Um homem lamentou a
situação vivida pela criança. “Que humilhação para a criança, vai afetar o
psicológico dela pra toda vida. Que coisa horrível de se ver. Por um prato de
comida”, publicou. “Uma das coisas mais absurdas que eu tive o desprazer de ver
em anos...O absurdo daquele vídeo é tamanho que custei a acreditar que eu
estava vendo aquilo!”, afirmou outro.
Menino é conhecido na
região
Na manhã deste
terça-feira, o CORREIO esteve no Sanduíche de Churrasco,
estabelecimento onde ocorreu a situação. Uma funcionária do local disse que não
presenciou a discussão. Já outra disse que estava de folga.
Também funcionário de um
estabelecimento comercial do shopping, Elvis Souza disse que costuma ver o
garoto diariamente. "Ele vem pedir aqui pelo menos quatro vezes por
semana. Ele pede, mas nunca come aqui. Eu já tinha visto, inclusive, o mesmo
segurança falar pra ele parar de pedir comida aos clientes", disse.
A vendedora Simone
Carina trabalha em uma loja que fica ao lado da Companhia do Churrasco. Ela
disse que é "normal" ver crianças abordando clientes para pedir
comida. "Elas (criancas) sempre vêm aqui pra pegar comida. Eu já vi esse
garoto passar aqui. Ele vem com mais três amigos. Tem cliente que não fala
nada, mas tem outros que não gostam", comenta ela.
Os ambulantes que
trabalham na porta do shopping disseram ao CORREIO que o garoto vende balas no
turno da tarde. "Ele é "menino de rua" e sempre está por aqui
vendendo e pedindo comida", contou um vendedor ambulante que optou por não
se identificar.
O comentário entre os
ambulantes que trabalham na região é ação do segurança. "Ele (segurança)
não sabe o que é morar na rua e não ter o que comer. Achei desumano
o que ele fez", comentou o vendedor de capas para celular Tiago Souza.
Outro ambulante diz que
recebeu o vídeo na madrugada. "A gente que trabalha na rua
sofre preconceito. Eu espero que ele (segurança) pague pelo que fez com o
menino".
Posicionamento
O Shopping da Bahia
divulgou uma nota pedindo desculpas pela situação. Leia a nota na íntegra:
"O Shopping da
Bahia vem a público pedir desculpas pelo ocorrido. A postura adotada não condiz
com o treinamento recebido pelos funcionários, tanto que a atitude tomada pelo
supervisor de segurança reforça o direito do cliente e o acolhimento com a criança.
Reforçamos que nossa operação atua em alinhamento com órgãos de defesa dos
direitos humanos, como o Conselho Tutelar e o Juizado de Menores. O
empreendimento reforça ainda que, em seus 42 anos de história, sempre teve
orgulho de manter uma relação de proximidade e respeito com seus clientes,
valorizando a cultura e o povo da Bahia".
Procurado pelo CORREIO,
o shopping ainda não se manifestou sobre o que poderá acontecer com o
funcionário - assim que a nota for divulgada, será acrescentada à reportagem.
Thais Borges e Milena
Teixeira-Do Correio-Rede Nordeste
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